terça-feira, 30 de agosto de 2011

Sem título XXIX

deitaremos cansados de nossas vidas
apegados a antigos hábitos e tiranias
faremos da velha casa um lar
os filhos crescidos, independentes

e veremos, enfim, nossos sonhos dissipados
e passaremos mais uma vez por bancas de revista,
sapatarias, bancos, iremos ao supermercado e
passearemos, agora velhos, por rótulos e enlatados novos

é a mínima ascensão que nos aguardar,
muito além da voz pastosa da funcionária da mesa ao lado,
que não para de falar de coisas tolas, nauseantes

e iremos assim até o final do dia, do mês, do ano,
até o final dos tempos, em demência e compaixão,
cheios de lembranças de sonhos não resolvidos

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Upperfuração

Irene avançou por nove estados e inaugurou um novo tempo para a costa leste norte-americana. A tragédia pluriestadual. A tragédia que atinge um terço do país. A tragédia do trauma terrível e que, na lembrança, sobressaltará corações e mentes de 60 milhões de indivíduos a cada final de agosto. Irene é um nome eterno agora. Um nome de uma nova era, a era dos upperfurações.

Bullingan

Bullingan tinha um olhar pornógrafo
as mulheres se sentiam nuas diante dele
cada cruzar de pernas, cada nuance de quadril
Bullingan captava, apreendia, catalogava

as mulheres ficavam desesperadas, levando a mão
no meio das pernas, escondendo as mamas
mas muitas gostavam do olhar sacana de Bulligan
se havia as incomodadas, havia as lisonjeadas,
cheias de malícia e que estufavam as carnes para que
Bullingan pudesse apreciar melhor a paisagem

Bullingan tinha um olhar pornográfico
mas era impotente e só e bancário e nunca forçou nada
com Sally, Debra, Suzzy, nada com ninguém,
tinha um olhar pornográfico e só

domingo, 28 de agosto de 2011

A estante morta neste dia turvo

1
A merda é estarmos todos vivos ao mesmo tempo.

2
Ninguém merece o que não tem.

3
Sofrer? Vá à África veja o que é sofrimento.

4
Toda mulher é um estado de espírito estranho.

5
Morrer é melhor do que estar meio vivo.

6
Katrina, Irene... Ah, as mulheres de minha vida!

7
Foder às vezes não é melhor do que coçar o saco.

8
Vou quentando...

9
Toda mulher é um tédio depois de duas horas.

10
Dusquene, um dia a sorte lhe cai nos joelhos.

Sem título XXVIII

Glen chegou na rodoviária morta de forme
Mas quem a comeu foi a cidade dos Anjos
Glen queria uma vaga de atriz
mas o que conseguiu mesmo foi ser atriz pornô
Glen mudou de nome, juntou o nome de duas placas e fez um novo
Glen hoje faz e tem o que gosta: sexo e dinheiro
E Bill, o marido abandonado no meio-oeste, que se foda...

sábado, 27 de agosto de 2011

Uma boa hora para ir a lugar algum

posso perder, mas vou tentando
apesar de todos os revezes, das probabilidades contrárias
você é um homem comum, Dusquene, você não pode muito
mas o jogo prossegue, os dados continuam a rolar,
a sorte está no ar, um dia vou sentir seu cheiro
e não o da merda cotidiana

mas, se tudo der errado, se a sorte fraquejar e não conseguir me alcançar,
sempre haverá a possibilidade de ouvir Satisfation
a música do século 20 e 21, a tradução dos nossos últimos 40 anos
sempre ótima, com uma bebida na mão melhor ainda

bem, Dusquene, não custa parar agora e conferir o resultado...

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

A fé inabalável na velha amizade

Burns tinha um olho de vidro. O cara que fez a prótese sacaneou com ele. Fez o olho um pouco menor que o globo ocular.

Era constrangedor conversar com Burns. Ele me via no bar, arrastava a cadeira e sentava.

