segunda-feira, 30 de novembro de 2015

em 200 anos fritamos o planeta

...

Bulforf tava na dele. No bar, em qualquer lugar. Via a morte nos olhos das pessoas, e nem ligava. O cara era realmente estranho. Mas era amigável, às vezes.

"Quer um drinque, Buff?"

"Aceito. Mas não me chame assim de novo, filho. Senão vai ser encrenca".

"OK. Manda um uísque aqui pro... (o rapaz olhou os olhos secos do homem) nosso amigo aqui da 4".

Bulford levantou, pegou o taco de sinuca e, com o cabo, quebrou a cabeça do garoto.

"PORRA, BUFF, QUE FOI QUE EU FIZ! CÊ TÁ NA MESA 4, CARALHO!"

Bulford olhou. É, tava mesmo.

Mas agora era tarde.

"Foda-se, filho. Você mereceu. Bem ou mal, todos merecem".

A ferro e fogo na brasa indormida

quando você
quiser uma cerveja, baby,
me procure

depois de ler o jornal,
de ver o que passa
no cinema,
no tédio da tarde,
me procure

eu,
esta catástrofe
certa, lagarto na pedra,
quentando ao sol

no calor da noite,
pensando em vinho
e azeitonas,
me procure

me procure
para as coisas mínimas,
inefáveis,
me procure, sempre,
caso não tenha nada
melhor que fazer

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Miragem de uma vaca na estrada do desconhecido

a semana é sempre em perspectiva
pode ser uma droga - e geralmente é -
ou nela chegar a Fortuna, essa prostituta linda,
e ela poderá finalmente mostrar a calcinha para você

confie, Dusquene, aprenda com os dias ruins
dias de insolação, urticárias e dor,
de suor esfalfante, de pragas e insânias
de nada

lembre-se que haverá sempre a possibilidade
do tinto e do relax, da sorte sentar em seu colo

"E aí, mulher, como você cê chama?"
"Rebecca Money".
"Sobrenome interessante, Reby, Aceita um copo?"

E ela aceita e ela põe a língua fria na sua boca
e, com a mão macia, pega o mangalho, já teso.
"Hoje a sorte sorriu pra você, Duc".

E ela sorri aqueles belos dentes de pérola
na moldura do carmim intenso.
"É, baby, eu merecia um descanso das trincheiras".

"Então, Reby, como vai ser? Onde assino para receber a grana?"
E ela me mostra um pergaminho antigo,
retirado da liga preta de sua perna direita.
Ela toda de seda azul, perfeita, maravilhosa...
"Aqui, no pontilhado".

Ao colocar a caneta na linha indicada, eu noto
a expressão no meio do texto, diminuta, mas logo acima.
"e assim ele concede sua alma".
"Porra, de novo essa história de alma, Reby".

Mas quando eu levantei os olhos a puta havia sumido.
E eu ali, no quarto, segurando a caneta verde-enxofre
com o zíper aberto e o pau penso.

Senso

somos uma sociedade de idiotas,
confrontamos rostos sem objetividade,
é, cara, objetividade

e não há razão para otimismo,
a sociedade se mata em si mesma,
sei lá o que é isso,
mas sei que é

somos  bolas de capim seco
na tempestade,
não sabemos nosso futuro,
mas que iremos a ele,
iremos

e aquela dona
faz um carinho estranho,
legal


...

Marylou foi foder com Tom
Tom foi comer Marylou
Ambos pensavam que podiam amar
mas era só sexo
e cerveja
e barro
e som
e nada

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Sensação de merda no sapato esquerdo


é preciso sinceramente que haja algo melhor que isso,
do que observar esses rostos óbvios, frequentes,
à espera do próximo pagamento,
do próximo telefonema,
da próxima viagem interestadual,
do próximo fim de semana,
do próximo reality show,
para que eu consiga me apossar
das sobras de mim

não quero ter contato com 99% da humanidade
mas estou cercado desses 99%
sou um ser solitário e mal-humorado
não me dou bem com gente
só com cervejas e jogo de números

a cada dia a tensão aumenta
não consigo sequer olhar para seus rostos...

mas sempre há a perspectiva
da próxima viagem interestadual,
do próximo fim de semana,
do próximo reality show,
do próximo telefonema,
para que, enfim, esses 99%, envolvidos pelas novidades,
desapareçam por algumas esplendorosas horas

