segunda-feira, 21 de abril de 2014

Novo novo e igual

Queria avançar no tempo 400 anos para ver como serão as coisas. 
Habitaremos colônias na Lua, em Marte, certamente...
Iremos a Alfa do Centauro... Voltaremos?

A cura do câncer virá...
A antecipação genética, com a escolha de quem poderá reproduzir ou não...
Eugenia, esse horror... horror...horror...
Todo o mal, todo o bem,
tudo o mais...

Ninguém ficará isento, todos serão envolvidos, atraídos.
Conduzidos, forçados?
Haverá democracia ainda?
Ocidente? Oriente?
Fé?

A certeza humana da continuidade da espécie, a todo o custo,
uma questão de sobrevivência, mesmo que muitos devam ser sacrificados.

You

Você,
que pensa que será grande daqui a alguns anos,
que pensa que realizará seu sonho sob água matinal,
que permanecerá sempre tentando,até o esgotamento,
que sobre derrotas nada falará, justificando-as todas,
que fará uma merda atrás da outra

Você,
que buscará no álcool qualquer coisa de humano, e ficará vencido,
que procurará qualquer coisa sob o solar da lua morta e nada encontrará,
que desmontará a maquete antes mesmo do primeiro tijolo cozido,
você, homem, você, você mesmo, que dormirá com os porcos, no trajeto,
e que clamará aos céus pelo aniquilamento

Você,
que imaginará ter um tesouro sob a pedra,
que vomitará bílis e desejos ao lado da gorda mesa,
que espantará pombos como bichos humilhantes,
e se servirá do último drinque no copo americano,
você, homem, você, você mesmo, que é da América,
nua, escura, úmida, calorenta, bela
como uma stripper

Você,
que perderá os culhões sob as fachadas luminosas dos supermercados,
que antecipará o pagamento da empregada por pena e asco e insinceridade,
que dormirá sob as estrelas em uma noite clara de vigília bêbada,
que deixou para trás todo o legado de 50, 60 e 70,
que esperará somente viver um pouco mais mais,
para que o urso ainda tente abocanhar o peixe,
ou algo, assim, idiota e totalmente humano,
assim é, homem, assim

Ontem, tarde, na rua mais próxima


"Beberei até a sua última gota, Dusquene".
"Espero que engasgue, sua rampeira".
"Pensava que ia ter uma boa vida, hein?".
"É. Realmente imaginava algo melhor para o meu lado".
"Cê não é melhor do que ninguém, Duc".
"Sei que não sou. Mas também não preciso ser igual a todos".
"Escrever uns poemas e textos não o tornam superior".
"Mas me salvam do ramerrão, conservam o meu nariz acima do mar de bosta".
"Você é engraçado. Saiba... NINGUÉM SE SALVARÁ!"
"Não procuro redenção alguma".
"Seu fim será igual ao dos outros camaradas".
"Mas deixarei uns troços escritos, meu ódio talvez".
"Você se acha especial, Dusquene. Muito especial..."
"Afinal, dona, cê não tem mais o que fazer?"
"E você? Que destino dá a sua vida miserável?"
"Bebo e escrevo e vice-versa".
"Sua novela nunca será publicada".
"O que eu posso fazer? Mas um editor já se interessou. Agora é aguardar".
"Conversaremos mais tarde. O cara lá de cima me bipou. Um atropelamento na Pomerode, 45. Amanhã estou de volta".
"Não venha. Me dê uma folga".
"Isso não existe para você, Dusquene. Não para você".

Mad Love

Ninguém é bom o bastante para você
Ninguém cospe um sonho tão grandioso
Ninguém é suficiente para amar você como uma perdida
Ninguém lê o seu horóscopo e faz revelações
Como vai ser seu dia a dia? E seu segredo desprezível...
Ninguém conhece ainda as palavras mágicas
Que farão você cair dessa nuvem
Para se transformar realmente numa mulher

Mas você, garota, vai sofrer muito
Se não for na minha mão, será na mão de outro
Você vai fazer tudo o que eu quiser (mas não serei seu dono...)
E vamos viver um amor bem vagabundo
Só para quebrar o gelo

Eu não tenho amigos, nem paradeiro
Não tenho um sonho, nenhum, nem durmo
Mas amo você como um cão danado, como um cão errante
Eu leio como ninguém seus desejos tão secretos
Eu já estou no seu dia a dia. Meio indefinido...
Você tem agora quem conhece as palavras mágicas
Que farão você cair dessa nuvem
Para se transformar realmente numa mulher