- Como vai, Dusquene?

- Tudo bem. E com você?

- Vou indo.

A conversa seguia. Eu pedia mais um drink. Burns outro. Sei lá, o músculo ocular relaxava depois de umas doses.

- O olho caiu, Burns.

- O que?

- O olho...

- Caralho! Aquele filho-duma-cadela me paga...

E a coisa ia assim, mais meia hora:

- De novo, Burns.

- Ahh?

Eu apontava para o meu olho esquerdo, que seria o olho direito falso de Burns, em imagem invertida.

- Porra, que merda! Desculpe, Duc.

- Não se preocupe. Não tem um jeito de colar?

- Você está brincando comigo, não é?

- Sei lá. Não entendo dessas coisas - eu disse - Esquece - e pedi outro drink.

A coisa foi abaixo novamente.

Dessa vez o olho de íris marrom escuro rolou pelo tampo da mesa e foi parar no chão.

- Passou perto de sua mão. Podia ter segurado.

- Desculpe, Burns, mas agarrar olho de alguém é demais para mim.

E levantei com meu drink.

Burns me olhou puto.

- Você é um cretino, Dusquene.

- Para algumas coisas realmente sou.

Antes de me dirigir ao balcão, lhe disse:

- Se eu fosse você recolheria logo esse olho. O proprietário gosta de passar um esfregão e...

Vi o olho restante de Burns aflito perscrutando o chão.

Um modelo de ser humano como crosta

já é ruim ter de levantar às 7 da manhã
e, como se isso não bastasse,
é preciso enfrentar a massa humana
a fila disforme de rostos, bundas, barrigas e quadris
gente compartimentada, o pior da terra

impossível não olhar a minha, a nossa conformação física,
que não é, de modo algum, das melhores

ontem mesmo um sujeito de 130 quilos ocupou dois bancos do metrô
fiquei olhando de cima e pensei em lhe sugerir uma cirurgia bariátrica,
mas fiquei na minha, só observando o mamute lendo jornal:
"Afinal, Dusquene, você não é páreo para confrontar tudo isso se algo der errado"

Magnolia

Magnolia tinha quase 160 quilos e arfava. Todos a olharam quando entrou no vagão. Vestia uma camisa amarela Dogs, jeans enormes e chupava umas balinhas, para segurar a fome até o almoço, acho. Dos lados das axilas as marcas de sudorese.

"Mag", disse uma magricela que a acompanhava, "não vai se sentar?". Mag fez menção de sentar ao meu lado. Mas meu olhar a intimidou, acho.

OK, JFK

Aquela frase do Kennedy “não pergunte o que o seu país pode fazer por você, mas o que você pode fazer pelo seu país”, ou algo parecido, realmente ninguém levou a sério. Hoje os Estados Unidos devem US$ 14,3 trilhões, todo o seu PIB, com a farra impulsionada nos anos 80. Todo mundo mandou o Tio Sam segurar o sobretudo. Babau JFK.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

sem a menor importância

há pessoas sem a menor importância para a paisagem
no conjunto, são as que nada almejam ou as que estão contentes com a sua rotina
são pessoas inexistentes por si
que nada dizem a que vieram, apenas ocupam espaço
e eu as vejo todos os dias nas ruas, nos edifícios, no trabalho
e penso: "como pode? e há um cu nisso"

são pessoas que exalam cheiro de criança recém-nascida
ou seja, o cheiro inconfundível de uma espécie de conformismo,
dos que se sentem seguros neste mundo louco,
e eu as vejo todo santo dia e continuo a pensar: "e há um cu nisso".

