sábado, 25 de dezembro de 2010

Sally Rose

os seguranças do Marino’s
encontraram Sally Rose,
depois de uma procura de duas horas,
morgada, pernas estiradas,
docemente abraçada a uma privada,
cabeça emborcada para o vaso, escorada no assento,
vômito grosso no vestido branco

bebera seis copos de tequila
na festa de Fim de Ano da empresa
big boss não gostou especialmente
dos xingamentos antes do baque

Sally ficou, assim, malvista na corporação
por ter cheirado, durante duas horas,
literalmente, a merda alheia

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Estranhamente sós, esta noite

logo mais todos se vestirão
um pouco melhor que ontem
porque entraremos na famosa noite

em breve matronas irão para suas cozinhas
mulheres lotarão salões de beleza,
os assados já estão temperados, à espera,
os embrulhos, nas árvores,
a postos

assim seguiremos o script pavoroso
abriremos um sorriso protocolar
para confraternizarmos com seres
que só vemos uma vez ao ano
e que nada representam
em nossas vidas
e vice-versa

e a farsa prossegue,
hora a hora,
minuto a minuto,
até a consumação deste tempo
cheio de indiferença, vinho, paganismo e boa vontade

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Não pode a covardia agora, não agora

talvez eu faça um poema
que não fale de bêbados e bares
dos vencidos, dos desprezados,
do horror de crianças abusadas
em rodoviárias,
em obras inacabadas

um poema
que não fale da catequese
dos profetas de metrô tentando a todos com a conversão,
no último minuto da volta do relógio,
vaticinando momentos catárticos,
inesquecíveis

talvez não fale da grande dor
que é padecer na miséria dos cortiços urbanos
- 30 mil pessoas somente em (...) - ,
sabendo-se sem saída, com seus filhos,
filhos muito pequenos,
tão vulnerados,
em plena noite de Natal
em qualquer região
em qualquer cidade
em qualquer rua
em qualquer beco
em qualquer escada
ou vão

mas, então, do que falar na porra, no caralho deste poema?
às vésperas de perus e presuntos em mesas fartas, decoradas,
e tão distantes... deles

É Natal, e o que eu tenho com isso?

Sempre fico na minha nessa época. Costumo nesse período me embebedar de vinho, muito vinho. Tinto, branco, o que vier goela adentro. Me dá engulho todas aquelas crianças sorridentes, felizes com seus pais, com suas árvores, seus presentes, com o seu novo bicho de estimação. E Noel de escroto cheio.

Fico realmente triste no Natal. É uma época melancólica. A não ser pelo vinho. Lembra coisas que não tivemos quando crianças ou não fizemos quando adultos. Aquelas lojas decoradas, as luzes piscando, cegando, o troço todo em um movimento contínuo e inadiável.

As pessoas ficam alucinadas nessa época. Andam frenéticas pelas ruas, atrás das últimas possibilidades - entenda, descontos -, arrastam uma urgência, um ódio interno e seus filhos pelas mãos. Têm que atender as exigências sociais, as obrigações imprescindíveis. Comprar o peru. Encomendar o assado, a ceia. Reencontrar parentes tediosos, que não viram durante o ano inteiro. As velas. A porra da bosta das velas para os candelabros! Quem usa candelabros hoje em dia... A raiva latejando, gotejando pelos poros. As lojas. O supermercado. As filas. O calor dos infernos.

Mas comigo não.

Isso não me pega.

Eu sou Dusquene, o escritor, meu chapa. O grande Otto Dusquene. E pulo fora disso.

Foda-se papito!

P.S.: Fui a uma festa de uma amiga de Gill. Fiquei tão bêbado de vinho que saí quase carregado. Gill dirigindo. Num determinado momento da festa vi uma dona de 150 quilos, toda de branco, recostada num sofá, levantando no alto da cabeça um cacho de uvas Niágara. Descia em sua bocona as pobrezinhas.

Cutuquei Gill, já bêbado:

- Porra, tá vendo aquilo, parece NERO!

(postado em 31 de outubro deste ano)

Vanda Velt

Vanda Velt, que mulher. Quando ia ou vinha do balcão, os caras uivavam. Aquelas pernas brancas de potranca polonesa, a Vanda Velt. Ela sabia como açular a turba, remexendo os quadris, pisando como tigresa. Era um espetáculo. E gratuito. E a um metro da gente. Deixava qualquer um de pau duro.