Mas você, garota, vai sofrer muito
Se não for na minha mão, será na mão de outro
Você vai fazer tudo o que eu quiser (mas não serei seu dono...)
E vamos viver um amor bem vagabundo
Só para quebrar o gelo

Alma que embola o grande falo

1
Você fez por merecer a mulher tem.

2
Um cachorro é sempre um cachorro. Uma pessoa eu não sei o que pode vir a ser.

3
Qualquer bebida é melhor que nada. Desde que tenha álcool.

4
"Você precisa de um psiquiatra, Dusquene",
"É. Eu, você e metade do planeta".
"Mas no seu caso é evidente".
"Não force, baby".

5
Muitas mulheres destróem seus homens. Fazem com que eles se transformem em amebas, em seres débeis, emasculados.

6
Casamento é a pior coisa que existe antes do divórcio.

7
Qualquer mulher falando é um ser em caça.

8
Quando uma mulher gosta de outra algo está errado.

9
Ler é mortal para qualquer escritor.

10
TV aberta é sinal de insanidade.

O inexplicável momento de nada dizer

A velha Mildred gostava de colocar uns vasos com plantas no parapeito da janela. Gillmore alertava Mildred.

"Qualquer hora um troço desses balança, cai e faz um estrago na cabeça de alguém. Se for comigo, as consequências serão graves...".

"Você está me ameaçando? Vou telefonar para a polícia".

"Dona, telefone para o escambau. Eu já lhe dei o aviso".

Um dia aconteceu. Um dos vasos com gerânios despencou e estatelou no piso da entrada, bem na hora que Gillmore saia pro trampo. O adubo negro do vaso cobriu as barras de sua calça creme e penetrou nos sapatos. Uma merda só. Gillmore olhou para cima e viu Mildred assustada, segurando um vaso que ameaçava cair.

"Eu lhe avisei", disse ele.

Gillmore abriu com força a porta do prédio de três andares, sem pilotis.

O que se ouviu depois foi o baque surdo de porta escancarada a pontapés, os gritos de Mildred e o barulho de vasos se quebrando no 279.

"Você é louco. Um homem insano aqui. Minhas azaleias, meus gerânios! Oh, meus pobres gerânios...".

Mas Gillmore continuava, firme, a destruir os jardins suspensos.

O que devemos fazer para impor respeito

"Eddie, sai da soleira e deixe o gato passar". "Não, mãe. Ele é porco". "Como assim?". "Não caga na caixa". "E, daí? Seu pai não costuma acertar o vaso e eu estou com ele, não estou?". "Mas pai vale mais do que esse gato, mãe". "Quem disse? Seu pai é um MERDA, Eddie. Uma grandessíssima merda seca". "Não fale assim dele". "Falo dele do jeito que eu quiser". "Vá tomar no cu, mãe!". "O que? Cê me respeite!". "Tudo bem, a senhora eu respeito, mas esse filho-duma...". O pontapé de Eddie fez o gato voar e se estatelar na mureta rosa da varanda. O animal levantou grogue e saiu mancando a perna traseira esquerda. Viu que não era uma boa hora para pedir sua sardinha para mamãe.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Ratos e comichões

"Max..."

"Que é..."

"Tem um rato andando no quarto".

"Porra nenhuma. Vê se dorme".

"Ele me mordeu o dedão do pé esquerdo".

"Como, se você está deitada?"

"Sei lá. Mas senti uma mordida firme. Tô com medo de olhar".

Max arqueou e olhou para os pés da mulher, descobertos.

Ela tinha pés bonitos, lembrou-se.

Era só que sobrara depois de 32 anos de casamento.

"Porra nenhuma..."

Foram dormir.

A pálpebra meio aberta me confunde

eu sou intratável
no trabalho as pessoas me olham de esguelha
pensam que sou um alienígena
e isso é bom

quanto menos contato eu tiver com a Humanidade,
melhor para mim e para ela,
sei que sou uma bolha de raiva
e impaciência

a idiotia das pessoas me incomoda
mulheres grávidas me incomodam
pessoas no metrô me incomodam
o sol entrando pela cortina
me incomoda muito

um dia Dóris me falou:
"Dusquene, você é quase um ser humano"
gostei do elogio,
gosto de Dóris

Eu e ela em meio ao tédio infinito

o risco é sempre estarmos vivos
e nos aborrecermos mutuamente
- o que é sempre inevitável

