terça-feira, 30 de novembro de 2010

o que largamos no turbilhão ao vento volta

necessário seria apenas um gesto largo
uma palavra mais calma
um sorriso sem pagamento
para salvar uma vida

um aceno de cabeça,
um OK bastaria
um comentário jocoso
qualquer camaradagem
um bater de copos
bastaria

o mundo perde muito
sem esses pequenos gestos
então, mantemos nossas caras fechadas,indiferentes,
como se fôssemos parte de uma competição,
peças de um jogo, lento e brutal

abra um cerveja, homem
cante a velha canção
inaugure uma nova estrada
com um passo
um passo
firme

sei que é difícil acordar
com essa raiva, sempre
esse amargor
essa ressaca social
ainda mais
nessa cama cinza
nesses lençois desbotados
da miséria compartilhada

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O que faço das minhas horas de folga é problema meu

Às vezes ficamos sós por um momento, e isso é bom. Sem música ou vozes. Só o silêncio. As pessoas necessitam de silêncio. Elas não sabem. Mas é o que elas mais precisam atualmente. Muitas estão enlouquecendo porque não conseguem desligar um minuto, parar de ouvir, para de falar. Parar simplesmente. Um pouco.

Eu sou antissocial por natureza. O que ajuda a manter os chatos afastados. Os vizinhos receosos. O mundo longe. Essa é uma boa estratégia para seguir. Ser antissocial. Meu computador me basta. A página em branco, pronta para ser devassada, corrompida, conquistada. É sempre algo bom. Tranquiliza.

Estamos repletos de nós mesmos. Cansados de gente. Rostos, corpos, braços e pernas para todos os lados que olhamos. A mediocridade, essa mãe de multidões, atrapalha um bocado. Com ela surge o barulho infernal, o vozerio sem fim, incongruente e obsceno de miríades de bocas e mentes obtusas.

Sou mais ficar aqui em cima, no apartamento, tabulando no computador umas coisas. A minha única urgência agora (vou pedir a Gill...) é a de um saca-rolhas para abrir esta garrafa de tinto. O copo está aqui do lado. É, isso também é bom.

domingo, 28 de novembro de 2010

Sempre há uma possibilidade de escapar do inevitável torrão de bosta

No futuro, homens se deslocarão em grandes cilindros. Explico. Você será acondicionado em uma cápsula com espaço para uma, duas, quatro, dez pessoas. E, a partir de um poderoso sistema de sucção e propulsão magnética, será jogado numa espécie de autopista. Chegará assim por exemplo, de forma programada e numa velocidade espetacular, no local de trabalho, a 200/400 km de distância.

“Oh, meu Deus, vomitei todo o almoço”.

“Frank, cadê Jezebel?”.

“Sei lá, deve ter embarcado na pílula errada...”

“PARA ONDE, FRANK? MINHA POODLE ESTÁ PERDIDA! VOCÊ TEM DE ENCONTRÁ-LA!”.

“PUTA-QUE-O-PARIU, MARTA! SÃO TRINTA E DUAS OPÇÕES DE EMBARQUE NA CANCELA TRÊS. COMO VOU SABER ONDE A CACHORRA SE ENFIOU?!”.

“FALE COM O MONITOR DO SETOR, POR FAVOR...”.

Não adiantou. O monitor tinha mais o que se preocupar. Disse que não vira animal algum perdido nas imediações. Só restava comunicar ao Setor de Achados e Perdidos.

Para lá se dirigiram.

“Mas vocês cuidam de coisas vivas, não?”.

“Se não forem muito agressivas...”, disse o sonolento rapaz da recepção.

“Ela morde, às vezes...”, atalhou Frank.

“FRANK!”

“Se tentar morder vai pro CEO direto”, emendou o garoto do balcão.

“CEO? Mas o que é CEO?”

“Centro de Eliminação de Objetos... Objetos que estão com defeito são descartados na fornalha”.

“O QUE?! VOCÊS NÃO DIFERENCIAM COISAS INANIMADAS DE VIVAS”.

“Não temos tempo pra isso, madame. O trabalho aqui é corrido. Vazou, explodiu, enguiçou, mordeu... Vai pro fogo na hora”.

“SEUS BRUTOS! QUERO VER O GERENTE DESSA ESPELUNCA AGORA! EXIJO VER O RESPONSÁVEL!”, esbravejou Marta.

