quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

...

"Não banque o engraçadinho, Dusquene. Estou de olho em você faz tempo".
"Que é isso? Estou levando a vida certa. Pelo menos procuro levar".
"Você tem deixado a desejar em algumas qualificações..."
"Quais por exemplo?"
"Pouco amor ao próximo é uma delas".
"Pegunte a eles quanto amor têm por mim".
"É. Nisso vocês estão quites".
"Nunca matei nem roubei ninguèm".
"Mas bebe em doses cavalares".
"Que é isso? Se eu bebesse assim não estaria agora conversando com você".
"Então não é a verdade?".
"Bem, mudemos de assunto".
"Eu decido quando mudar de assunto".
"Então decida".
"Humm. Realmente agora estou indeciso".
"OK. Mademos mais um gole deste drinque enquanto você pensa em algo".

Um estranho caso de amor ao meu lado

Abri a porta. Na minha frente estava Walker, meu vizinho.
"E aí, Walker?"
"Só vim lhe informar que comprei uma boneca de plástico".
"Como é?".
Walker tinha 55 anos e me encarou com os olhinhos maliciosos.
"Caso cê queira pra alguma coisa".
"Tudo bem, Walker. Se eu precisar bato na sua porta".
"Fiz uns ajustes nela".
Fiquei curioso.
"Que ajustes?".
"Uma boca. A mulher veio sem boca. A merda dessas encomendas pelos Correios. Imagine, Dusquene... Como uma puta paga um boquete sem boca?"
"Realmente é um problema".
"Ela já me pagou sete boquetes desde sexta-feira".
Walker riu, mostrando os dentes amarelados.
"Se precisar, eu e Amber estamos à disposição".
"Se eu precisar, Walker, só vou precisar da Amber".
"Tudo bem, Duc. Tamos aí".
Quando Walker abriu a porta para entrar no 413, vi de relance sua amante estirada no sofá. Era uma loura de belas tetas.
Fechei a porta e volte pro quarto.
Marion dormia na cama.
Uma boa bunda sob os lençóis.
Pensei em fazer alguma coisa com aquilo.
Depois lembrei que Amber era mais ativa.
Marion tinha me agraciado no máximo com uns quatro boquetes na vida.
Já Amber...
Walker era um sujeito de sorte.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

700

Neste blog vocês têm 700 escritos do Otto Dusquene, um dos escritores mais prolíficos da América Latina e ainda não publicado.

700 escritos, entre poemas, contos, minicontos e mais, mais e mais.

Divirtam-se, bastardos.

Vão aos textos de 2010, 2011 e 2012.

Não fiquem só querendo coisas novas, porra.

...

devemos perseguir e manter as coisas
e pessoas
realmente importantes,
pessoas, principalmente

porque, no final, todos iremos envelhecer,
as rugas chegam para todos
menos para os que morrem jovens,
esses ficam eternos

como luz refletida em copo de cristal
sim, ficam eternos

como jovens em boate de cianeto,
não, não mais em boate alguma,
mas longe,
e bem

O profeta nosso de cada dia



Ele passava quase todos os dias pela avenida, no meio da noite, gritando a plenos pulmões que o mundo iria terminar em poucos dias. "Vocês vão ver seus palermas. Ficam ajuntando dinheiro sujo, escroto debaixo do colchão... VOCÊS NÃO TERÃO TEMPO DE GASTÁ-LO!"

Alguém gritava de um dos apartamentos.

"E o que você nos aconselha, Sulffock? Que a gente dê a grana pra você?".

Sulffock, de barba longa e cinzenta, roupas puídas, olhava para cima, tentava em vão achar o remetente da mensagem no meio das luzes acesas.

Não conseguindo, berrava:

"DEEM SEUS RECURSOS AOS POBRES DE ESPÍRITO! PARA QUE POSSAM SANAR SUAS MISÉRIAS E NECESSIDADES FÍSICAS ANTES QUE VENHA A CALAMIDADE TAMBÉM SOBRE ELES".

Um outro gritou.

"Acabe com essa gritaria, seu alucinado. Todo o dia é essa porra! São quase 11 da noite. Tem gente que precisa trabalhar amanhã. Vê se arranja uma sarjeta pra você se encolher e dormir".

"FALOU A VOZ DE UM PECADOR EMPERDERNIDO!", malhou Sulffock, desta vez identificando o dono da voz e apontando para uma das janelas onde se encontrava um gordo de 130 quilos, de camisa branca.

O cara ficou puto.

"FIQUE QUIETO! NÂO SE MEXA! VOU AÍ PRA LHE MOSTRAR O QUE É UMA CATÁSTROFE IMINENTE!", disse e saiu da janela.