“Me faz uma massagem, Vanda? Tenho cãimbra...”

“Aonde, Dusquene?”

Eu descia, brincalhão, os olhos pro garoto teso.

“Vá se foder, seu miserável”.

Vanda me atirava na cara, gargalhando, o pano de limpar balcão.

Todos gargalhavam numa confraria.

Naquele tempo, as noites eram excepcionais no Finnegan’s.

Realmente excepcionais.

Havia Vanda Velt.

Que mulher.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Uma conversinha no almoxarifado...

“Não tenho nada de errado, Wilburn. Sou perfeitamente capaz de lhe dar uns tabefes”.

“Deixe disso, Fred. Não falei dessa maneira. Você olhou pelo lado torto”.

“Quando você falou foi pra sacanear. Conheço bem pessoas de sua laia, Wilburn”.

“Não falei por mal quando disse ‘me dê uma mão, aqui’. Estou com problema na contabilidade, é só. Queria uma ajuda”.

“VOCÊ É UM TREMENDO CANALHA, WILBURN! UM GRANDESSÍSSIMO FILHO-DUMA-PUTA!”.

Daí Wilburn partiu pra cima de Fred, que só tinha um braço e não teve como se defender.

Enquanto escrevo, alguém acresce...

como esses sujeitos conseguem?
trabalho há 27 anos
e devo ainda cinco de apartamento
não faço uma refeição decente
há meses

meu sol se esconde
entre nuvens
- meu tempo
é sempre chumbo

eles, ao contrário,
andam em carros que trocam
ano a ano
compram terrenos,
utilitários,
investem na bolsa,
andam bem vestidos,
calçam bons sapatos,
enfim

mas, quando abrem a boca,
o que são?
corpos vazios de idéias
carnes que falam
seres óbvios demais,
retas rumo à sepultura,
vidas sem a mínima
FINALIDADE

essa é a minha vantagem
sobre eles: eu escrevo...
o que penso de coisas
que ouço e enxergo
esse é meu trunfo
final

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

ASMA

puxando o ar
e nada
simplesmente
não conseguindo respirar

corticóides
antialérgicos
a infância
em hospitais e clínicas

altas horas
nebulização
a invariável sonolência
do cansaço da insônia obrigatória

asma
doença
egoísta, miserável

inferno
e purgatório
dos meus primeiros dias sobre esta terra

é um mal
que deixa sequela:
faz do indivíduo um pessimista crônico

agora
ela inventou,
quando menos espero,
de bater em minha porta
para me açoitar

essa rameira

Gatos em noites quentes

gatos nos telhados...
o sexo deles
é uma briga insana,
visceral,
puro dentes, garras
e raiva.

fazem o troço
como deviam fazer
homens e mulheres.
com frenesi
e desespero,
como faca,
rilhando a campa
da noite.

e a lua, vendo tudo aquilo,
todas as fodas –
as nossas e as deles –
deve pensar
"os gatos são melhores...
podem não ser os dominantes,
mas sabem o que e como fazer”

Otto Dusquene

(poema publicado em 4 de novembro)

Relax

tive meus dias sob o sol
tomando uns drinks
vodca com limão
numa espreguiçadeira

limpei os poros em saunas
mergulhei em piscinas
marítimas
em clubes
chiques

"Dusquene esteve aqui,
o escritor e poeta,
relaxou aqui"

um dia colocarão uma placa
comemorativa

não, nunca colocarão,
eu sei

estou apenas lembrando
os bons tempos
para fugir
da paura
que me envolve
agora

um dia
quem sabe?
os bons tempos voltem
com força

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Butterfly

uma borboleta negra e laranja
pousou em mim
uns podem ver nisto
um milhão de significados

para mim
aquilo não passa de
duas folhas que balançam
- comida de pássaro

entenda
não há significado algum
no aterrissar de um inseto
em você
ele apenas queria
sorver uma gota de suor de seu braço,
talvez

pare de ver nos acontecimentos
presságios erradios
tome um trago
trepe

meus olhos céticos
observam com a mesma dura indiferença
o propósito que somente os iniciados enxergam

Por que não antes?

ela não veio como eu esperava
mas em uma curva da existência
quando não havia mais credo,
esperança

quando veio, pensei ser tarde
que minha mediocridade
não se encaixava em sua beleza
esplêndida

quando surgiu, o que me restava
dizer? Mostrar?
O que fazer para ocultar
minha insignificância?