A merda nossa que vaza todos os dias


o diabo é
             o ramerrão
        a falta de perspectiva
                  de grana
as solas dos sapatos gastas
as meias furadas nos dedos e nos calcanhares
                                   o sem saco de
comprar meias e sapatos

o diabo é
             o sol, o maldito sol rompante,
             o café oxidado
                                 na térmica
                                 de quinta
a danação das ruas
            a vontade de ver ninguém
a ressaca bruta
                     o bolor no armário
                                 e o periquito verde
do vizinho
              o pane mental, enfim,
a perda de sensibilidade...


o diabo é isso
                    a uniforme percepção
                    social
               denunciando sonhos
as pessoas do metrô
             com seus rostos vencidos,
banidos, inúteis,
                                  a morte anunciada
                       em tudo

já no apartamento
         depois de um dia morno
ligo a TV
            desligo
- esqueço que não há vida na TV -

é tarde,
camarada,
muito tarde para qualquer um
salvar-se

Escadas rolantes fazem mal aos olhos


Sou obrigado a ver dezenas de bundas murchas, ignóbeis, toda vez que subo uma escada rolante. Por isso, deveriam ser proibidas. Não as bundas, mas essas escadas. Não quero vê-las (as bundas), mas elas ficam enfileiradas e em ascensão na minha frente. Não há como não notar. Temos que cuidar dos nossos olhos assim como cuidamos dos genitais. Podemos sujá-los às vezes, mas não toda hora. E escadas rolantes sempre oferecem um espetáculo constrangedor.

O formato é variado. Existem os de bunda chapada ou reta, de bunda meia bomba, de bunda meia-taça (em que os pomos caem de repente e ficam ali, pendurados, como massa desprendendo) e os bundões - ou quase isso. Há também o bundão cavalar, megalômano, indecente. Tem de ser de ferro a privada para aguentar um desse tipo.

Todos os dias na volta do metrô sou forçado a me deparar com essa tragédia móvel. Mas há um consolo. Algumas mulheres têm atrás o que muitas vezes lhes falta na frente. E disso eu gosto.

Indizível atropelo de fatos e provas

deixe-me
ficar
no quadrado
seco
do apartamento

o teto
em chamas,
a vida,
em chamas

deixe-me
lhe dizer
o que nenhum
filme de TV
diz

deixe-me
congratular
com estrelas rubras,
com uma sombra
na calçada,
bêbado de vinho,
cheio das ciladas
dos estábulos

deixe-me rosnar,
sangrar, o feixe de nervos,
a pele seca, boca em carne viva

deixe-me
severamente,
densamente,
plenamente,
lhe ver como
você finge
ser


Tempo, tempo, mísero tempo para qualquer fato


vá devagar, camarada,
a vida não
precisa
ser engolfada
num só golpe
é preciso
calma

relaxe,
beba uma cerveja,
olhe lentamente
uma bela mulher
passando
na rua

desligue-se
um pouco da
miserável rotina,
do vil metal,
da chave perdida,
do gato que perdeu
o passo do rato,
do ódio
sem
nexo

e tome um
gole, um gole
apenas
basta

Tome duas aspirinas e um antiácido


um restaurante
na plataforma,
duas ou três garrafas
de cerveja
já vazias 

aquela mulher ali
parece se importar
comigo,
parece que
me conhece,
mas eu não
sei de onde
ela é,
de onde
vem

só percebo
o seu rosto
como
um pássaro
que surge
na vidraça
embaçada
e logo
desaparece
na
neblina

sábado, 27 de junho de 2015

DRINQUE AZUL (BLUE DRINK)

Eliot Blummer entrou no apartamento como todas as noites. Olhou em volta. Tudo igual. A mesma poltrona surrada. O cinzeiro cheio de gimbas. O jornal holográfico-material, lido pela manhã, largado no piso. Um cheiro indecente de algo apodrecendo dentro, quando abriu a geladeira. Havia uma lata de cerveja esquecida. Restos de macarrão com carne passada. Era pelo menos uma prova de que alguém ainda vivia ali.

Ele entendia muito bem porque Montana havia se mudado. Nem ele aguentava, às vezes. Mas seguia adiante, não sabia bem a razão disso. Talvez houvesse uma piscina com uma bela garota um dia desses. Um drinque azul numa mesa. Um alento para uma alma torturada pelos afazeres da profissão, de precisador, uma espécie de faz-tudo em 2076.

Tirou um cigarro. Acendeu. Foi até a janela e ficou ali, espiando o nada. Nenhuma pessoa que passava na rua, lá embaixo, lhe chamava particularmente a atenção. Nenhuma não. Uma mulher de capa de chuva amarela realmente se destacava entre as pessoas, na iluminação enevoada. Andava apressada, olhando de vez em quando para trás, como se estivesse sendo seguida por algo criminoso. Ele soube imediatamente que ela estava em perigo.