Seguiram um dos auxiliares por um corredor longo e escuro. No final do mesmo, o rapaz apontou uma porta de vidro, onde se lia:

“SR. HUMBOLDT CABLE. Gerente-titular do SETOR B-3 de Achados e Perdidos. Proibido terminantemente entrada de animais. QUALQUER UM!”

“Outro dia inesquecível...”, disse um conformado Frank, girando a maçaneta para a passagem da mulher.

Consumatum est

essa urgência do vil metal
do automóvel do ano, da gasolina Premium
das férias inadiáveis, da mulher do ano,
do vale-brinde, do status
tudo isso mata
e rápido

essa obrigatoriedade de caminhar entre iguais
esse acaso de conviver com os idiotas
essa necessidade de ir toda semana ao mercado
comprar material de higiene
alguma alimentação
e umas garrafas

torna as pessoas cada vez mais duras
cada um cuidando de si
ninguém de ninguém
nem do irmão
nem da mãe

e assim caminhamos
no pesadelo da contemporaneidade
em que todos se desconhecem
embora vagamente conhecidos


Dusquene, ao entardecer

sábado, 27 de novembro de 2010

Um lamentável episódio de minha pobre vida

Foi assim.

O cara do Serviço de Pessoal do Fundo de Pecúlio dos Correios me encarou e pediu que eu preenchesse o formulário de admissão. Era um gordo, empapado de suor no colarinho, os botões da camisa arrebentando.

Comecei.

Nome: Otto Dusquene

Profissão: qualquer uma que me convier (e à gerência).

Endereço: Rua Buckshoes, 135, fundos da Madison (endereço inventado na hora)

Preferências: beber "quentando ao sol". Beber perto do frigobar. Beber simplesmente.

Não gosta de: gente e tudo o que dela decorrer.

Política: não cheira bem.

Por que quer entrar para nossa equipe: estou muito só ultimamente. E preciso de grana.


Você é meticuloso naquilo que faz: depende do que for aquilo. No geral, não.

Hábitos: vide "Preferências"

Por que quer trabalhar no Fundo de Pecúlio dos Correios: vide resposta "nossa equipe".

Gosta de animais? ?! (talvez: de pombos e gatos, quando se misturam)

E a coisa foi nesse marasmo até o fim. Puro soterramento.

Depois de 45 minutos, devolvi o troço pro gordo do Serviço de Pessoal.

Aí aconteceu a merda toda. Mesmo após lerem todas as minhas referências e observações me ligaram numa tarde quente comunicando que eu conseguira a porra do emprego.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Uma tarde-noite como outra qualquer...no Finnegan's

Conheci Brenda Clark no Finnegan´s.

Eu estava bebendo no fundo do bar. Aí ela chegou. Não em mim, no balcão.
Gostei do tipo. Boas pernas, bons peitos. Vestido vermelho estampado escuro. Sapatos altos, pretos. Enfim, uma mulher...pensei.

Ela me olhou. Eu olhei. Ela piscou. Eu fui. Sentei no banquinho do lado.

Pedi um scotch. Ela foi de martini. Classuda.

- E aí, como você se chama?

- Dusquene, madame.

- Humm. Finalmente um cavalheiro na cidade.

- É. Pra variar, baby.

- Não me chame de baby. Eu não gosto.

- Tudo bem. Ficamos por aqui bebendo uns drinks ou vamos pra um lugar melhor.

- Tenho um apê aqui perto.

- Um bom começo.

Fomos pro apê. Belo apê por sinal. As cortinas afastadas mostravam um bom panorama da cidade.

- Acho que posso me acostumar com isso – eu falei.

Brenda riu. Desta vez eu pisquei.

No fundo da sala cor de salmão havia um piano de calda. Muito distinto.

- Você toca?

- Quer dizer...piano? Oh, não! Parei no quinto ciclo. Optei pelo golfe. Cê tá me estranhando?

- Calma, benzinho.

- Não me chame de benzinho. Não somos íntimos a esse ponto.

- Mas podemos ficar...

Então Brenda apontou para o quarto (presumo que era um quarto) no final do corredor.

- Que tal?

Fui grosseiro.

- Dá pra beber mais um drink antes do troço?

- Não. Quero agora.