são mulheres assim
que tornam os homens melhores
que fazem os homens duvidar do nada
antever possibilidades,
mas "por que só agora?"

ela veio me resgatar
do abandono
sedar a dor
secar meus olhos
dar algum sentido
a tudo

veio simplesmente,
trazer uma palavra calma, cuidar de mim,
"chegar de beber, Duc, vem dormir, querido"

domingo, 19 de dezembro de 2010

No vácuo daquilo que nos tornamos sóbrios

as pessoas afiam suas garras
em outras pessoas
é seu modo de ser
cumprem um requisito intríseco da espécie
precisam rebaixar
para se sentirem iguais
necessitam da ironia para sobreviver
morder a mão que os alimenta
só para registro
distração
ou posse

isso vai num crescendo
e afeta a todos da roda
- é o caralho esse sistema,
mas evolutivamente funciona:
elimina os fracos

quem não aguenta o ramerrão
a pressão da máquina
se fode
enlouquece,
se mata
ou se transforma
em algo pastoso e vil

milhões de pessoas
caminham pelas ruas sem sonho
ou perspectiva,
geralmente se aferram à primeira
tábua de salvação que aparece,
uma religião, uma seita doida, um vício, esporte,
qualquer coisa serve...

então a estupidez da vida se multiplica
e toma de assalto todos os transeuntes
até ouvirmos a frase definitiva
- que ouvi esta semana...

uma mulher se jogou do 10º andar da Blackshoes street,
o corpo estatelou a menos de dez metros de velho Jo
que, sentado, continuou a beber calmamente seu trago
e apenas comentou, segundos depois,
"não disse que ela ia furar a fila? eu falei..."

A morte do grande amor

Samantha Sunshine cruzou uma linha perigosa
Confrontou o amante, num bar, num dia de lua alta
Ninguém dizia poucas e boas ao Joe e saia impune
Joe estava prometendo há dois anos deixar a mulher por Sam
Mas todo mundo sabe que Joe não deixaria sua mulher
e os dois filhos por Sam
Não ele, não Joe

Sam xingou pesado Joe
Joe não é homem de receber xingamentos, nem de mulher
levou Samantha Sunshine pra fora e a moeu de pancada
os garçons olharam mas fingiram não ver
nem os clientes
que continuaram a rir e a beber tranquilamente

Conversa sensata e precisa

"Bulford, o chefe quer o dinheiro pra ontem. É bom pagar..."
"O que? Pare de dizer que minha irmã é uma vadia ou eu te mato, eu juro..."
"Sem essa de mais tempo, Bulford. Sam quer o dinheiro, e ponto final".
"Se continuar paguejando assim você não terá um bom Fim-de-Ano".
"Não temos tanto tempo assim. Sam precisa compra uma limusine nova".
"Foda-se se você não tem os U$ ...,. Vamos dentro de dois dias catar tudo o que tem..."
"Pare de falar que trepou com minha irmã".
"Ah, esquece, Bulford, você já é um homem morto".

Big Ass desligou.

"Eu mato aquela cachorra se tiver dado realmente praquele traste".

sábado, 18 de dezembro de 2010

O que fazem os homens às quintas

Wilbur caiu doente
A doce Mary cuidava dele
Mas Wilbur piorava
nas mãos de Mary
Por que?
Ninguém sabia
Mas quando Mary
tocava Wilbur
ele esfriava
e não queria negócio

Mary se conformou
até certo ponto
até que descobriu
que Wilbur comprara,
há seis meses,
Lola Rodriguez,
uma boneca inflável,
que ele amava mais que Mary

Os jornais noticiaram
no dia seguinte
o assassinato a faca de Wilbur
e o picotamento,
até as tripas,
de Lola Rodriguez,
pobre coitada

A miséria que nos une na latrina

estamos sempre querendo
coisas que não são nossas,
sentimentalmente falando

o pouco - ou muito -
que conseguimos
não nos basta
a química não bate
a contabilidade não bate
nunca estamos felizes,
mas apenas
levemente satisfeitos

a essência do ser humano
é a incompletude
do amor
do vício
do sexo
da fuga
de deuses
e de tudo o mais

e, porque estamos
compreensivelmente sós,
mesmo num estádio de futebol,
nos damos ao prazer
de uma infelicidade mínima
mas permanente

O que tenho na estante e que impressiona

Minha estante é quase vazia. Já li os livros de que precisava. Nunca li os contemporâneos. Poucos escritores de hoje prestam, de fato. Já a literatura sul-americana tem muita latinidad. Algo que eu não tenho e nem quero ter contato jamais. De uma vez por todas. Não sou irmão de ninguém.