é nos detestarmos mais a cada dia,
a cada gesto, a cada olhar, a cada visita, no caos
de tudo e todos

estamos de saco cheio
uns dos outros,
admitamos...

fora os parentes, os vizinhos,
os cachorros mijadores e cagadores,
as mulheres que vivem vidas por meio de novelas,
fora a maldita velha que tosse e tosse e tosse
enfim, fora a grande bola de merda
feita de tudo isso e
que sempre vem
em nossa
direção

por isso, baby,
fique um pouco quieta,
só olhe aquela grande lua e
estas bebidas em nossas mãos
vazias de carinho

A mão na concha vulva e feérica

1.
O bom da vida é a farra.

2.
Ter um cão é muito pior do que ter mosquito no quarto.

3.
A mentira é ruim, mas preserva.

4. 
Qualquer idiota consegue ser mais idiota do que parece.

5.
Shakes tem suas qualidades.

6.
As pessoas não mudam. É um fato. Quem virou santo é porque nasceu para isso. Mesmo que tenha comido umas putas.

7.
Vocé é um canalha para alguém - pense nisto.

8.
Felicidade é rotina cristalina.

9.
As mulheres... Ah, as mulheres realmente fêmeas...

10.
Foder é um estado de espírit

a penúria alheira que avança nas grades

somos feitos de nervos
carnes e ossos tão somente são
alicerce e concreto
somos constituídos é de fiações
por isso, não é errado dizer
"aquele sujeito tem uns fios soltos"

cada vez mais vemos pessoas assim
deprimidas, obcecadas, loucas, suicidas,
vagando pelas ruas,
com todas as suas carências

eu fujo desses indivíduos...
não sei você, amigo
já estou satisfeito com as minhas misérias
não preciso das de ninguém

"Dusquene, eu preciso lhe contar umas coisas..."
"Deixe para amanhã, camarada, hoje eu não estou num dia bom"

Compaixão é sempre uma merda boa

a lua na sarjeta
que mal faz?
aquele poste só, ao longe,
iluminando
que mal faz?
aquele bêbado triste
que ali vai
que mal faz?
os pobres
que mal fazem ao mundo?
só a eles

então, camarada, tenha mais compaixão
não custa nada
tentar
nem que seja com sua mãe ou pai
ou sei lá quem

Um cão

amo você, baby
como um cão
um cão danado
um cão de rua
triste

um cão cheio de carrapatos
com cicatrizes no focinho
seco e só

amo você, baby
como um cão
parado numa esquina
sarnento, repulsivo,
repleto de pulgas
e triste

amo você, baby
como um cão
manco e débil,
mas feroz

amo você,
ganindo

quarta-feira, 16 de abril de 2014

SCiFI

Cadê a porra da ovelha?

Dick, você é um gênio.

Longe, onde ninguém me alcance

gosto de ficar só
trancar o mundo lá fora
não ter amigos é uma de minhas qualidades
sempre me achei só na planície e isso
é legal, é bom e honesto

quem gosta de gente deveria ir pro manicômio
gente incomoda, gente fala, gente fere os olhos
e, às vezes, as narinas

Blue Sue,
a gorda do banco,
se acha legal e especial, a Blue Sue,
mas é um troço terrível para se ver, para se empalmar:
toda aquela gordura e carne vazando
pelos lados e na frente

- Blue Sue, cê é uma merda! – lhe disse Seymour uma vez.

E Seymour estava certo.

Negociação ao cair da tarde


"Estamos abertos à proposta, homem. Queremos sua alma.
Você sabe disso".

"Sei. E daí? Qual é a proposta?"

"A proposta é você quem faz".

"Tudo bem"

"Então, qual é?"

"Calma, estou pensando qualquer coisa".

"Não tenho o dia todo".

"Ei, cara, vá se foder. Você me aparece no
meio do quarto, enquanto entorno uma birita.
E me apressa? Afinal, quem é você?"

"Maxwell"

"Maxwell de quê?"

"Apenas Maxwell. Meu pai não gosta de sobrenomes".

"E quem é papai?"

"Você sabe muito bem quem é, Dusquene".

"É. Um filho da puta qualquer"

"Não fale assim dele. Olha o respeito".

"Ó, sua bicha, sarta fora. Não quero fazer
proposta nenhuma. Não vou vender minha alma".

"Estou pagando bem: mulheres, iate, grana preta".