Pegou as chaves, o casaco e a carteira – carteiras não mudam nunca. Abriu a porta. O elevador hipersônico ajudaria naquela ocasião, se estivesse funcionando. Desceu os quatro andares de escada, num fôlego só. Será que daria tempo? Ou a mulher sumiria na multidão? Iria pagar para ver. Escancarou a porta do hall do prédio.  Olhou à direita. Nada da capa amarela, dos cabelos escuros. “A perdi”, pensou. Correu na direção por onde a mulher seguira. Não tinha tempo: sabia que ela estava em apuros. Ele vira medo em seu rosto.

Virou, a toda, na Every. Correu. Correu mais ainda. “Para onde? Onde ela se meteu?”. Ela andava depressa. Mas não havia dado tempo de ir tão longe, sem que pudesse ser notada. Não com aquela capa. Esticou-se, nada viu. “Não é dessa vez que será um herói, Blummer”, falou para si.

Virou-se. Deu dois passos e olhou a placa luminosa no final de uma ruela, um beco na verdade. Entre dois quarteirões. “Beers”, era o que a placa dizia. Ele sorriu. Muito atraente, e óbvio. Foi até lá. Subiu a pequena escada e entrou. O local estava abafado, e com o característico cheiro de stazzi, o alucinógeno moderado, único permitido pelas autoridades superiores.

Olhou em volta, desanimado. Então ele viu. No final da curva do balcão, quase colada à parede escura, estava ela. A capa jogada para trás, mas os braços cobertos e amarelos. Aproximou-se, desviando-se de uns e outros.

- Por que você não a tira? – perguntou.

A mulher, de seus 25-30 anos, assustou-se com o intruso.

- Não posso. É minha pele. Está grudada em mim. É meu simbionte de proteção contra variações climáticas súbitas.

- Você é um andróide?

Ela o encarou. Suas pupilas negras cobriram toda a superfície dos olhos. Logo retornaram ao normal. “Está sob grande tensão nervosa”, pensou Eliot, não sabendo bem onde encaixar nervos em um ser artificial.

 - Sim. Em fase de extermínio.

Blummer continuava de pé. Já não estava confortável ali, com aquilo. Não havia ninguém próximo, no balcão.

- O que você fez? O Departamento não sai por aí atrás de andróides por nada. Desculpe, pelo menos é o que dizem...

- Eu... Eu matei meu dono.

         - Isso é impossível. Andróides são programados como antiassassinos. Andróides salvam, não matam. É ilógico. Está...

                - fora dos padrões. – Ela disse – Sou uma MX271, Série 3, modelo básico. E, sim, eu matei meu proprietário.

                - Mas como? E por que?

                - Queria me desligar, permanentemente. Pretendia me substituir por uma uMNO222 Cibertron.

- E daí? Isso acontece sempre. Andróides são, por natureza, substituíveis.

- NÃO SÃO! VOCÊS DEVERIAM NOS PERGUNTAR SE ESSE DESTINO NOS AGRADA!

- Vocês não precisam decidir sobre isso...

- NÓS ESTAMOS VIVOS! NÃO ENTENDEM... Eu o servi por cinco anos. É INJUSTO!
   
Os olhos de andróide ficaram totalmente pretos. Havia tristeza ali?

- Como o matou? Seu dono...

- De modo indireto. Queimei de propósito, com uma sobrecarga, dois circuitos de ajuda a humano. Captei, pelo suor emanado da pele de Newmann (o nome de meu proprietário), que ele teria um AVC em poucos dias. Não lhe prestei os primeiros socorros. Interferi também na linha on-line do serviço de pronto atendimento. Resultado: ele morreu. E, agora, estou sendo caçada.

Por uns 30 segundos, Eliot viveu o embate entre duas sensações: de repulsa e de compaixão pelo andróide. Ela baixou os olhos para o drinque à sua frente.

- Bebida? – ele notou.

- Só fingindo. Mas se eu pudesse, esse era um vício que eu poderia ter.

- Venha comigo. Pode passar a noite em meu apartamento.

MX271 ergueu os olhos e fixou-o.

- Isso jamais ocorrerá. Eles me localizaram.

Ouviu-se atrás de Blummer um zumbido alto. Um clarão forte atingiu a lateral da capa amarela. O andróide fora cortado ao meio.

Pessoas corriam desesperadas, buscando a porta do bar. Uma nuvem de gás-repulsor, com um cheiro inexplicável, começou a tomar conta do ambiente.