Sem título XXVII

foi no dia do terremoto
as pesssoas saíram dos prédios
e olhavam para cima
e pensaram em atentados terroristas
Virgínia tremeu, 5.8 e mais tarde 4.5
na escala Richter, ou algo parecido
a Costa Leste abalada, o fim dos tempos
danos na Catedral de Washington
quem sabe o terremoto não é um aviso?
políticos comecem a se mexer
resolvam o déficit público anual
ponham o mundo em movimento de novo
porque os grandes bancos
estão anunciando demissões
porque a Europa patina em dívidas
como o próprio Tio Sam; sei que a margem
de manobra é pequena, mas deem um jeito, OK

enquanto isso os tremores mexeram
o limão na vodca de muitos

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Canto do jovem homem enfermo

lá vai a silhueta de um homem só
carregando o peso de ossos e carnes
passa por prédios e galerias
vai no frio da manhã cinzenta
o homem tem asma, e tosse,
tosse agravada pelo cigarro
é jovem ainda esse homem
e está se formando e está bebendo
e deseja ser um escritor, só isso,
mas o mundo é repugnante e prefere
ler os idiotas, os que vendem,
mas ele ainda escreve muito mal

vai longe agora a silhueta de um homem só
enfrentar mais um dia de trabalho estéril
manchar seus dedos com a graxa roxa dos carimbos
intoxicar-se com vidas imprecisas, sem pauta,
com os risos de tantos rostos felizes e tremendamente sós

Fence Boulder

Eu não mexeria com Fence Boulder se fosse você, amigo
Fence já retalhou cinco sujeitos no Colorado
Fence se inspira no sol, na terra e no ar
e vive de acordo com o instinto, o que é ruim
Fence não quer conhecer ninguém ou ter companhia
Fence é rude porque nunca bebeu na vida
o velho Fence Boulder do Colorado

Ele foi visitar Maryanne e ela não estava em casa
Ela escreveu que não aguentava mais a solidão e se foi pro Alabama
encontrar um homem bom, protestante e sincero
Fence Boulder cuspiu de lado e não deu muita importância
teria as mulheres que quisesse, sempre ou não

Eu não mexeria com Fence Boulder agora se fosse você, amigo
Esse homem sabe o que quer da vida, e sujeitos assim são perigosos
Ninguém sabe muito bem o que fazer, mas ele realmente sabe aonde deseja ir
e isso, de certo modo, será temerário para uns e outros que atravessarem seu caminho


domingo, 21 de agosto de 2011

todos os sonhos morrem às sextas-feiras

A velha Mildred gostava de colocar uns vasos com plantas no parapeito da janela. Gillmore alertava Mildred.

"Qualquer hora um troço desses balança, cai e faz um estrago na cabeça de alguém. Se for comigo, as consequências serão graves...".

"Você está me ameaçando? Vou telefonar para a polícia".

"Dona, telefone para o escambau. Eu já lhe dei o aviso".

Um dia aconteceu. Um dos vasos com gerânios despencou e estatelou no piso da entrada, bem na hora que Gillmore saia pro trampo. O adubo negro do vaso cobriu as barras de sua calça creme e penetrou nos sapatos. Uma merda só. Gillmore olhou para cima e viu Mildred assustada, segurando um vaso que ameaçava cair.

"Eu lhe avisei", disse ele.

Gillmore abriu com força a porta do prédio de três andares, sem pilotis.

O que se ouviu depois foi o baque surdo de porta escancarada a pontapés, os gritos de Mildred e o barulho de vasos se quebrando no 279.

"Você é louco. Um homem insano aqui. Minhas azaleias, meus gerânios! Oh, meus pobres gerânios...".

Mas Gillmore continuava, firme, a destruir os jardins suspensos.

sábado, 20 de agosto de 2011

O inexplicável momento de nada dizer

A velha Mildred gostava de colocar uns vasos com plantas no parapeito da janela. Gillmore alertava Mildred.

"Qualquer hora um troço desses balança, cai e faz um estrago na cabeça de alguém. Se for comigo, as consequências serão graves...".

"Você está me ameaçando? Vou telefonar para a polícia".

"Dona, telefone para o escambau. Eu já lhe dei o aviso".