Sou esquivo por natureza. Não tenho amigos. E me orgulho disso. Digo isso sem qualquer ressentimento, mas como uma constatação salutar. Meu temperamento me torna muito crítico de tudo e todos. Não tolero livros de literatos ou de escritores profissionais . São merda pura.

Fodam-se os clássicos! Os chamados volumes que todos deveriam ler antes de morrer. .

Em minha estante só tenho Kerouac, Ginsberg, Fante e Bukowski.

Para que outros?

É isso aí

Otto Dusquene, na madrugada


P.S.:

Cada vez que conheço mais as pessoas, mais sinto engulho.

Cinismo não é defeito, é sobrevivência.

Sou uma pessoa de fácil convívio, desde que não falem comigo.

Um troço rombudo

"Lucy, quer ver meu caralhal?"
"O que?"
"Tenho uma plantação de caralhal. Tenho só a espiga matriz. Quer ver ela?"
"Se quiser me mostrar?"
"Quero".
"Então mostra".
"Ó".
"Porra, seu caralhal é enorme, Jimmy".
"Com este caralhal levo você pro céu".
(...), disse Lucy

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Uma notícia em boa hora, enquanto tenho tempo

a danação das ruas
a maquinaria da noite
o verbo
o demônio solto na
na sarjeta do tempo
no apê
tomo cerveja
vejo
pela vidraça
homens e mulheres
guiando
procurando
tudo
– ou quase nada –

entrementes
o
berro
se agiganta

foi
Barbara Fat
que acabou
de
se jogar
do
décimo andar
de um edifício
da Blackshoes street

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

ECCE HOMO

40% da humanidade sofre de depressão. Um terço tem tendências homicidas ou suicidas. Metade tem algum transtorno mental leve ou severo. 20% são esquizóides. Eis o homem...

Continuando...

Quatro milhões de anos desde o primeiro australopithecus afarensis até nós. E o negócio só se agrava.

Talvez tenhamos esquecido de que nosso cérebro evolui tanto na lógica como na criação de doenças psíquicas.

70% da humanidade tomam algum tipo de psicotrópico, sonífero, estimulante ou antidepressivo.

Não sei aonde iremos chegar. Mas não gostaria de estar lá pra ver esse homem novo.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Uma ansiedade que me anima

se ela vier é porque quis
estarei aqui esperando no apartamento
o gato passará no patamar da janela
anunciando sua chegada
mandarei que ele desça

então, eu me levantarei
abrirei a porta e uma cerveja
e esperarei sua chegada
aguardarei um pouco mais
e fecharei a porta
se ela não vier...

sempre fui avesso a esperas
mas, por ela, farei um esforço
mas depois de dez minutos
voltarei a colocar meus pés
sobre a mesa de centro
coçarei meu saco
e abrirei outra cerveja
talvez não nessa ordem

Meus tristes olhos que enxergam longe

meus olhos estão dormentes de ver as mesmas coisas
mulheres empurrando carrinhos cheios nos supermercados
mulheres levando seus cachorros para defecar na grama
ou empurrando os futuros homens em carrinhos de bebê
estou cansado também das bancas de jornais
de apreciar tantos rostos débeis a passar por mim
rumo ao nada

meus olhos estão sedados de ver, dia após dia,
a consumação do tempo em inutilidades
estão cansados do mundo jovem
com seus skates e esportes radicais
esgotados também pela multiplicação de academias
e biotônicos e isotônicos
e tudo o mais

meus olhos padecem e eu não posso arrancá-los
das órbitas diárias do meu ser comum

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Relato de um homicídio involuntário no 5º andar da rua Toulanes

Era um apê legal o de Brenda Lee. 5º andar. Cadeiras de palha. Mesa de centro. Sofá branco, com almofadas brancas, próximo ao janelão de correr. Vista boa.

Fui na frente com as chaves, enquanto Brenda guardava o carro. Iríamos fazer uns camarões empanados na manteiga. Algo fino uma vez na vida pro Otto Dusquene. O sol já ia baixando. Levei as sacolas pra cozinha. Botei o tinto no congelador.