Enquanto os mecanismos do ser lentamente morriam, Eliot foi seguro pelo braço.

- Tudo bem, cidadão? – perguntou um policial.

- Está.

- Era um maquinário fugitivo.

- O quê?

Antes de ser puxado, Blummer ainda pôde reparar: o drinque no balcão ficara intacto naquele alvoroço. Era azul.   

Nem bem fazíamos boas coisas na Howard’s

as boas mulheres
se foram,
as loucuras
de uma época
também
se foram

os bons filmes
se foram,
com seus tiros,
bancas de revista,
cabines telefônicas
e mulheres perfeitas,
realmente
fêmeas
e calmas,
perfeitamente
frias e
calmas

tudo passou,
veio outra geração,
novas tecnologias,
outros cantores,
bem ruins,
novas músicas,
detestáveis

mas
a indiferença é
universal e permanente,
está em nós,
sempre estará

menos no sol
que cai
flamejante
sobre o piso
do posto de gasolina da Blueshoes
às 15h43

sábado, 20 de junho de 2015

Ela

qualquer
mulher,
que não ela,
 não tem jeito,
falta algo

eu já  estou
acostumado
com seu jeito,
com seu corpo,
com sua fala
meio estridente,
meio louca

ela é
o que de melhor
veio
para mim

sexta-feira, 19 de junho de 2015

A loucura em minhas mãos

repletas
as rodovias
de carros,
como escamas
luminosas
de uma enguia
negra e voraz

fluem,
intermináveis,
chegam, logo vão

penso
nas escamas
como enfeites
jogados
na seda negra
das pernas
de uma fêmea
gigantesca,
que sela
o destino
dos homens

mulher colossal
de lábios roxos,
e maliciosos,
de cabelos pretos
cheia de
falsas esperanças,
sobre o frio,
o frio
asfalto
de sua carne




sexta-feira, 12 de junho de 2015

Quem nasceu para a perfeição indômita, agora

Conheci Timberly num bar da Howard´s. Era fim de noite. Uns caras bêbados berravam uma canção qualquer numa mesa qualquer. Era desagradável, mas não havia outro bar pelas redondezas. Foi aí que a mulher entrou. Só. Aquela fêmea estava desacompanhada. "Puta", pensei. Ela chegou no balcão. Pediu um maço de cigarros, uma neck, e olhou em volta. Havia a mesa dos bêbados, meio afastada, a minha e a de um sujeito de rosto embotado.

Ela bebeu um gole forte. E seguiu para a mesa do sujeito de cara sem nexo. Sentou. Passaram-se 15 minutos e, daí, ouvi. "Vá se foder. Peça para a sua mãe abocanhar um caralho. Ela entende do riscado...". O cara se levantou. Eu me levantei.  Não passou disso. Então ela veio. Agora sei seu nome. Estranho como as mulheres escolhem sempre o homem errado.

Nos fundos da Pomerode

"Momy, Bubble não quer me emprestar Fiply". "Dá logo Fiply para ele, Bubble". "Dou não". "Dá, senão eu vou aí e cê sabe que comigo é diferente". "Dou não". "Mooomy!". "Bubble, passa Fiply pra ele. Cê já brincou demais com o gato". "Não. Custei a amarrar ele com a toalha". "Momy, Bubble tá dando choque no gato". "Quando acabar, passe ele pro Frino, Bubble". "Humm. Tá bom Momy". E o rabo pelado do bicho mais uma vez em contato com o fio desencapado.

ninguém bebe mais ali

a vida é uma coisa miserável, uma teia
e nós somos as moscas que caímos nos fios,
e a Aranha, o destino que nos vem devorar
ou nos enrolar para comer mais tarde,
na janta

eu não quero ter amizade com pessoas mais velhas do que eu
ontem, soube da morte de mais uma mosca,
um sujeito perdido pro diabetes e pra bebida,
morreu deprimido, indo e vindo de internações,
trancou-se por fim no quarto,
uma coisa bem triste,
e se foi

minha válvula de escape é escrever sobre tudo isso,
sobre essa droga toda sem sentido algum, sem motivo para ser,
sobre o fim inexorável e patético,
que nos espera, sem ansiedade,
sem compaixão alguma,
nenhuma

A hora em que não dormimos sós de nenhum jeito

Bill tomou uma tragada e foi cagar. Millie estava na sala com o pequeno John no colo, pronto para fazer no resto da tarde o papel da boa esposa. Iria fazer o café dentro de 30 minutos. Bill iria comprar pão e leite. Comeriam em comunhão e ficariam felizes como bons americanos. Aí Millie viu uma propaganda chamando a América para conhecer o Hawaii.