Um dia aconteceu. Um dos vasos com gerânios despencou e estatelou no piso da entrada, bem na hora que Gillmore saia pro trampo. O adubo negro do vaso cobriu as barras de sua calça creme e penetrou nos sapatos. Uma merda só. Gillmore olhou para cima e viu Mildred assustada, segurando um vaso que ameaçava cair.

"Eu lhe avisei", disse ele.

Gillmore abriu com força a porta do prédio de três andares, sem pilotis.

O que se ouviu depois foi o baque surdo de porta escancarada a pontapés, os gritos de Mildred e o barulho de vasos se quebrando no 279.

"Você é louco. Um homem insano aqui. Minhas azaleias, meus gerânios! Oh, meus pobres gerânios...".

Mas Gillmore continuava, firme, a destruir os jardins suspensos.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Blind Tom

Blind Tom tocava música de ouvido
Blind Tom ouvia a música e reproduzia na hora
Blind Tom tinha deficiência mental
Blind Tom, depois de tocar, batia a cabeça na parede até sangrar
Blind Tom era negro e pobre
Blind Tom realmente existiu
Blind Tom morreu com seu dom
que de nada lhe valeu,
pois jamais soube que fazia
essa mágica

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

A lua sob os escombros do meu ser, linda como a queda de

a lua vai nos deixar um dia
daqui a bilhões de anos, dizem
mas, agora, olho para ela
e ela é minha

a lua e suas rugas fundas...
é, eu estou mais uma vez bêbado
e o poema sai assim mesmo
cheirando a tinto barato
e seco

emborco mais um gole da garrafa
- o caralho as boas maneiras
só eu, a garrafa e essa lua absurdamente fêmea
mulher canalha, traçoeira
mulher que eu tenho
mulher, porra,
mulher


quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Sem título XXVI

estou mal para escrever um poema, qualquer poema
realmente não quero escrever sobre nada hoje
nada que faça sentido para qualquer um

as muralhas das cidades são um poema a céu aberto
seus edifícios espelhados, as ruas em tumulto,
o trânsito infernal, a umidade de deserto,
a fuligem, o desespero, o desarmor, a urgência irrefreável,
o cansaço presente em tudo, nos cartazes
nos comerciais, nos noticiários...

qualquer poema, portanto, seria mais um entre milhares, entre milhões
seria cair na rotina, como cerveja choca em garganta seca
enfim, algo sem propósito, sem endereço, sem pegada,
e eu não desejo nenhum mal para vocês:
nem o mijo do cachorro do vizinho,
nem um mau poema

A solidão de um homem acompanhado

"Você pensa que é melhor que eu, Dusquene?". Eu olhei para o bebum. Virei o rosto e voltei a beber o uísque. "Estou falando com você, seu pulha". Continuei bebendo. "Você é uma craca no mundo, Dusquene". Virei de novo e voltei a encarar o sujeito. "Dusquene, eu vou morder seu cu um dia desses". E eu ouvindo aquilo. O cara estava bêbado, certamente. "Você é um bosta, Dusquene. Uma grande bosta!". Definitivamente o sujeito queria briga. "Vá se foder, Duc. Seu escritor de quinta categoria. Seus escritos são um estorvo para a humanidade". Não aguentei mais. Entornei a dose e sai do bar, prometendo nunca mais beber diante de uma parede espelhada.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Fante, Fante, todo Fante

1933 was a Bad Year
Bukowski resgatou essa novela incrível
Fante no manuscrito
esse livro de Fante inédito até 1985
O Braço inédito, o arremesso feroz
os sonhos de uma América em plena Depressão
tudo tudo todo ali
naquele livro maravilhoso

eu sou, quem não é, Dominic Molise,
dos Molise, de Roper, Colorado
Santo John Fante, Santo Fante
que mostrou o texto real, verdadeiro

você me fez querer ser Santo,
Santo, Santo, Fante heroi da América
"enfim, encontrei um grande homem,
alguém que não teme a emoção"