- Se é assim. Estão vamos.

O colchão era de água. Não tinha como. Eu bem que tentava, me esforçava, mas o negócio empinava. Dobrava minhas costas. A instabilidade do líquido.

- Mete, vai, mete fundo! - ela dizia.

Após muito suor, carquei e fui. Resfolegando, o colchão subindo, Brenda descendo, o suor empapando tudo, o fim de tarde, o calor, a maldita dor nas costas, joelhos, cotovelos e mãos sem sustentação, tudo balançando como pinheiro num vendaval, mas, por fim, os vizinhos acabaram escutando o tumultuar dos ahhhhhhhhhh, baby, benzinho,isso, éééé benzinhoooooo, babyyy, urfghhhahhhhhhhhhh que foi se propagando até o balcão do Finnegan’s.

É, o Finnegan´s, bom bar para começar uma foda.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Escadas rolantes fazem mal aos olhos

Sou obrigado a ver dezenas de bundas murchas, ignóbeis, toda vez que subo uma escada rolante. Por isso, deveriam ser proibidas. Não as bundas, mas essas escadas. Não quero vê-las (as bundas), mas elas ficam enfileiradas e em ascensão na minha frente. Não há como não notar. Temos que cuidar dos nossos olhos assim como cuidamos dos genitais. Podemos sujá-los às vezes, mas não toda hora. E escadas rolantes sempre oferecem um espetáculo constrangedor.

O formato é variado. Existem os de bunda chapada ou reta, de bunda meia bomba, de bunda meia-taça (em que os pomos caem de repente e ficam ali, pendurados, como massa desprendendo) e os bundões - ou quase isso. Há também o bundão cavalar, megalômano, indecente. Tem de ser de ferro a privada para aguentar um desse tipo.

Todos os dias na volta do metrô sou forçado a me deparar com essa tragédia móvel. Mas há um consolo. Algumas mulheres têm atrás o que muitas vezes lhes falta na frente. E disso eu gosto.

Reflexão enquanto compro um jornal

não estou legal
na calçada
os rostos me deprimem
são insuportavelmente banais
corriqueiros como grama
comuns como moscas
antes fossem varejeiras

penso que não sobreviverei muito tempo
nessa situação
- mas você, Dusquene, não viveu até agora?
suporte um pouco mais
espere a primavera...

os jornais
repetem a mesma história
e se enganam ou a dizem pela metade
a crise norte-americana é simples
os caras compraram demais
estouraram os limites de seus cartões
cada norte-americano
deve US$ 8,000,em média, em compras a crédito
agora vão ter que parar e pagar suas dívidas
é isso, só isso
querem enganar a quem?
e o desemprego vai ficar na casa dos 9%
por muito tempo ainda

termino de ler os editoriais
- quem lê editoriais, meu Deus?
sigo triste, sob uma chuva fina,
os rostos continuam igualmente aterradores

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Um evento à luz do dia

ei, Joll,
o que você vai fazer agora?
afinal,
você não esperava por isso
não é, Joll?
eles não lhe deram estudo
só umas baganas
sem filtro
né, Joll?
por isso, teve que roubar
matar a fome
fazer a vida
Joll

puta-que-o-pariu
a bala foi um coice
no peito
do cara
tava ali à-toa
não tinha nada que tá ali...

não deu pra escapar, né Joll
você tem nervos frios
aguentou muita coisa
mas aquela
cusparada
não deu...
foi o cara é?
foi

por que ele lhe provocou?
ninguém sabe a paciência
de ninguém
ninguém sabe
não é, Joll?

Joll,
quais os seus planos na prisão?
quais os seus projetos para a Morte?
Alice talvez não possa lhe esperar
São 20 anos, Joll
20 anos
é demorado

Esse não vai ser um dia daqueles

não adianta tentar escapar
ela te pega na rua
aonde você estiver
quanto mais prevenido
melhor para ela

a rotina
te fode o dia, sempre,
empapa o colarinho de suor
enche de lama os sapatos
brinca contigo
o jogo do gato e rato

às 7 da manhã
entra nos teus poros
- há 30 anos está nos meus -
e te faz pequeno como ela

a rotina empalma teus sonhos
e os sufoca
te faz menor a cada dia
te emascula
é um troço sério

e não há muito o que fazer,
camarada,
a não ser descer a maldita escada
comprar o jornal
para ver se não houve um terremoto
ou um maremoto por aí
para o dia ficar mais interessante

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Urbanismo

As galerias que vazam os edifícios comerciais deveriam ser lugares de pequenas lojas chinesas, com fachadas de vidro escuro, emolduradas de laca negra. Isso daria uma certa distinção a elas, um ar de mistério.