Tudo certo. Voltei pra sala.

Aquelas almofadas na lateral do sofá eram convidativas. Cheguei perto e desabei. Daí ouvi o estalo. “Cleck!”. “Porra! Quebrei o cinzeiro ou o abajur...”. Olhei pro lado. A mesa lateral continuava intacta com seus objetos. Então, tive um palpite. Levantei. Só então a vi... Lá estava Penélope, a poodle neve de Brenda, com o pescoço quebrado, morta pelos meus 100 quilos promocionais. Eu a havia confundido com uma almofada. Ela ali, toda enrolada, dormindo profundamente. Bem que Brenda dissera que a cachorra estava sonolenta em razão de um remédio contra virose, ou algo parecido. Eu cometera um assassinato sob o sol - ou quase.

Precisava pensar... PENSE, DUSQUENE, E RÁPIDO! Segui a única ideia que me ocorreu na hora. Abri o janelão. Um vão largo. E atirei por ele o corpo inerte de Pê (era como sua dona a chamava na intimidade).

Só foi o tempo de me virar, colocar um sorriso relaxado no rosto e Brenda abrir a porta.

“E aí, gostou?”

“Dez, baby, dez”, fiz o sinal de OK.

“Já viu a Pê?”

Olhei pros lados. Braços abertos sobre o encosto do sofá.

“Ainda não. Onde ela está?”

“Pê! Cadê você?”.

Depois de procurarmos por cinco minutos, Brenda começou a se desesperar.

"Não estou encontrando...".

“Calma, vamos achá-la”.

Brenda teve um pressentimento ao reparar o janelão aberto. Foi até lá. Colocou a cara pra fora. E viu lá embaixo, entre os arbustos, uma coisa branca, imóvel.

“OH, MEU DEUS, PÊ! LÁ EMBAIXO!”

Olhei.

“Talvez possa ser”, eu disse.

Descemos as escadas correndo, sem esperar o elevador. Brenda abriu com um puxão a porta da entrada e foi pro jardim. Identificou e se debruçou sobre o corpo de Pê, alucinada.

“O QUE HOUVE? QUE SERÁ QUE ACONTECEU?"

"Só vejo uma possibilidade", falei.

"Qual?", disse Brenda com o rosto afogueado.

"Suicídio".

"O que?"

"Ou isso ou distração. Você disse que ela andava meio sonolenta. O janelão estava aberto. O sofá bem perto".

"Mas eu juro que deixei o janelão fechado quando saí".

"Quando cheguei estava aberto. Sentei justamente ali pelo vento".

Brenda baixou os olhos para Penélope, morta. Afagou-lhe a cabeça.

"Ela era tão... branquinha, que nem neve".

"Foi exatamente esse o problema".

Quase disse. Mas me segurei a tempo.

MayBee

MayBee morou logo em frente
MayBee era uma boa mulher
MayBee apanhava de Rudolf
MayBee vivia marcada
MayBee era uma boa garota
que apenas queria ser feliz
Mas apanhava, apanhava,
quando as coisas não iam bem
para seu parceiro de estrada
MayBee nunca gostou de escola
MayBee soube da droga por ele
Não demorou nem duas semanas
MayBee já seu corpo trocava
MayBee dia sim, dia não,
era surrada, apanhava
MayBee, que coisa estranha,
num apartamento mínimo,
fedendo a rato, barata e pico,
apareceu estrangulada
com sua própria calcinha
ela deixou com a mãe
sua filha, Marianne,
de 11 anos incompletos,
e, pelas ruas,
Rudolf, seu amor infinito,
que já anda a procura
de uma nova
MayBee