Fante redescoberto por Buk
Fante Santo Arturo Santo Santo Bandini
1933 was a Bad Year
só foi para você, Dom Molise,
para quem lê é a América, ingênua,
e fiel a seus filhos

domingo, 14 de agosto de 2011

Miragem de uma vaca na estrada do desconhecido

a semana é sempre em perspectiva
pode ser uma droga - e geralmente é -
ou nela chegar a Fortuna, essa prostituta linda,
e ela poderá finalmente mostrar a calcinha para você

confie, Dusquene, aprenda com os dias ruins
dias de insolação, urticárias e dor,
de suor esfalfante, de pragas e insânias
de nada

lembre-se que haverá sempre a possibilidade
do tinto e do relax, da sorte sentar em seu colo

"E aí, mulher, como você cê chama?"
"Rebecca Money".
"Sobrenome interessante, Reby, Aceita um copo?"

E ela aceita e ela põe a língua fria na sua boca
e, com a mão macia, pega o mangalho, já teso.
"Hoje a sorte sorriu pra você, Duc".

E ela sorri aqueles belos dentes de pérola
na moldura do carmim intenso.
"É, baby, eu merecia um descanso das trincheiras".

"Então, Reby, como vai ser? Onde assino para receber a grana?"
E ela me mostra um pergaminho antigo,
retirado da liga preta de sua perna direita.
Ela toda de seda azul, perfeita, maravilhosa...
"Aqui, no pontilhado".

Ao colocar a caneta na linha indicada, eu noto
a expressão no meio do texto, diminuta, mas logo acima.
"e assim ele concede sua alma".
"Porra, de novo essa história de alma, Reby".

Mas quando eu levantei os olhos a puta havia sumido.
E eu ali, no quarto, segurando a caneta verde-enxofre
com o zíper aberto e o pau penso.

sábado, 13 de agosto de 2011

A merda que vaza aos sábados, incapaz

1
"Vó, a senhora ainda trepa?"
"Não. Mas ainda chupo".

2
A finalidade de toda mulher é fazer um homem infeliz.

3
Quem sai aos seus, geralmente degenera.

4
"Filha, que cê quer de aniversário?"
"Umas bolinhas interessantes que vi outro dia".
(...)

5
Um homem largado na planície, é assim que me sinto o tempo todo.

6
"Os velhos têm ainda o que esperar da vida...".
"É, diabetes e morte".

7
Ninguém é decente as 24 horas do dia. Nem quando dorme.

8
Pobreza não é um estado de espírito, é de bolso.

9
Foder é essencial. Ter filhos, totalmente desnecessário.

10
Uma grande mulher geralmente escolhe um péssimo homem.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Sem título XXV

as ruas são ásperas e isso é salutar, necessário
porque, bem ou mal, nos tornam rijos
preparados, alertas

eu já trabalhei em muito emprego
vagabundo, tedioso, enfrentei barras,
mas valeu a pena, sempre vale

isso me fez criar um crosta, uma espécie de proteção,
o que não é insensibilidade, mas lógica
- é, posso dizer assim

o homem que caminha solitário na planície,
o sujeito que bebe e já conversou com suicidas
tem realmente uma defesa a mais -
será? Bem...

não sei, mas me vejo mais preparado,
com uma pegada melhor, um jogo mais ligeiro,
com mais raiva e serenidade, talvez

as ruas moldam a personalidade de quem as aproveita,
fazem do ser humano algo melhor ou pior, é certo,
e quem não convive e não aprende com elas
meio que não se forma todo verdadeiramente

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Um quadro feito da beleza que não existe em qualquer lugar

essa mulher é a beleza passando
diante de meus olhos cansados
ela me daria um bocado de trabalho
mais eu a faria feliz

eu lhe ofereceria um drink e lhe daria um beijo na nuca
falaríamos de pássaros, peixes e cães
eu perguntaria sobre a sua vida
ela me diria pouco
eu pouco falaria
também

eu guardaria a sua beleza triste, mas voluntariosa
nesse quadro impressionista
do meu amor de ontem
que ontem vi