Depois de procurar Sulffock durante meia hora pelos becos e vielas do quarteirão, o homem o encontrou dormindo como criança, numa manjedoura feita de pilhas de jornais velhos, que ele catava de dia para ganhar a vida e manter toda a vizinhança informada sobre os futuros e inadiáveis acontecimentos.

No more, Blackbird



nem sempre vou bem comigo mesmo
geralmente isso acontece a maior parte do dia
e quando não tem qualquer bar por perto
a coisa fica realmente tensa

vejo tanta gente medíocre passeando com os seus carrões
gente que nunca leu Bukowski, Fante, Kerouac, Corso
gente de grandes bundas gordas arrotando o último
benefício ganho
gente podre
em si
gente

nem sempre acontece de eu querer sair à rua
- isso sempre ocorre, geralmente quando acordo
mas há a obrigação do trabalho insosso,
envolto no dia abrasivo, solar

meus pés doem,
meus ossos doem,
o estômago, os rins, o pâncreas,
as articulações cansadas do mesmo moto continuum
de 27 anos

tudo somado hoje
não dá sequer uma sombra de homem,
que se mescla a pessoas satisfeitíssimas
com suas novas aquisições e empregos fáceis,
igual entre os parvos

Um dia fenomenal em Kansas


um dia o porre foi tão bruto
que guardei a carteira no congelador
do refrigerador
acordei tonto, tropeçando na cadeiras,
uma dor de cabeça infernal,
fui até o banheiro,
vomitei,
depois vi minhas calças
jogadas no corredor do apê,
o alarme acendeu,
fui direto nos bolsos:
- Cadê a porra da carteira? Oh, meu Deus, não faça isso comigo...
Revirei o apartamento como um insano,
procurando a droga da carteira,
tirei almofadas, botei o rosto nos fundos do
armário, observei se debaixo do tapete tinha algum monte,
olhei até na privada, para ver se não estava entupida,
com a ponta do objeto pra fora. Nada.
Aproveitei e caguei para regular os nervos,
me acalmar, respirar.
- Caralho, fui roubado ou deixei a carteira cair do bolso,
em todo o caso, FODEU!
me lmpei e fui até o refrigerador,
uma cerveja talvez melhorasse as perspectivas,
fui, imaginando os documentos que teria que tirar 2ª via,
peguei a Bud e, não sei o porquê, resolvi olhar o congelador,
E LÁ ESTAVA ELA, A MALDITA DA PORRA DA CARTEIRA!!!
A segurei com fervor, tremendo, como se tivesse
em minhas mãos os pregos da Cruz de Cristo.
Beijei o troço petrificado,
sorvi um longo gole da cerva,
e, relaxado, coloquei  a carteira aberta,
ao sol,
e, bem, tudo voltou a ser a maravilha de antes,
uma vida que não era das piores.

Particularidade de uma expulsão do quadro de aviso



estou cada vez mais sem paciência com a humanidade
meu mau-humor crônico pode estar agravando a situação,
mas sinto que a imbecilidade geral está aumentando
como as heras nos muros
como os lodaçais dos trópicos
como as ervas daninhas nos campos abertos

e não tem volta
a estupidez humana é atávica
abrange todas as classes sociais
todas as culturas e religiões
todos os militarismos
rebelar-se é inútil
tentar escapar
também

por essa e outras razões
prefiro comprar uma dúzia de latas de cerveja
e ficar mamando, só, tabulando as teclas do computador,
sem querer encontrar sentido algum para coisa nenhuma

O que rescende a fósforo e gás



essa fortaleza foi erguida aos poucos
ao longo dos anos na planície
ouvindo o ranger da maquinaria
vendo a moedura de carnes e ossos
presenciando o amargor do povo

minha rigidez,
meu escárnio, meu desprezo
foram construídos lentamente
vendo o que fazem os homens
para se manter com o nariz
acima do nível da merda

essa construção
do que hoje eu sou
foi feita de sensibilidade cortada
em tiras, jogadas ao chão

assim,
se sou o que sou agora,
é porque vocês me fizeram pior do que eu
me imaginava

domingo, 24 de fevereiro de 2013

...