domingo, 12 de dezembro de 2010

Porque escrevo essas merdas e porque (presumo) estão lendo

“Posso ver nos seus olhos que você não presta, Dusquene”. “É?”. “Que cê faz atualmente?” “Tô tentando ser escritor”. “E o que você ganha com isso?”. “Tempo”. “Tempo?”. “Pra enganar o tédio. Todo mundo precisa enganar alguém ou alguma coisa”. “Cê, então, mente no que escreve?”. “Só um pouco”. “Como assim?”. “Basicamente é a realidade, mas acrescida de condimentos”. “Condi...o que?”. “Deixa pra lá”. “Então você mente pra quem lê as coisas que escreve?” “Já disse, só um pouco”. “Tem algum livro?”. “Moto Continuum – uma novela”. “Fala do quê?” “Da minha vida nos bares e de uma mulher”. “Tá publicado?”. “Estou publicando todo o dia num local específico que criei”. “Tem gente lendo?” “Só uns doidos que não têm uso melhor pras suas vidas”. “Mas isso é ofensivo!”. “Pra quem lê, é”. “Você é meio orgulhoso, não?” “Nem um pouco. Só não tolero burrice e cachorro”. “Eu também não gosto”. “De que?” “De cachorro”. “Eu prefiro os gatos, preferencialmente misturados com pombos”. “Mas isso é uma carnificina!” “Já que não posso ir à Plaza del Toros, em Madrid... Monitoro os estacionamentos”. “Você não regula bem, Dusquene. É muito amargo”. “Ninguém é muito normal, camarada, ninguém”. “Eu me considero normal”. “É bem normal um sujeito que guarda os palitos que usou durante o mês no bolso da camisa”. “ISSO É PERFEITAMENTE NORMAL, DUSQUENE, TODO MUNDO GUARDA ALGUM SOUVENIR”. “É. Todos mantêm, cara... uma amostra”.

O profeta nosso de cada dia

Ele passava quase todos os dias pela avenida, no meio da noite, gritando a plenos pulmões que o mundo iria terminar em poucos dias. "Vocês vão ver seus palermas. Ficam ajuntando dinheiro sujo, escroto debaixo do colchão... VOCÊS NÃO TERÃO TEMPO DE GASTÁ-LO!"

Alguém gritava de um dos apartamentos.

"E o que você nos aconselha, Sulffock? Que a gente dê a grana pra você?".

Sulffock, de barba longa e cinzenta, roupas puídas, olhava para cima, tentava em vão achar o remetente da mensagem no meio das luzes acesas.

Não conseguindo, berrava:

"DEEM SEUS RECURSOS AOS POBRES DE ESPÍRITO! PARA QUE POSSAM SANAR SUAS MISÉRIAS E NECESSIDADES FÍSICAS ANTES QUE VENHA A CALAMIDADE TAMBÉM SOBRE ELES".

Um outro gritou.

"Acabe com essa gritaria, seu alucinado. Todo o dia é essa porra! São quase 11 da noite. Tem gente que precisa trabalhar amanhã. Vê se arranja uma sarjeta pra você se encolher e dormir".

"FALOU A VOZ DE UM PECADOR EMPERDERNIDO!", malhou Sulffock, desta vez identificando o dono da voz e apontando para uma das janelas onde se encontrava um gordo de 130 quilos, de camisa branca.

O cara ficou puto.

"FIQUE QUIETO! NÂO SE MEXA! VOU AÍ PRA LHE MOSTRAR O QUE É UMA CATÁSTROFE IMINENTE!", disse e saiu da janela.

Depois de procurar Sulffock durante meia hora pelos becos e vielas do quarteirão, o homem o encontrou dormindo como criança, numa manjedoura feita de pilhas de jornais velhos, que ele catava de dia para ganhar a vida e manter toda a vizinhança informada sobre os futuros e inadiáveis acontecimentos.

Dias nossos que não temos porque não são realmente

os domingos são sempre dias mornos
entristecedores
são intervalos reais
entre a folga e a semana turbulenta

domingos servem mais a entidades preguiçosas
não aos homens
é como se houvesse uma quebrar no tempo
ou melhor, um soluço,
para então voltarmos à realidade de nossas vidas
insignificantes
comuns como um abrir de padaria

não gosto dos domingos
creio que 90% do Ocidente estão comigo
são dias realmente estranhos
nem úteis
nem agradáveis
plenamente

além disso, muitos bares fecham nesses dias
piorando a situação
agravando demais
a minha situação

sábado, 11 de dezembro de 2010

Os caminhos que nos levam a ...

coisas boas e ruins acontecem todos os dias a todo o mundo
as possibilidades estão a procura de...
uma possibilidade de ganhar na loteria - ou não
uma possibilidade de se ver no inferno - ou não
de topar com uma mala de dinheiro - ops! - não
de ter grana para pagar as contas no fim do mês
de não sair mijado, cagado, cuspido no fim do dia
de criar os filhos
alimentar o cachorro
entornar umas cervejas
de rir ou sofrer

ou seja, o mundo está aberto às escolhas
é só você colocar o pé na estrada
e querer experimentar
esse ou aquele chão

também há a possibilidade
de só permanecer quieto
por um longo, longo tempo
aguardando
esperando
uma oportunidade melhor
bem melhor