"Tá bom. Aí vai. Vendo minha alma por SOSSEGO.
Mil anos de SOSSEGO"

Um pouco de culpa e um dólar apenas


as pessoas são premiadas
de muitas maneiras
e você, Dusquene?
papando mosca...

bebe uma cerveja,
é, esta noite o bar está legal,
aparentemente

até o momento
o copo enchendo e esvaziando na boa
ninguém veio puxando conversa,
enchendo o saco

alguns conhecidos apenas,
"e aí, Dusquene?", dou um "Olá, amigo"
ninguém vem sentar na mesa,
isso é legal

a vida pode ser boa
é só você confrontar a pressão dos idiotas
e deixar rolar com a bebida,
fico de olho

as mulheres dos bares
têm longas estórias tristes, de solidão,
e ancas e seios sexys,
mas hoje não, não vou investir,
não quero ouvir e foder nenhuma delas
quero apenas, e somente, beber

é isso

terça-feira, 15 de abril de 2014

Eu

Eu não sou nada
E nada é um bom começo
Beber num bar qualquer é um bom começo, Dusquene

Vencer,
é coisa que sempre se perde,
eu prefiro beber um drink, meio triste,
meio imaginário,
qualquer cheiro de mulher agora vale a pena

Um troço sério da infâmia acesa

Ninguém pode começar um romance se trancando num apartamento para escrever. Isso é neurose. É doentio. Escrever deve ser um troço automático. Vivencial. O cara que elabora demais o texto pode ganhar no estilo, mas o que produzirá morrerá na estante fria.

Prefiro escrever o que me vem na cabeça na hora, porque sei que essa é a minha verdade, mesmo que momentânea. Não adianta o cara sentar no computador e pensar: "Hoje vou escrever o grande poema americano do século" ou "Começarei hoje uma novela espetacular".

Não falo daqueles escritores que fazem uma grande ficção. Não. Falo dos escritores comuns que pouco têm a oferecer, além de uma dura realidade, de sacanagem e poemas com mulheres e bebidas, como eu.

Afinal, o troço bom é isso mesmo.

Pin-ups


eu quero aquelas mulheres
todas elas
pin-ups

mulheres feitas de sonho,
mulheres que não existem mais,
mulheres que dão um alento a um homem,
repouso para o velho Dusquene de guerra

eu quero todas as pin-ups,
e ninguém mais as merece do que eu
ninguém merece mais suas cores vivas,
seus cafés bem quentes,
ninguém merece mais a comodidade

eu quero todas as pin-ups
embrulhem todas elas e mandem lá pra casa

Showtime

O cantor de rock do momento ia fazer um megashow. “O cara é bom, cê tem que assistir”. “É, talvez”. “Vai passar na TV a partir das 2 da madrugada”. “Como é o nome dele?” “É K..................”. No apartamento, liguei a TV, fui abrindo umas cervejas e deixei rolar. O troço tava demorando, abri um tinto e continuei deixando rolar. Finalmente o show começou. Jorros enormes de fumaça vermelha, azul e violeta no palco. Luzes girando loucamente, um barulho dos infernos. Entra, enfim, um sujeito esquálido, buço louro e começa a cantar espalhafatosamente uma música escrota. E eu lá, esperando o K................. E o sujeito ali berrando coisas, rebolando, acabando com o microfone e os meus tímpanos. “Porra, cadê o K.................., essa merda aí só deve estar esquentando o público pro cara. Só pode ser”, eu pensei. Quinze minutos depois aparece no pé da tela a legenda “K.................. in concert”. “Puta-que-o-pariu, não pode ser...”, eu disse, “O povo está comendo bosta”. Tive ganas de ligar pro cara que me dera a dica. Mas desliguei a droga da TV e fui dormir. Pelo menos eu estava bêbado. Pelo menos isso.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

DRINQUE AZUL (BLUE DRINK)



Eliot Blummer entrou no apartamento como todas as noites. Olhou em volta. Tudo igual. A mesma poltrona surrada. O cinzeiro cheio de gimbas. O jornal holográfico-material, lido pela manhã, largado no piso. Um cheiro indecente de algo apodrecendo dentro, quando abriu a geladeira. Havia uma lata de cerveja esquecida. Restos de macarrão com carne passada. Era pelo menos uma prova de que alguém ainda vivia ali.

Ele entendia muito bem porque Montana havia se mudado. Nem ele aguentava, às vezes. Mas seguia adiante, não sabia bem a razão disso. Talvez houvesse uma piscina com uma bela garota um dia desses. Um drinque azul numa mesa. Um alento para uma alma torturada pelos afazeres da profissão, de precisador, uma espécie de faz-tudo em 2076.