Lennore Bell foi a mulher mais linda que já vi na vida. Ela anda por algum lugar, certamente.
Mas, longe de mim, o que me vale é vê-la, de olhos fechados, com vento no rosto
Lenore Bell era branca como leite bom, bela água marinha, mas cortante como cal
Tinha uma vida dentro de si maior que seu próprio corpo, rijo e belo,
como gaivota sobrevoando pequena embarcação, condensando o Atlântico
Lenore Bell foi a glória que não tive, nem menos nem mais

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Butterfly

uma borboleta negra e laranja
pousou em mim
uns podem ver nisto
um milhão de significados

para mim
aquilo não passa de
duas folhas que balançam
- comida de pássaro

entenda
não há significado algum
no aterrissar de um inseto
em você
ele apenas queria
sorver uma gota de suor de seu braço,
talvez

pare de ver nos acontecimentos
presságios erradios
tome um trago
trepe

meus olhos céticos
observam com a mesma dura indiferença
o propósito que somente os iniciados enxergam

Cotidiano


encontrar culpados é fácil
mas a situação se complica
quando o ambiente é o mesmo
quando as caras e os corpos
são os mesmos e as expectativas
diminutas

certamente isso não ajuda muito...
enquanto o preço da gasolina não se estabiliza

então,
suamos nossos trocados, tentamos tomar fôlego,
escapar da ARMADILHA, do GRANDE MAL,
do MONSTRO cotidiano do TÉDIO

inventamos histórias, escrevemos,
conversamos, trepamos,
mas nada disso importa muito
até nossa morte

então,
esgotadas todas as chances,
rasgado o pano verde, perdidos os dados,
nos damos por vencidos
e vamos ao primeiro bar para o último drink,
com o pouco de hombridade
que nos resta

Um fato diário de mim mesmo

Os sujeitos ficam sentados no bar, esperando o resultado. Quando o resultado sai, olham as pules e grunem "Que merda! Os números que deram não se encaixam no meu sonho. Não mesmo...". E jogam novamente, na mesma esperança vã de ganharem algum para a bebida, para comprar um charuto do bom, para beber um uísque de responsabilidade.  Vão todos num mesmo prato da balança, que inevitavelmente pende para o prato da banca. Às vezes, sobra um para algum. É a festa. O sopro de Deus no talonário das pules. "Willfred ganhou na milhar. 14 mil. Esse Willfred tem o cu pra lua!". Mas na grande parte (na maioria mesmo!) dos sorteios a banca sagrasse vitoriosa. A banca, meu camarada, é o verdadeiro Deus, que permite que você receba um alento ou vá sofrendo, grunindo e rasgando pules verdes e amarelas pelas calçadas da Pomerode.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Avance o tempo outro dia qualquer

o vazio que mata,
uma demência de tudo,
rija, permanente,
avassaladora, mortal,
enferma, cheia de abstinência,
ehhh

não falemos mais de nossas necessidades,
só de bares fugidios de fim de rua,
quase fechando

não falemos, enquanto é tempo,
e as horas correm
en um fundo de bar
no copo desta mesa
suja

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

...

dentro da boate, cai de boca na xota de Vicky
de repente, uma discussão entre garçons
um meteu o tapa na cara do outro
acabou o meu barato
no divã

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

...

é impressionante ver a caminhada
o que percorri em quase 49 anos
o suor árduo, a luta, o sufoco, lidando muitas
vezes com gente louca,
fdp

ver que sobrevivi já é um espanto,
sinto-me um velho de 70 anos,
pela experiência, pelo azedo nas axilas,
experiência até de saber esgotar o
cartão de crédito,.
pagando as dívidas,
é foda, o máximo do capital,
cheguei lá

estava na minha segunda geração de amizades,
os primeiros, a maioria morreu,
mas é uma merda,
a segunda geração nunca é como a primeira,
são uma pasta de substância inidentificável,
gente miúda, sem verve,
saí fora

bebo agora só,
é mais confortável, para todos

70 ou outra coisa que me venha à cabeça


Bukowski disse
"ficção é a vida melhorada",
ele estava certo,
mas não disse para ninguém
fazer literatura,
pois é algo que só serve
para apodrecer nas estantes

aliás, escrever sempre leva a chancela
de uma época, de uma década, de um período,
tentei ler de novo "On the Road", não consegui
está marcado com o selo dos anos 40/50,
não tenho como ler,
desculpe-me Kerouac,
mas você tem - teve - importância crucial
para quem quer entender o troço

não tem nada que me interesse nas livrarias,
um dia tentei, não encontrei nada de valor,
nada realmente que despertasse a minha curiosidade -
oh, bom Deus, santa curiosidade que me fez descobrir
esses santos marginais, ou nem tanto assim,
dos anos 50/70

para mim a década de 70 foi mais importante que a de 60,
a década que moldou o mundo como ele é,
a década em que todos perderam a inocência, uns mais outros menos,
a década na qual a máscara da invalidez humana foi escancarada foi a de 70,
sem dúvida