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Um conversa de peso sobre a sucessão dos dias

"Mulheres grávidas são interessantes, Dusquene". "Por que?". "Você pergunta a elas: quantos meses de gravidez?" "E daí?" "Daí ela lhe diz 'quatro meses e duas semanas'". "Sim , e o que tem isso?". "Bem, você fica sabendo então que há quatro meses e duas semanas ela FODEU, FODEU LEGAL". "Como?" "É o único momento que você TEM A CERTEZA ABSOLUTA da foda de uma mulher, tirando os vídeos pronográficos, logicamente. Pense nisso, Dusquene". "Bullford, você é maluco. Suma da minha frente".

A pálpebra meio aberta me confunde

eu sou intratável
no trabalho as pessoas me olham de esguelha
pensam que sou um alienígena
e isso é bom

quanto menos contato eu tiver com a Humanidade,
melhor para mim e para ela,
sei que sou uma bolha de raiva
e impaciência

a idiotia das pessoas me incomoda
mulheres grávidas me incomodam
pessoas no metrô me incomodam
o sol entrando pela cortina
me incomoda muito

um dia Dóris me falou:
"Dusquene, você é quase um ser humano"
gostei do elogio,
gosto de Dóris

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Eu e ela em meio ao tédio infinito

o risco é sempre estarmos vivos
e nos aborrecermos mutuamente
- o que é sempre inevitável

é nos detestarmos mais a cada dia,
a cada gesto, a cada olhar, a cada visita, no caos
de tudo e todos

estamos de saco cheio
uns dos outros,
admitamos...

fora os parentes, os vizinhos,
os cachorros mijadores e cagadores,
as mulheres que vivem vidas por meio de novelas,
fora a maldita velha que tosse e tosse e tosse
enfim, fora a grande bola de merda
feita de tudo isso e
que sempre vem
em nossa
direção

por isso, baby,
fique um pouco quieta,
só olhe aquela grande lua e
estas bebidas em nossas mãos
vazias de carinho

The good mother

“O que é isso, Fred?”. “Não é nada, mãe”. “John, venha ver o que Fred tem nas duas mãos!”. “Mãe, não chame o pai, que eu levo uma surra”. “O que você bem merece, seu indecente”. Por fim a mãe se acalmou. “Jogue isso no latão dos fundos. Tire a gosma das mãos e da boca e venha jantar”. Às 21h, com o jantar terminado e John vendo o noticiário com Fred na sala, a mãe foi sorrateiramente tirar o objeto jogado pelo garoto na lata do lixo. Aquele cone de duas polegadas teria algum proveito.

Bill Jean

Por que Bill Jean seus olhos estão vidrados?
Por que seu pai lhe deu tantas surras?
Por que falhou a promessa da boa infância?
Por que a morte chegou tão prematura, vã?
Por que essa claustrofobia em ruas estreitas?
Por que não existe qualquer fé em seu coração?

Por que Bill Bean? Por que?
Por que um muro tão alto, cinzento, chapiscado e frio?
Por que Hiroshima não ocorreu em seu bairro?
E por que seu pai lhe deu tantas surras?
E por que sua mãe olhou para o lado e chorou, um pouco?

O mundo é muito injusto Bill Jean,
muito, muito injusto,
mas você tem certa culpa
por ter nascido num lugar tão ruim
é, Bill Jean, não chore agora,
mas você tem


sábado, 6 de agosto de 2011

No more, no more

"Mulher feia está no último lugar da cadeia alimentar, Duc" (...) "O caralho que é assim. Não quero mulher feia na minha pintura. De jeito nenhum" (...) "Deixe disso, Dusquene...Tá, algumas se maquiando, passam. Mas a maioria deveria ser sacrificada. Só representam cagadas a mais no vaso" (...) "Não. Eu não acredito em compaixão. Só sexo, sexo pesado, mano. Nada de papai e mamãe comigo. E com as feias, não dá, não rola" (...) "Vá se foder, Dusquene, respeite minha mãe"