Mas não. São largas demais. Pùblicas demais. Locais corriqueiros. A fauna que ali passa torna o ambiente previsível. Povoado de passos de gente morta. Meros pontos de passagem indo do nada para o grande nada.

Porque o arquiteto não previu isso, meu Deus? Esse marasmo. Por que esses rasgos inúteis que a todos abarcam? Torpes espaços emporcalhados,devassados como mulheres nuas.

domingo, 21 de novembro de 2010

De minha janela fria

você só conhece a cidade quando ela adormece
às 3h da manhã
quando chega perto
olha pela vidraça e vê carros esporádicos
passando sob os postes de luz laranja
vê o asfalto como uma enguia reta e cinza
indo e indo e indo

a longínqua sirene dos bombeiros
os gritos dos bêbados e suas brigas
o sexo dos gatos nos telhados
são esses os verdadeiros ruídos da cidade

não a loucura diária
não o café da manhã
não o jornal fresco
não os passos dos homens e seus trabalhos
não a normalidade aparente

cidades são como crimes a céu aberto
com seus prédios e sarjetas
hospitais e necrotério
guaritas e cancelas e becos

são
monumentos pagãos
a um deus qualquer
dê a ele você o nome que quiser
mas são um tributo a um deles - Moloch, talvez -
isso eu sei que são

Uma noite em que não dormi direito

cuidado com a química
vá devagar nos destilados
a noite tem 12 horas, contando com a madrugada

pega leve
um drink calmo pra variar
senão as garrafas te pegam

muitos homens perderam a batalha pras garrafas
não foi culpa deles -
está bem, em parte foi -
é que as garrafas são fortes
já vêm rotuladas, provocantes
e agem coletivamente
já o sujeito é apenas mais um na multidão

e nós somos química
e qualquer química em consórcio
com outras químicas,
bem, o efeito não pode ser dos melhores
muitas vezes não é

pegue leve nos destilados
fique na cerveja
lembre-se da velha amiga
A RESSACA, essa velha desdentada
que quer porque quer
lhe enfiar a língua murcha na boca
e sorver seu fígado

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O que os meus olhos veem

quem vê essas crianças de rua
mal sabe o drama de suas trajetórias

são filhos e filhas de pais alcoólatras,
viciados, violentos

são amantes de seus irmãos maiores
ou do vizinho abusador
curradas aos seis anos de idade

crianças forçadas, humilhadas, prostituídas,
espancadas, barbarizadas até a medula
ou até o esquecimento

exploradas por pederastas gordos, travestis, cafetões
violentadas por toda a vida
crescendo com ódio, traumas e dor...

por isso, quando você enxergar
uma dessas crianças em uma rodoviária
- e é fácil encontrar sempre alguma -
pense muito bem como vai tratá-la
o que vai dizer a ela
se algo ofensivo

trate-a com uma educação
e, principalmente, com uma compaixão
que sei que você não tem nem pela sua mãe

Negociação ao cair da tarde

"Estamos abertos à proposta, homem. Queremos sua alma.
Você sabe disso".

"Sei. E daí? Qual é a proposta?"

"A proposta é você quem faz".

"Tudo bem"

"Então, qual é?"

"Calma, estou pensando qualquer coisa".

"Não tenho o dia todo".

"Ei, cara, vá se foder. Você me aparece no
meio do quarto, enquanto entorno uma birita.
E me apressa? Afinal, quem é você?"

"Maxwell"

"Maxwell de quê?"

"Apenas Maxwell. Meu pai não gosta de sobrenomes".

"E quem é papai?"

"Você sabe muito bem quem é, Dusquene".

"É. Um filho da puta qualquer"

"Não fale assim dele. Olha o respeito".

"Ó, sua bichinha, sarta fora. Não quero fazer
proposta nenhuma. Não vou vender minha alma".

"Estou pagando bem: mulheres, iate, grana preta".

"Tá bom. Aí vai. Vendo minha alma por SOSSEGO.
Mil anos de SOSSEGO".