O que devemos fazer para não perder a sanidade II


detesto muitas coisas...
shopping centers, sapatarias,
TV aberta, barbearias, a urgência dos dias,
cerveja choca, bares que fecham ou não abrem,
a morte previsível em cada rosto, cachorros,
pombos, as filas dos vencidos nas loterias,
o caixa eletrônico que reluta em vomitar meu dinheiro

detesto o que fazemos de nós mesmos,
o que nos condicionamos a fazer por comodidade, família,
ou pensando que, assim, estamos nela:
NA SOCIEDADE REGULAR

beleza,
e assim nos moldamos,
autômatos até a medula, há 40 anos,
nascidos para isto, vivemos dessas misérias e certezas
até que não tenhamos forças sequer para resmungar
nem por e-mail

Para que servem as coisas e suas cores


"Por favor, os assentos em azul são para idosos, pessoas portadoras de necessidades especiais, pessoas com crianças de colo e com dificuldades de mobilização".

Sentei num dos bancos azuis.

Cinco minutos depois, chegou uma velha perto de mim, logo após a voz novamente lembrar para que serviam os bancos azuis.

"Você não ouviu o que a moça disse..."

"O que, minha senhora?"

"... E pessoas com dificuldade de mobilização".

"Oh, desculpe, entendi 'de ereção' ".

Ri.

Todos riram também.

Levantei, brincalhão, deixando um lugar quente para a velha.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Brilhante cratera da vermelhidão extrema


Blood Mary,
uma piscina, vertigem legal,
uma vida decente, Dusquene,
é o que você merece, camarada,
por todos esses anos no deserto,
convivendo com o escol da mediocridade,
com nada além da pura merda

o que as pessoas fazem de suas vidas
não tem a menor importância,
quando eu não as vejo nas ruas,
sorrindo o riso idiota de sempre,
contando velhas piadas, vomitando
batidas opiniões, gargalhando bêbadas

Blood Mary,
o sol, o surrado calção de banho,
um mergulho gelado, o silêncio de dez segundos,
emergir é para os fracos, viver também é,
em muitos casos

Dusquene,
quando você terá o seu quinhão do sonho?
a areia está escorrendo rápido nos trópicos,
e você continua tentando, tentando inutilmente
algum coisa palpável
que lhe de GRANA

Blue. Home. Blue


Abro a geladeira. Meia banda de vinho branco velho me olha de lá. Digo “alô” e mando ver. Não desce bem, mas vai. Sempre vai. Aos 48 anos não sou muito exigente. Não sendo vinagre...

As pessoas vão aprendendo durante a vida. Algumas poucas vão ficando mais sábias, mais tolerantes. Há impaciência também, com escadas rolantes, cães e multidões. E, enquanto eu tiver a possibilidade da garrafa, isso não me afeta o suficiente...

Agora são 17h. 17h, e daí?

- Dusquene, que tal outro poema? Um que fale de mulheres loucas...

- Não existem mulheres loucas e vorazes o bastante. Não mais... Frida Kahlo foi a última.

- ...

Eu preciso acreditar no amor tranquilo


quero
que venha a mulher
para o meu descanso
sem precisar falar
palavras desnecessárias
sem precisar falar
palavra alguma

que apenas se deite na larga
espreguiçadeira, ao meu lado,
num entardecer,
janelões fechados,
cortinas abertas,
vendo o pôr do sol
sob a planície imensa

eu, ela e uma boa garrafa de tinto,
ISSO É EXISTIR,
nada mais é

No lar ardente sobre a relva fresca

"Você fica aí sentado nesse sofá, mamando uma dúzia de cervejas por noite. Você não sai comigo. Você não presta, Seymour!". "O que é isso! Tivemos aquele jantar na casa do Bullford e da Annie há três meses... Não diga que eu não sou um cara legal". "Você não liga para as minhas necessidades. Estou perdendo a vida neste apartamento. Entra dia, sai dia, e nada acontece". "Como não? E aquele atropelamento do garoto aqui bem em frente na semana passada?". "Até a Suzzy não aguentou. Foi morar com uma amiga. Pelo pai que tem...". "E você acreditou nessa história? Ela juntou os panos de bunda com aquele desgraçado magricela que vinha aqui filar o meu almoço". "Não diga isso de nossa filha única, seu imundo. Você realmente não presta". "Eu sou um bom marido pra você, Minnie". "Marido bom, é marido morto!"

...

essa quantidade enorme de gente
o ramerrão, o metrô, o contato
com gente miserável
diário

não há dignidade em nada
- mas o riso é fácil
vem estridente
entre dentes
desdentados

é a vida
a se levar -
ou a se beber

mas um conselho, camarada,
bebida e direção não combinam mesmo.