- Bill, por que nunca fomos ao Hawaii?

Saindo do banheiro, Billie respondeu:

- Por pura falta de grana, baby.

- Um dia vamos, não vamos?

- Esperemos o Jonhnny crescer? - disse o marido olhando para o final da propaganda na TV sobre o 50º estado.

- Você sempre adiando meus sonhos...

- Porra, agora seu sonho é o Hawaii? Por causa desta bosta de comercial? Ontem não era Paris?

- Era. Mas mudei.

- É... ao invés de cruzarmos o Atlântico, cruzemos o Pacífico...

- Você não gostaria?

- Gostaria é de ver a NFL agora. Sossegado... Com um cerveja na mão, depois da semana que tive nos Correios...

- Pro caralho as suas conveniências, Billie - disse Millie, levantando-se com o pequeno John no colo, que já chorava.

- Quer saber. Cê não sabe que o Hawaii era uma colônia de leprosos, ou coisa parecida. Depois do Elvis ir até lá e dizer "Aloha" é que virou essa merda toda...

Mas já era tarde, Millie já se trancava no único quarto do apê com John.

Ah, o Hawaii.

terça-feira, 9 de junho de 2015

...

o que fazemos
de nossas vidas
pouco importa

o importante é o que
não fazemos com ela

Bons bares têm paredes verdes


bares fechados
me deprimem

bares
são
naturalmente
avessos
a portas cerradas

quantas vozes
quantas estórias
aprisionadas
marcam
suas paredes
sujas

muitas narram coisas
débeis, ridículas,
torpes, talvez

porém,
bons bares
são o elixir
da vida
a fonte
da juventude

bares não deveriam fechar nunca
só com a morte do dono
ou a minha

reflexão num dia de tempestade

a vida é passageira, homem,
mas parece que já vivi um século
no meio do turbilhão há quase cinco décadas
e hoje estou melancólico, triste mesmo
quero meus bons tempos de volta
mas sei que jamais os terei
e terei que seguir em frente
mesmo assim
bem ou mal
em frente
sempre

creio sinceramente
que os bons tempos já passaram
e realmente estou chateado por isso
era um tolo, mas havia sempre a possibilidade
do ouro na moldura dos dias que viriam

o que me resta agora é engasgar com o metal na boca seca
revirar no sofá, confrontar essa angústia no peito
e o maldito sol que desponta
atrás da persiana

Sob o sol e calcinando

o trabalho
mostra a que veio
no final do dia

o corpo estafado
clama repouso,
mas nunca acontece
do jeito que
se pensa

a ducha
apenas amortece
os músculos rijos,
doloridos
e você não tem
mais 25 anos, nem 30,
nem 40,
está com 51
e prossegue,
apesar de tudo

enquanto outros,
os-que-sabem-das-coisas,
já conseguiram
gordos salários,
aposentadorias
indecentes

mas
você parece
de ferro,
tem algo que
melhora aos poucos
como estes espasmos
na panturrilha direita,
tenebrosos,
que sobem pela
lateral da perna

eles, como outros antes,
não acabarão comigo,
mas, um dia,
alguma doença esquecida
vai



sábado, 6 de junho de 2015

Pequena conversa sobre o nada

"Quando você for publicado, todos estaremos mortos, Dusquene".
"É uma possibilidade..."
"E você não se importa? Afinal, você produz muito".
"Se tiver meia dúzia de leitores, terei feito um bom trabalho".
"Você é muito modesto".
"Modéstia é um dos meus pontos fortes".

...

2

Megg Lee
foi ao bosque
encontrar o lobo mau
que não quis conhecê-la
por medo da herpes genital

Pugilismo ao cair da tarde


De repente, rolou uma briga no bar.

Na verdade, o dono estava tentando deter um dos clientes, que, de tanto beber, pensou que estivesse no banheiro e começou a se despir. O homem ficou irritado com o proprietário e a luta seguiu no chão. O sujeito era gordo e não queria ser dominado.

"Ele quer me currar, esse filho-duma-cadela. Quer me currar!".

"Levante suas calças, Fred. Saia do meu bar", disse Bulford.

Embora franzino, Bulford tinha força nos braços e havia imobilizado Fred com um golpe por trás.

"Me ajudem. Esse cara quer comer meu cu!".

Por fim, Fred foi jogado na calçada. Levantou todo estropiado. As calças ainda meio arriadas. Era uma imagem triste. Havia se separado de Irene há um mês. E há um mês bebia pesado.