"Fechado"

"Então, some. Volta daqui a mil anos pra me pegar"

"CARALHO! Mas conta no tempo de VOCÊS!"

"É".

"Dusquene, seu tremendo filho duma..."

"Trato é trato, rapaz".

Então ele me deu o dedo e desapareceu.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

800 toneladas de merda

às 6 da tarde elas começam a descer dos apartamentos com seus cachorros
são gordas, magras, loiras, morenas,
jovens, de meia-idade, velhas,
todas levando pela coleira o totó

Os pimpolhos despejam 800 toneladas de merda
nas calçadas do país todos os dias,
apenas em três estados

as donas seguem pelas calçadas até 21 horas
seus cães emporcalhando o passeio
fodendo com a paciência que resta do sujeito
que volta de 12 horas de batente
pisando em merda
de animal

por que essas mulheres não arranjam
algo verdadeiramente decente
para ocupar suas vidas?
bebam, façam sexo, vão ao cinema!
mas matem seus cães!

"Vamos logo, Patrícia, mamãe tem que subir
pra ver o capítulo onde Mattison e Pamela
vão se envolver numa
noite daquelas"

"Vamos logo, Patrícia...cague, filhinha!"

E totó deixa o presente pro filho-da-puta
que teima em pisar em bosta de cachorro
todas as noites voltando do emprego de 12 horas diárias

Dusquene

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Catálogo das mulheres que não tive

ela é sexo puro
um ser alado e portentoso, essa mulher...
suas asas são suas omoplatas
- sempre considerei as omoplatas femininas como asas
em nascimento

ela se volta
um instante e sorri
só assim sinto que nem tudo está perdido
que talvez valha a pena colocar a mão na merda
e revolver o limbo à procura da pérola

só assim
penso que exista vida
pelo menos nela
em seu corpo esguio, louro, branco

então, a minha dureza, meu egoísmo
meu ódio por tudo, a minha falta de fé
em relação à humanidade
quase chegam a desaparecer
quando ela surge na calçada
e logo desaparece
numa maldita
esquina
que não deveria
nunca
estar ali

Otto Dusquene

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Infortúnio

Tenho vários esquemas no jogo de números. Eu não sou muito persistente. Quero ser, mas não sou. Não tenho paciência. Se o troço não dá o retorno esperado, me irrito e logo mudo. Jogar é uma maneira de passar o tempo. É como foder.

Tenho grande simpatia pelos jogadores. Os que apostam, de certa forma dão um recado, que estão de saco cheio. Arriscam e isso já é algo meritório. Calma. Não sou demente nem viciado. Aposto uma quantia legal, porém pequena se comparada aos valores que outros do círculo jogam.

É só um instante de ansiedade em meio ao marasmo, diante do papel em branco. Quando vem o resultado e não deu, rasgo a pule. E segue o carro na mina. O importante é ter sempre um esquema. Mas se não der, pros infernos com ele. Ou com qualquer coisa que esteja perto e dê pra chutar.

Dusquene

O sol que nos atravessa

tive meus momentos de sol
marítimos
o drink na praia
vodca com limão
o sol no plexo
os coqueiros
as mulheres passando
a lombra
o sabor da maresia
ééé...

o sal grudava nos poros
a pele cozendo
o peixe frito
mais birita

é, Dusquene, um dia quem sabe?
você não é dos piores
aliás,não,
você não é dos piores

espere o verão, Dusquene, espere
quem sabe?

domingo, 14 de novembro de 2010

Às vezes é apenas um momento

é fácil perceber a rua sem saída
quando damos de cara com o muro
quando o estacionamento do supermercado
está lotado

é fácil ver quando as contas vencem
quando o saco de lixo vaza
o ralo entope
a merda flui

quando o cachorro fez as necessidades no carpete
quando vai ser um dia daqueles
e quando a dona de bunda e coxas tensas
está também num daqueles dias
eh, sei não
fico quieto
bem quieto

é
é fácil
realmente
perceber as coisas
palpáveis, concretas
de aço

mas como não conseguimos compreender
com a mesma exatidão e urgência
A DOR DO OUTRO

se a solidão e a desistência
- e o suicídio -
estão bem ali
escancarados em cada rosto