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Mulher

difícil é não saber seu nome
chegar neste apartamento imundo
e ficar pensando naquela mulher
na sorte que o mundo tem
de ter aquela mulher sobre a face da terra

difícil é não ver possibilidade de encontrá-la
para dizer como ela é importante para mim
dizer como as coisas poderiam ter sido
diferentes em minha vida se eu a tivesse
visto antes, bem antes, de tudo e todos

difícil é a falta de uísque para esquecer
o sono adiado pelo trabalho insano e inútil
que só enriquece o empregador
e enlouquece os demais
e que, agora, não vem

difícil é saber que talvez nunca mais irei vê-la
descer de um carro, andar como ela andou
cabelos soltos, ao vento...

saber que eu só tenho uma vida e não poderei viver com ela

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Quinze dias que não passam em uma semana

Faltam 15 dias para o Natal. Noto que as pessoas vão se tornando mais tensas. Vocês observa os carros mais velozes. A loucura tomar contar das ruas, O frenesi nos shopping centers, nos supermercados. As urgências devendo ser cumpridas. Ninguém permanece são por muito tempo nesta época. A raiva parece envolver a todos, até os pombos e os pardais. As ruas ficam cheias e as mãos ficam tomadas por sacolas de presentes que os pimpolhos irão destruir em um ou dois dias. Que beleza! A nervosia tornando os olhos esbugalhados, vermelhos, insones. O tremor da boca, de ódio do concorrente, do cliente a seu lado. A polícia mais presente nas avenidas para evitar assaltos e furtos. Os defumados e perus nos refrigeradores - ou não.

E Noel olhado com aquele risinho sacana por trás dos grossos bigodes brancos. É o único ícone da civilização moderna que zomba de todos, principalmente dos pais e dos avós. Só falta ele levantar uma das mãos e fazer o gesto universal.

Sou Otto Dusquene, estou longe do turbilhão. Assisto da arquibancada, enquanto os cristãos se dilaceram na arena.

Um Noel bêbado, esmulambado, barba solta em um dos lados, copo na mão, passa por mim na saída do bar, e reclama: "Esses filhos-da-putinha ainda vão me matar. Dez horas sentado, tendo que sorrir pra aqueles monstros".

Aguente firme, camarada, faltam só 15 dias.

Longos 15 dias, pensei.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

SORTE! Meu amor recluso...

Não jogo há um mês. As pedras me ludibriaram. Estou puto. Dei um tempo. Não adianta forçar a barra quando a Sorte – ou algo parecido com ela – não colabora. Como já comentei, faço uma aposta leve, por diversão. Uma vez ou outra arrisco uns trocados a mais. Nada desesperador. Não quero perder o sonho com isso.
O país não tem me favorecido. Os imbecis estão por aí coçando o saco e ganhando dinheiro. Cada coçada, dois mil. Como conseguem? Eu ainda encontro a porra dessa fórmula esquecida num balcão de farmácia, sei lá. É de impressionar como coisas boas acontecem a pessoas medíocres. Não precisam mexer um músculo e os bolsos já estão cheios de grana – não sei se obtida de maneira lícita ou ilícita, isto é com cada um.
Sempre tive algo semelhante à fé. Uma certeza, talvez. Certo otimismo escondido e indesculpável. Embora desanime no curso da obra, não sou daqueles que jogam a toalha no primeiro ou segundo round. Sou curioso. Quero ver como a coisa vai terminar.
Só estou dando um tempo.
Um dia, quem sabe, a Sorte entrará por aquela porta e sentará no meu colo.
“Ah, Dusquene, que bom que desta vez será com você”.
“Baby, eu nunca te vi, mas sempre te amei”, direi eu, original, passando o braço em sua cintura.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Quem cuida dos pobres neste mundo infame?

os hospitais do país são matadouros públicos
onde os pobres chegam para morrer
em macas nos corredores,
em UTIs coletivas e úmidas,
não sanitizadas,
uma morte dolorida, aberta,
programada

como doentes internados não votam
os políticos os esquecem
os governantes os esquecem
os médicos os esquecem
a população os esquecem
o que os olhos não veem...
desaparece
foda-se!