Soube depois de cinco meses que a cirrose, misturada ao conhaque, o havia levado.

Irene continuou rebolando seu rabo de aluguel.

a cidade morre ao longe II

1
ninguém conhecerá realmente sua cidade
se não bebê-la, fodê-la, sem devassar
suas misérias, plenamente

2
respeite sua cidade, mas não a tema,
é um bom modo de sobreviver, ir seguindo
mas não a trate como um almoxarifado

3
quem teme a cidade não a vive,
jamais chegará a conhecê-la,
a cidade pede coragem e pele grossa,
camarada

4
existem mulheres que tornam as ruas
uma festa, outras, uma merda

5
as ruas me chamam
como Vicky Lane
ao me abrir suas roliças pernas de neve

A ela

baby,
essa garrafa de tinto
nos convida a uma celebração
são tantas brigas, e isso é muito bom
aquece a alma, a vida

baby,
quem não ama não briga
quem não ama não se importa
e eu me importo muito com você
mesmo

eu,
eu queria ter um pouco mais de grana
para a gente fazer o escambau – e muito mais

baby,
só nunca se esqueça
que eu te amo

Pobres, pobres, livres e pobres

o poema vem imundo
como os becos mais sórdidos da city
sai como um bêbado ao final de uma noitada
vem trôpego, mas verdadeiro

o poema mente como uma puta,
lhe dá o que você implora,
mija morno na sua perna e pisca,
cínico, humano e eterno
como a pobreza
na city

o poema chega morto,
cheirando a séculos e ferrugem,
como o último dos últimos
copos no balcão do bar
mais fétido

é o poema,
o que devem esperar de mim

Porta aberta para o insofismável

esqueci Kansas
na mesa,
como pude
esquecer Kansas
na mesa do Trovadero?

como pude,
a par de tudo,
largar Kansas,
lágrimas humilhantes,
na mesa
do Trovadero?

como pude
fazer mal por nada,
sim, palavras duras,
nunca mencionadas,
algum dia

se a vida continua,
está sendo áspera, agora

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Um modelo de ser humano como crosta

já é ruim ter de levantar às 7 da manhã
e, como se isso não bastasse,
é preciso enfrentar a massa humana
a fila disforme de rostos, bundas, barrigas e quadris
gente compartimentada, o pior da terra

impossível não olhar a minha, a nossa conformação física,
que não é, de modo algum, das melhores

ontem mesmo um sujeito de 130 quilos ocupou dois bancos do metrô
fiquei olhando de cima e pensei em lhe sugerir uma cirurgia bariátrica,
mas fiquei na minha, só observando o mamute lendo jornal:
"Afinal, Dusquene, você não é páreo para confrontar tudo isso se algo der errado"

SORTE! Meu amor recluso...


Não jogo há um mês. As pedras me ludibriaram. Estou puto. Dei um tempo. Não adianta forçar a barra quando a Sorte – ou algo parecido com ela – não colabora. Como já comentei, faço uma aposta leve, por diversão. Uma vez ou outra arrisco uns trocados a mais. Nada desesperador.
O país não tem me favorecido. Os imbecis estão por aí coçando o saco e ganhando dinheiro. Cada coçada, dois mil. Como conseguem? Eu ainda encontro a porra dessa fórmula esquecida num balcão de farmácia, sei lá. É de impressionar como coisas boas acontecem a pessoas medíocres. Não precisam mexer um músculo e os bolsos já estão cheios de grana – não sei se obtida de maneira lícita ou ilícita, isto é com cada um.
Sempre tive algo semelhante à fé. Uma certeza, talvez. Certo otimismo escondido e indesculpável. Embora desanime no curso da obra, não sou daqueles que jogam a toalha no primeiro ou segundo round. Sou curioso. Quero ver como a coisa vai terminar.
Só estou dando um tempo.
Um dia, quem sabe, a Sorte entrará por aquela porta e sentará no meu colo.
“Ah, Dusquene, que bom que desta vez será com você”.
“Baby, eu nunca te vi, mas sempre te amei”, direi eu, original, passando o braço em sua cintura.

Quem cuida dos pobres neste mundo infame?


os hospitais do país são matadouros públicos
onde os pobres chegam para morrer
em macas nos corredores,
em UTIs coletivas e úmidas,
não sanitizadas,
uma morte dolorida, aberta,
programada

como doentes internados não votam
os políticos os esquecem
os governantes os esquecem
os médicos os esquecem
a população os esquecem
o que os olhos não veem...
desaparece
foda-se!

(...)