Otto Dusquene, agora

Um pouco de decência faz muito bem

gosto de ficar “quentando” ao sol
me faz bem
tenho sangue “frio”
sou um anfíbio
réptil, sei lá

deixo a cerveja
na mesa
na sombra
e sento ao sol
e estico as pernas brancas
de cera
é bom

tem o toldo verde do bar
que faz um ambiente
meio marítimo
isso também é bom

dá uma certa decência
uma pausa
no desconforto

e tem as mulheres
com seus rabos incríveis
passando diante de mim

elas fingem que não me notam
mas eu sei que enxergam
“esse cara quer enfiar
sua trolha em mim,
cafajeste”

gosto, realmente gosto de ficar
mamando uma cerveja
“quentando” ao sol

Otto Dusquene, o DUC

sábado, 13 de novembro de 2010

Noturno

As pessoas perdem muito tempo correndo atrás de bens, de dinheiro, da satisfação imediata,da chamada PROSPERIDADE e se esquecem de saber quem são. Não têm tempo para pensar AS COISAS CERTAS, REAIS. Não digo quais são. Cada um tem as suas. Vivem perseguindo o vil metal,acumulando mais e mais, sempre vendo sombras na garagem, quando é só um gato. Enlouquecem quando o castelo de cartas desaba. "Oh, meu Deus, o que faço agora, Dolores?". Dolores deveria responder "Foda-se. Por que não VIVEU DE FATO? Agora é tarde".

Conheço sujeitos que se mataram para trocar de carro todo o ano, adquirir uma casa de praia, comprar um rolex, e acabaram na mesa de cirurgia, colocando safena. Por que isto? Digo. Para manter o famoso STATUS. Miserável palavra latina que está embotando a visão de muitos. Limpe esse miasma dos olhos, camarada. Abra uma boa garrafa de tinto. Relaxe. E é isso que eu vou fazer agora. Senão você morre um dia.

Dusquene

Sortilégio

ela às vezes me olha da escada
quando estou descendo
estanca
não dura muito
mas tem algo ali
pelo menos
ancas e pernas isso tem
um par de olhos tristes
uma boca
um delírio

gosto quando ela encurva
as costas
gosto das roupas justas
da fala
do drink maneiro
bem servido
uísque
depois vodca com limão
depois mais vodca
legal

ela
tem um presságio
de que nada vai acontecer
e eu já estou abocanhando
um dos peitos
tirando a calcinha
pra enfiar o mangalho

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Canção

são 3h e 40 da manhã
não consigo dormir de ressaca
então, a voz diz, levante-se homem
e escreva...

mas escrever o quê e por que?
estou esgotado e puto
o ano foi foda
mais um deste e me estrepo

a voz sugere
que tal escrever um poema
com o título "Canção"
todo poeta escreve uma droga dessas
em algum momento
o seu chegou

é,
"Canção"
aí está
valeu pelos cinco minutos
que levei para compor

mas a insônia,
o gosto de metal
na boca
e a voz
ainda estão comigo

Otto Dusquene

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Enquanto calço os sapatos

quando calço os sapatos
sinto-me entregue
num cansaço corporal secular

tenho quase 50 anos...
mas sinto como se já tivesse vivido bem mais
as pessoas já não me interessam
sei muito sobre elas
e isto as torna, para mim,
aquilo que se põe no bueiro

raras são as vezes que suporto
seus olhares, seus andares,
é como se caminhassem para o nada
mas procriando feito porcos

creio que o homem está numa encruzilhada
e não decidiu que caminho seguir
parece que tudo já foi dito, feito,
revirado
não há mais boas-novas
nem a mínima perspectiva de uma bomba atômica
que pudesse dar fim a tudo

Otto Dusquene

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Tédio

todo dia quer morder meu cu
sei disso muito bem
esse sujeito aí na minha frente
- de terno e gravata -
todo sorrisos
pensa que é o deus da engrenagem
o panteão, a glória
só se for nos infernos

um dia igual aos outros
o que me deixa meio perigoso
mais esquivo do que sou

É Dusquene, 46 anos, 27 anos de serviço,
e firme e bom fodedor ainda...
você é um grande cara, Dusquene
pena que poucos saibam disso

todo o dia quer morder meu cu
todo o dia chego
me tranco e escrevo
uma merda qualquer
para espairecer