Tirou um cigarro. Acendeu. Foi até a janela e ficou ali, espiando o nada. Nenhuma pessoa que passava na rua, lá embaixo, lhe chamava particularmente a atenção. Nenhuma não. Uma mulher de capa de chuva amarela realmente se destacava entre as pessoas, na iluminação enevoada. Andava apressada, olhando de vez em quando para trás, como se estivesse sendo seguida por algo criminoso. Ele soube imediatamente que ela estava em perigo.

Pegou as chaves, o casaco e a carteira – carteiras não mudam nunca. Abriu a porta. O elevador hipersônico ajudaria naquela ocasião, se estivesse funcionando. Desceu os quatro andares de escada, num fôlego só. Será que daria tempo? Ou a mulher sumiria na multidão? Iria pagar para ver. Escancarou a porta do hall do prédio.  Olhou à direita. Nada da capa amarela, dos cabelos escuros. “A perdi”, pensou. Correu na direção por onde a mulher seguira. Não tinha tempo: sabia que ela estava em apuros. Ele vira medo em seu rosto.

Virou, a toda, na Every. Correu. Correu mais ainda. “Para onde? Onde ela se meteu?”. Ela andava depressa. Mas não havia dado tempo de ir tão longe, sem que pudesse ser notada. Não com aquela capa. Esticou-se, nada viu. “Não é dessa vez que será um herói, Blummer”, falou para si.

Virou-se. Deu dois passos e olhou a placa luminosa no final de uma ruela, um beco na verdade. Entre dois quarteirões. “Beers”, era o que a placa dizia. Ele sorriu. Muito atraente, e óbvio. Foi até lá. Subiu a pequena escada e entrou. O local estava abafado, e com o característico cheiro de stazzi, o alucinógeno moderado, único permitido pelas autoridades superiores.

Olhou em volta, desanimado. Então ele viu. No final da curva do balcão, quase colada à parede escura, estava ela. A capa jogada para trás, mas os braços cobertos e amarelos. Aproximou-se, desviando-se de uns e outros.

- Por que você não a tira? – perguntou.

A mulher, de seus 25-30 anos, assustou-se com o intruso.

- Não posso. É minha pele. Está grudada em mim. É meu simbionte de proteção contra variações climáticas súbitas.

- Você é um andróide?

Ela o encarou. Suas pupilas negras cobriram toda a superfície dos olhos. Logo retornaram ao normal. “Está sob grande tensão nervosa”, pensou Eliot, não sabendo bem onde encaixar nervos em um ser artificial.

 - Sim. Em fase de extermínio.

Blummer continuava de pé. Já não estava confortável ali, com aquilo. Não havia ninguém próximo, no balcão.

- O que você fez? O Departamento não sai por aí atrás de andróides por nada. Desculpe, pelo menos é o que dizem...

- Eu... Eu matei meu dono.

         - Isso é impossível. Andróides são programados como antiassassinos. Andróides salvam, não matam. É ilógico. Está...

                - fora dos padrões. – Ela disse – Sou uma MX271, Série 3, modelo básico. E, sim, eu matei meu proprietário.

                - Mas como? E por que?

                - Queria me desligar, permanentemente. Pretendia me substituir por uma uMNO222 Cibertron.

- E daí? Isso acontece sempre. Andróides são, por natureza, substituíveis.

- NÃO SÃO! VOCÊS DEVERIAM NOS PERGUNTAR SE ESSE DESTINO NOS AGRADA!

- Vocês não precisam decidir sobre isso...

- NÓS ESTAMOS VIVOS! NÃO ENTENDEM... Eu o servi por cinco anos. É INJUSTO!
   
Os olhos de andróide ficaram totalmente pretos. Havia tristeza ali?

- Como o matou? Seu dono...

- De modo indireto. Queimei de propósito, com uma sobrecarga, dois circuitos de ajuda a humano. Captei, pelo suor emanado da pele de Newmann (o nome de meu proprietário), que ele teria um AVC em poucos dias. Não lhe prestei os primeiros socorros. Interferi também na linha on-line do serviço de pronto atendimento. Resultado: ele morreu. E, agora, estou sendo caçada.

Por uns 30 segundos, Eliot viveu o embate entre duas sensações: de repulsa e de compaixão pelo andróide. Ela baixou os olhos para o drinque à sua frente.

- Bebida? – ele notou.

- Só fingindo. Mas se eu pudesse, esse era um vício que eu poderia ter.