“Mama Brown foi internada com uma infecção aguda no pâncreas”.
“É? Quando foi?”
“Foi ontem. Morreu hoje, às 10”.
“Puta-que-o-pariu! Mama Brown morreu?”
“Morreu, o enterro é amanhã, às 15h. Cê vai?”
“Sei não. Tenho umas entregas pra fazer...”
“Eu também tenho uns assuntos pendentes...”
“É, vamos ver se dá”.
“É, talvez”.

Pobre Mama Brown... que não tinha um ombro onde encostar a cabeça

Paris Paris

Isidore Ducasse
enlouquecendo
em Paris

Maldoror
na ponte
assassinando
qualquer um
que a atravesse

no quarto de hotel
um mundo
estranho
todo próprio

os dedos gelados
delirantes
a mente em turbilhão
riscando
o papel

Maldoror
Maldoror
Maldoror
o que você é?

quem você é?

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Hiato breve sobre um copo de vinho


fé,
você tem
ou não

não falo aqui
da fé católica,
de reza

refiro-me à fé
íntima
de que
algo dará certo

não me refiro à fé
sem base,
sem chão
mínimo

mas à certeza
da possibilidade,
da lógica quase palpável,
da instrumentalização

do ato
que acelere
a roda
do hamster

Faces que a morte não quis para velcro


se eu fizesse
uma lista dos
seres idiotas
que surgiram
e desapareceram
de minha vida
- ela seria realmente longa

Deus nos cobra
um preço alto
por estarmos vivos:
paciência e
loucura

todos nós,
sem exceção,
temos algum
grau de
demência
e arrojo
para
o sarcasmo
- mesmo que
latentes

e
não existe saída
para a sucessão
de rostos
acomodados,
óbvios, pífios,
elementares ,
só o bar,
urgentemente

se seus donos soubessem
o trauma que me causam
não se atreveriam a
irromper na
minha frente

Minha preferência por aeroportos

Gosto de aeroportos. Dão distinção às pessoas. Gosto de me sentir distinto, às vezes. Chegam com suas bagagens, de táxi. Ajeitam as malas nos carrinhos e partem rumo a não sei onde. Avião é um negócio confortável. Tem o uísque, as aeromoças de taileurs com seus cabelos presos. Tudo muito distinto e sexy, legal, huumm...

Só não aprecio os solavancos. As turbulências fazem coisas horríveis com nossos estômagos, principalmente quando já existe meio litro de scoth dentro dele. Realmente, turbulências encurtam o buraco do cu, dão tensão. "Vai cair, meu Deus, agora cai".

Certo dia peguei um avião. Todos os passageiros colocaram o cinto por solicitação da aeromoça gostosa. O tempo começou a correr e nada de o avião embicar. Uma senhora, já velha, na poltrona atrás da minha, perguntou:

- Que houve? Por que não sobe?

Ai não resisti e comentei alto com o gordo sentado ao meu lado:

- Parece que estão retirando a carcaça de um falcão maltês que, desavisadamente, foi sugado e se esfarelou em uma das turbinas no vôo anterior. Vamos ter de decolar com uma só turbina. O que é preocupante...

Dei uma espiada para trás.

A velha me olhava com os olhos esbugalhados,a boca semiaberta. Por fim, gaguejou:

- Mas isso é possível? Viajar com apenas uma turbina?

- Voaremos de banda, minha senhora - eu disse e me virei, pensando "Dusquene, seu bom filho duma puta, você ainda vai matar alguém".

Compaixão é sempre uma merda boa

a lua na sarjeta
que mal faz?
aquele poste só, ao longe,
iluminando
que mal faz?
aquele bêbado triste
que ali vai
que mal faz?
os pobres
que mal fazem ao mundo?
só a eles

então, camarada, tenha mais compaixão
não custa nada
tentar
nem que seja com sua mãe ou pai
ou sei lá quem

Suplemento de um quadro arquétipo

Verônica V. pintou um quadro esquisito. Duas enormes prensas rosas e um caralhinho entre as duas. Desttoçadores. Manifesto feminista. Desova de útero. Ela recusou qualquer tentativa dos críticos de definir o objeto que pintara. Um pênis prensado. Verônica não queria comprometer sua obra com nada. Muito menos com substantivos e adjetivações. Aquilo era o que era. Olhei. Pensei ver no caralhinho um peixe claustrofóbico. Algo assim. Não disse coisa alguma a Verônica. Ela estava muito ciente do que queria para que eu interferisse. Sua arte estava bem acima de qualquer impressão ou imprecisão.