Otto, depois de quatro latas

Premonição

às vezes me sinto uma merda
boiando na lagoa
essa guerra ninguém vence

a Morte vai pernoitar em minha cama
vai sorrir para mim
estalando os lábios de puta
"Dusquene, só eu sei quanto tempo lhe resta.
  Não quer saber?"
"Não. Não me importo", eu direi.
"Você é realmente estranho. Muitos dariam a vida
 por isso".
"Não sou curioso. Somente com os meus testículos,
 que inflamam, às vezes..."
"Tá vendo. Próstata, meu caro. É sempre um bom motivo".
"Foda-se. Não quero que você me diga nada.
 Estou confortável com a minha ignorância. Cai fora!"
"Durma bem, Dusquene".

E a Morte sairá pela janela, envolta numa névoa cinza.
Não sem antes olhar para trás...e piscar divinamente.

Conveniências

é preciso matar o tempo
              então
         se masturbe
            se coce
              reze
             coma
             beba
            arrote
            cague
    empine o caralho
   chupe uma boceta
 - que não seja de puta -
        se hipnotize
        se arrebente
            na via
faça palavras cruzadas
        ande na linha
         ou fora dela
        se masturbe
         novamente
            berre
  mande o tremendo fdp
        para a pqp
 emborque a garrafa
       de uma vez
       ou desista

           enfim,
   faça o que você quiser
contanto que me deixe em paz

Otto Dusquene

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Mulheres

as mulheres são seres esplêndidos
são frágeis e destemidas
poucos homens se igualam a elas
em bravura

pois em sua aparente
conformação
se agigantam

têm um tipo especial de fé
para encarar o duro cotidiano
que os homens não compreendem

vários homens desistem na metade
e se afogam no álcool
as mulheres
muito raramente
se deixam consumir pela garrafa

tenho o maior respeito
pela maioria delas
por outras, nem tanto,
as não resolvidas e as muito carentes
são um pé no saco

talvez, se bebessem mais...
quem sabe?

               Otto Dusquene

domingo, 7 de novembro de 2010

99 por cento


99 por cento da humanidade me incomoda
não me interessa
- a China com seus olhos cortados não me interessa
- a Índia com seu povo pardo não me interessa
- a Alemanha não me interessa
- o Tibete, muito menos

milhões mancham a paisagem
com seus recalques
conformismo e
ausência de coragem

os homens nos escritórios,
- existem multidões de pessoas em escritórios
  e bancos e conglomerados -
vertem negócios
- limpos ou sujos, tanto faz -
e chamam esse trabalho de vida

tudo bem: tomam seu uísque no final da noite,
com boas mulheres e cama larga

mas, sinceramente,
essas pessoas também
não me interessam nenhum pouco
aliás, me causam certa aversão

assim como as estantes cheias de livros mortos
de romancistas mortos, de poetas mortos
(muitos mortos também fisicamente)

jovens,
cuidado com os literatos
rasguem os literatos

leiam London, Kerouac, Fante e Bukowski
e um pouco do Uivo do Ginsberg
esses caras confrontaram a CICATRIZ

leiam os que ousaram romper as amarras
e escrever sobre a vida real (sem subterfúgios)
escrever sobre os azares cotidianos

esses grandes desbravadores
escritores que valem a pena ler

- os literatos?
que sejam lidos pelas traças

assim como os vermes lerão
minuciosamente
os cadáveres impecáveis
dos homens dos escritórios

Otto Dusquene

sábado, 6 de novembro de 2010

A merda nossa que vaza todos os dias

o diabo é
             o ramerrão
        a falta de perspectiva
                  de grana
as solas dos sapatos gastas
as meias furadas nos dedos e nos calcanhares
                                   o sem saco de
comprar meias e sapatos

o diabo é
             o sol, o maldito sol rompante,
             o café oxidado
                                 na térmica
                                 de quinta
a danação das ruas
            a vontade de ver ninguém
a ressaca bruta
                     o bolor no armário
                                 e o periquito verde
do vizinho
              o pane mental, enfim,
a perda de sensibilidade...


o diabo é isso
                    a uniforme percepção
                    social
               denunciando sonhos
as pessoas do metrô
             com seus rostos vencidos,
banidos, inúteis,
                                  a morte anunciada
                       em tudo

já no apartamento
         depois de um dia morno
ligo a TV
            desligo
- esqueço que não há vida na TV -