- Venha comigo. Pode passar a noite em meu apartamento.

MX271 ergueu os olhos e fixou-o.

- Isso jamais ocorrerá. Eles me localizaram.

Ouviu-se atrás de Blummer um zumbido alto. Um clarão forte atingiu a lateral da capa amarela. O andróide fora cortado ao meio.

Pessoas corriam desesperadas, buscando a porta do bar. Uma nuvem de gás-repulsor, com um cheiro inexplicável, começou a tomar conta do ambiente.

Enquanto os mecanismos do ser lentamente morriam, Eliot foi seguro pelo braço.

- Tudo bem, cidadão? – perguntou um policial.

- Está.

- Era um maquinário fugitivo.

- O quê?

Antes de ser puxado, Blummer ainda pôde reparar: o drinque no balcão ficara intacto naquele alvoroço. Era azul.   

sábado, 12 de abril de 2014

Drinque Azul

1.
Nem sempre estaremos felizes como um bloco de anotações.

2.
A merda nem sempre está no vaso. Muitas vezes está na boca das pessoas.

3.
O que fede, não tem jeito.

4.
Qualquer normalidade é enganosa.

5.
Qualquer discurso é fascista. Qualquer "ISMO" é loucura.

6.
Para se ouvido, fale baixo.

7.
Poesia não existe. O que existe são escritos.

8.
Poesia é o grande esgoto do mundo. Prefiro as prateleiras cheias dos supermercados.

9.
Ficção científica é salutar. Philip K. Dick me faz desligar.

10.
Ninguém tem todos os parafusos bem apertados.




ainda terei um dia de sorte

ainda terei um dia de sorte
um dia os números irão colar em mim
como percevejos ou pulgas

e eu abrirei um champanhe
e brindarei comigo mesmo:
- Dusquene, você venceu!

colocarei uma boa grana no banco
comprarei uns troços
talvez até um livro
- um livro? de quem? para que?

comprarei uma espreguiçadeira
e colocarei no meio da sala
que terá também um frigobar
e ficarei, ali, quentando ao sol
- Afinal, Dusquene, você venceu!

talvez até compre um binóculo
para espreitar a vizinhança
ou a lua ou a ponta do meu caralho
- Porra, Dusquene, afinal você venceu!

mas enquanto os números não caem no meu colo
é melhor eu acordar, me vestir e encarar Wilson,
o maldito chefe com cara de águia da expedição

Sem saída num dia quente de maio

"Sei de umas coisas, mas acho que não vou lhe dizer, Dusquene". "Ah é? O que é, mano?". "Eu converso com o Grande Deflorador todas as noites". "E o que ele lhe diz?". "Que todas as mulheres me pertencem". "É". "E que ele somente permite que os outros as desfrutem - ou melhor, fodam - para a propagação da espécie. Mas todas me pertencem. É certo". "Então, obrigado por me emprestar a minha mulher". "Tudo bem. Mas cuide bem dela, um dia você terá que devolvê-la a mim. E quero receber o produto em bom estado, OK?". Olhei pro sujeito mais diretamente. Seus olhos estavam baços. Não sabia se ria ou lhe dava um murro. Por via das dúvidas, fiquei com a segunda opção.

Os Porquês

por que essa urgência, essa premência
                                        para magoar?
por que as ruas estão cheias de sonhos mortos
            que esbarram em pessoas tristes?
por que essa falta de?
por que a ficha jamais cai na máquina?
essa fatalidade...
          por que essa falta de qualquer coisa?
tanta ironia e impiedade
por que essa carência de sentimento?
ei,
ninguém sabe a quantidade certa de uísque
                     que traz a tal felicidade?
será que ninguém vê o que acontece nas ruas?
E por que tantos pobres e,
                                     principalmente,
por que tão poucos ricos
            com suas piscinas, carros, mulheres, 
    e garagens (quero o meu quinhão deste sonho)
              e possibilidades
                              e tudo o mais?
                           por que esse
abandono
              e essa insônia rubra?
porra,
por que ninguém me diz
                                 nunca
"vai cara, você consegue".

Eloisa

estamos no frio
é, no frio, entre prédios, gente, gatos, ruas,
queremos um pouco de tranquilidade,
ver o futuro antecipado,
o presente indo mais rápido,
como se nada passasse
honestamente
como os milhares de pessoas
que cruzaram o nosso caminho,
tolamente, para nada,
vejo longe uma estrela
ela é também uma idiota qualquer