Como a lua, em eterno conluio

os números
me trapaceiam

conheço caras
que basta um
estalar de dedos
e tudo se resolve
para eles

são os figurões,
os tais,
em suma,
os calhordas

os números
não caem
do meu jeito

mas
também
não caem
do jeito
de muita
gente

é a fatalidade,
atrás da porta,
zombando dos fracos,
de mim, de você

os números
me trapaceiam sempre

para outros
uma moeda
se transforma
em mil

como eles
conseguem,
eu nem imagino
os detalhes

mas vem fácil,
isto vem

terça-feira, 2 de junho de 2015

,,,

a dureza
da vida
é a maior força
que um sujeito tem
para seguir
em frente

é preciso
entregar o bastão
numa condição melhor
que a dele

mas, e a nova geração?
será que presta?

às vezes até acho que algo bom pode vir por aí
só às vezes

Particularidade de uma expulsão do quadro de aviso

estou cada vez mais sem paciência com a humanidade
meu mau-humor crônico pode estar agravando a situação,
mas sinto que a imbecilidade geral está aumentando
como as heras nos muros
como os lodaçais dos trópicos
como as ervas daninhas nos campos abertos

e não tem volta
a estupidez humana é atávica
abrange todas as classes sociais
todas as culturas e religiões
todos os militarismos
rebelar-se é inútil
tentar escapar
também

por essa e outras razões
prefiro comprar uma dúzia de latas de cerveja
e ficar mamando, só, tabulando as teclas do computador,
sem querer encontrar sentido algum para coisa nenhuma

Quantum

o trauma é diário,
a cada momento
nos deparamos
com gente que
não queremos
ter contato nem falar
minimamente,
mas nos aprofundamos
nesta merda como
se, sem isso, não
pudéssemos respirar,
comer, cagar, e
rilhamos os dentes
rindo de nosso próprio
destino indisfarçável,
como as pernas de uma
bela mulher que não
se vê mais nas ruas,
porque elas não andam
mais de salto alto,
e insistimos em seguir
sem que nada disso
tenha alguma importância,
sequer para este poema

Um resto

que temos nós com isso?
se na esquina há a visão do homem morto
se a dor permanece clara em cada rosto
se a realidade enche os bares de vazio
se morremos pouco a pouco a cada dia

que temos nós com isso?
com a fé exagerada das pessoas
com as calçadas repletas de estranhos
com os hipócritas sondando nosso solo
com o seguir sem fim para o grande nada

que temos nós com isso, afinal?
sendo precária a sustentação de toda a vida
sendo improvável não ser sarcástico ou defensivo
sendo estreita a porta dessa entrada
sendo impossível afirmar que está aberta
e só

Tempo seco ao norte

o grande poema está para ser escrito
um que fale verdadeiramente de tragédias cotidianas
de turbilhões e de cansaços
de bares e putas, de traumas e delírios
de humilhantes desistências

o grande poema está para ser escrito
um que "anatomize" os prazeres urbanos reais
com a limpidez de um corte
com crueza, sem armadilhas
com a força de mil braços
o grande poema
sai

o grande poema está para ser escrito
um que exponha as entranhas de mil seres
cheio de vivências abaladas em cortiços
cheio de misérias, dores e doenças
cheio de mim e de você um pouco
o grande poema

A mulher que não tive porque perdida

"Vê aquela ali?". Olhei. "Ela é alienígena, cara. Veio de Zeta Reticuli ou coisa parecida. É doida. Ninfomaníaca". "É?". Olhei a dona mais atentamente. Era loura e tinha belos quadris e pernas. "Disse que seu objetivo na Terra é reprodução. Sabe-como-é, mistura genética. Diz que seu povo às vezes nasce com deformidades: três braços, duas cabeças...". "É?". O cara falava e falava e eu só olhando a dona. "Tem gente lá que também nasce com rabo...". Ele viu minha cara. "Não esse tipo de rabo. Todas nascem com esse rabo. Mas digo rabo mesmo, de macaco". "É?". "É, é estranho mesmo". "Pois quero ver essa dona nua". "Cara, ela é alienígena...". "Quero fazer parte da experiência. Só vou conversar amenidades, como andam as coisas lá em cima". "Cê é louco, cara?". "Só um pouco". Já estava indo quando a mulher se levantou. Havia algo atrás em sua calça jeans, uma protuberância arredondada que descia pelo rêgo da bunda. Era visível e todos faziam que não viam. "É", eu disse, "estranho, muito estranho". Desisti e voltei ao meu drinque. "Eu não disse? Eles estão no meio de nós, cara". O doido, então, riu seu riso de vitória.