é tarde,
camarada,
muito tarde para qualquer um
salvar-se


            Otto Dusquene, o alter-ego de um escritor

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Gatos em noites quentes

gatos nos telhados...
o sexo deles
é uma briga insana,
visceral,
puro dentes, garras
e raiva.
fazem o troço
como deviam fazer
homens e mulheres.
com frenesi
e desespero,
como faca,
rilhando a campa
da noite.
e a lua, vendo tudo aquilo,
todas as fodas –
 as nossas e as deles –
deve pensar
"os gatos são melhores...
podem não ser os dominantes,
mas sabem o que e como fazer”

               Otto Dusquene

Minha preferência por aeroportos

Gosto de aeroportos. Dão distinção às pessoas. Gosto de me sentir distinto, às vezes. Chegam com suas bagagens, de táxi. Ajeitam as malas nos carrinhos e partem rumo a não sei onde. Avião é um negócio confortável. Tem o uísque, as aeromoças de taileurs com seus cabelos presos. Tudo muito distinto e sexy, legal, huumm...

Só não aprecio os solavancos. As turbulências fazem coisas horríveis com nossos estômagos, principalmente quando já existe meio litro de scoth dentro dele. Realmente, turbulências encurtam o buraco do cu, dão tensão. "Vai cair, meu Deus, agora cai".

Certo dia peguei um avião. Todos os passageiros colocaram o cinto por solicitação da aeromoça gostosa. O tempo começou a correr e nada de o avião embicar. Uma senhora, já velha, na poltrona atrás da minha, perguntou:

- Que houve? Por que não sobe?

Ai não resisti e comentei alto com o gordo sentado ao meu lado:

- Parece que estão retirando a carcaça de um falcão maltês que, desavisadamente, foi sugado e se esfarelou em uma das turbinas no vôo anterior. Vamos ter de decolar com uma só turbina. O que é preocupante...

Dei uma espiada para trás.

A velha me olhava com os olhos esbugalhados,a boca semiaberta. Por fim, gaguejou:

- Mas isso é possível? Viajar com apenas uma turbina?

- Voaremos de banda, minha senhora - eu disse e me virei, pensando "Dusquene, seu bom filho duma puta, você ainda vai matar alguém".

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Os Porquês

por que essa urgência, essa premência
                                        para magoar?
por que as ruas estão cheias de sonhos mortos
            que esbarram em pessoas tristes?
por que essa falta de?
por que a ficha jamais cai na máquina?
essa fatalidade...
          por que essa falta de qualquer coisa?
tanta ironia e impiedade
por que essa carência de sentimento?
ei,
ninguém sabe a quantidade certa de uísque
                     que traz a tal felicidade?
será que ninguém vê o que acontece nas ruas?
E por que tantos pobres e,
                                     principalmente,
por que tão poucos ricos
            com suas piscinas, carros, mulheres, 
    e garagens (quero o meu quinhão deste sonho)
              e possibilidades
                              e tudo o mais?
                           por que esse
abandono
              e essa insônia rubra?
porra,
por que ninguém me diz
                                 nunca
"vai cara, você consegue".




                    
                  

    

O IDIOTA

Ninguém está a salvo de um idiota. Eu não estou. Você não está. Ninguém está. O idiota se apodera, se avoluma. Torna o dia mais difícil de ser suportado do que já é. Empesteia o ar. Mata a pouca esperança que ainda existe.

E eles se propagam que nem moscas. Estão em toda a parte. Cientes de sua estupidez, mas, nem por isso, deixando de defecar sobre nossas cabeças.

Otto Dusquene

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Tédio, essa enguia

Eu não escrevo para você, camarada. Eu escrevo para mim. Para algo fazer sentido, um pouco pelo menos. Para não morrer de tédio, essa enguia, e poder suportar o ramerrão. O baque cotidiano.

Distraio-me com o jogo. Mas os números não colaboram. Mudo o esquema, e nada. Tenho uns 30 esquemas no bolso. Vou variando. Mas as bolas não cooperam. Estão combinadas para me foder, e a você também, se você joga. Se cuide.

É uma merda. Outro dia cinza, sem o horroroso brilho no plexo solar.

É, bem, ainda estamos vivos. Um pouco.

Dusquene