Por que eu me sinto tão mal

estamos meio perdidos nessa terra de ninguém
sem objetivo algum
só quentando o rabo no sofá
e esperando que algo aconteça
ou um copo de cerveja nos chegue às mãos

é um troço esquisito esse tédio
não sei o que vocês fazem
para confrontá-lo
- eu escrevo poemas
e tenho uma novela "Moto Continuum"

realmente não sei mais o que eu posso fazer
ou querer, ou ter, sei lá
as coisas precisavam fluir mais rapidamente
eu precisava querer mais até
- porém não quero nada,só quentar ao sol de agosto

é difícil não ter uma meta,
mas qualquer meta e merda dá na mesma
no final tudo fica extremamente ridículo
e sem sentido, de qualquer forma

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Diário de um esquecimento

as pessoas me incomodam
só de vê-las passo mal
sinto náusea

é um negócio meio doido
mas realmente eu não gosto de gente
prefiro ficar na minha
vou ao bar pela bebida
não para di-a-lo-gar

vão todos se foder
- e que eu me foda também

aquela piranha não me dá há meses
mas vive no motel com um outro qualquer
- é, Dusquene, você vai de mal a pior

é foda
gente é foda

Aquilo que é bom e nem é tanto II

Eu não suporto mulheres que falam demais. Acho que um dos requisitos essenciais de uma mulher é falar na medida certa. Tinha uma dona no meu terceiro emprego no almoxarifado da Ummus que não parava a boca. Era um troço medonho ver aqueles lábios finos se movimentando. A mulher dava um leve "bom dia" e daí começava falando dos últimos acontecimentos políticos, da trama dos seriados da TV, da merda do presidente, da lata de lixo que ruiu de velha, do cachorro do vizinho que latiu a noite toda, de mariscos e polvos, das adolescentes que abrem as pernas por nada, etc, etc, etc.

Gillmore ficava só olhando Wilna falar. Jurava pra todo mundo que ia fazer aquele canário calar. Eu fiquei na minha, mas anotei a ameaça. Gillmore não aguentava mais. Trabalhava numa mesa ao lado de Wilna e era ele quem recebia o maior impacto.

Num final de expediente, lá pelas 21, sirenes de polícia e o escambau no pátio. No final da última fila de prateleiras do setor encontraram Wilna toda ensanguentada, com Gillmore sentado a seu lado, escorado na parede, com uma espécie de cano de metal nas mãos.

Ele simplesmente olhou para os policiais e falou. "Eu amo essa mulher. mas ela não para de falar. Quebrei-lhe os dentes".

E Wilna ali, babando sangue, sem dizer uma única palavra.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Aquilo que é bom e nem é tanto

todos os bares estão fechados
todas as gargantas estão secas
e o tédio ronda
esta segunda-feira

a TV novamente não tem nada que preste
e ainda tenho quatro cervejas a meu serviço
e não há por que não bebê-las

a maquinaria da noite
envolve luzes de postes longínquos
como borrões impressionistas
e os bares mantêem-se fechados

só há a certeza da terça-feira
e que o fim de semana avança
- e eu que detesto todos os fins de semana
que são como bocas velhas
fluindo seu esgoto sem dentes

é...
só me resta cair de pau
nessas garrafas
e rezar para amanhã ser
um bom
e rápido dia

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Poema da morte prematura

ei, baby,
vamos pegar as flores
que secaram antes das lágrimas

vamos andar nos campos
vamos correr para a última estrada
onde não tem mais coisa alguma de ninguém

ei, baby,
que tal fazermos algo que valha a pena
morrer em uma tarde de junho está fora dos planos

ei, baby,
então vamos fazer uma coisa louca
que tal sermos felizes, um pouco, só um pouco, agora