(...)

“Mama Brown foi internada com uma infecção aguda no pâncreas”.
“É? Quando foi?”
“Foi ontem. Morreu hoje, às 10”.
“Puta-que-o-pariu! Mama Brown morreu?”
“Morreu, o enterro é amanhã, às 15h. Cê vai?”
“Sei não. Tenho umas entregas pra fazer...”
“Eu também tenho uns assuntos pendentes...”
“É, vamos ver se dá”.
“É, talvez”.

Pobre Mama Brown... que não tinha um ombro onde encostar a cabeça

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Meu medo é não ter tempo para dizer tudo o que penso

Ei, Fante!
Acorde, John!
Por que as margaridas não vieram no momento propício?
Por que o sol parou sobre as montanhas e não quis se pôr?
Por que estamos tão sós na Noite de Natal do hemisfério?
Por que essa sensação de náusea, esse pânico?
Por que levaram da mesa a garrafa de vinho, meio cheia?
Estamos sós nestas pradarias de carpete marrom?
E por que Josie não cuidou da mancha no sofá?
Oh, vida!

Ei, Fante!
Cadê você, John?
E Bandini com seus sonhos de Hollywood?
Por que as violetas estão mortas ao sol?
Por que a névoa azul-prateada cobre a cidade dos anjos?
Por que esses olhos tristes, úmidos de desamparo?
Por que a fisgada na barriga se lhe beijou a doce Lucy?
Assim é a vida John

Vá agora, não demore...
Se esperar, se esperar até a primavera
Você sentirá o odor, verá o grande esgoto
que se transformou a cidade das luzes e das possibilidades

Eu sou meio você John
Eu sou meio você Arturo Bandini
Sigo um pouco a sua receita –
e devo lhes informar que
ESTÁ FINALMENTE TUDO OK!

Enfim,
A vida é feita de tudo isso, de muito disso que você escreveu, Fante...
De gente confusa, de mulheres, de desejos e sonhos e fé,
de onde tiramos contos, romances, novelas,
risadas, dores, lembranças fugidias e belas...
que ficarão para sempre
sob os olhos dos escolhidos
daqueles que SABEM

domingo, 5 de dezembro de 2010

A derrocada de um pequeno homem

- Ehhe. Ehhhehhheeh.

Olhei. Era um velho, chamado Sigmour.

- Que foi? Não vai com a minha cara? - perguntei.

- Eu já tive mais mulher que você, Dusquene.

- Bom pra você – eu disse e beberiquei meu gim.

- Guardo o nome de todas as mulheres que fodi neste caderno. Ehhhehhhh.

Sigmour balançava uma agenda ensebada, ou algo assim.

- Como é que é, seu maníaco?

- Tá tudo aqui. Nome, local, horário da trepada.

- Você precisa ir ao psiquiatra, Sigmour. E isto é pra já.

Sigmour abriu o livro.

- Ahh, tive mais mulheres com “V”: Victoria, Vance, Vanda...

- Wanda não é com “w”? – perguntou um dos clientes que acompanhava a conversa.

- As minhas são com “V”. Tive três VANDAS.

Sigmour abriu seu sorriso desdentado. Tinha uns 70 anos.

- Me orgulho muito deste livrinho.

- Deixe-me ver os nomes – disse o cliente.

- Isto não é para seus olhos, filho – disse o velho.

- Queime ele - eu disse – ou passe os nomes a limpo. A agenda está porca, imunda. Acho que você não consegue ler os nomes que estão aí.

Sigmour ficou puto.

- ISTO É MINHA VIDA, DUSQUENE. ISTO É TUDO O QUE ME RESTA NESTA MERDA DE VIDA. NÂO ME VENHA COM BRINCADEIRAS!

No que ele falou a agenda veio abaixo. Esfarelou-se.

As folhas espalharam-se pelo chão do bar. Caíram aos pés das pessoas.

E estavam todas em branco.

Sigmour olhou as folhas jogadas pelos cantos. Sua boca começou a tremer. Depois seus braços e pernas. Depois ele inteiro.

Via diante de mim o desmoronar de um pequeno homem. De uma ilusão.

Fiquei triste. Mas não podia fazer nada.

Aliás, fiz. Levantei Sigmour do chão.

Paguei a ele uma bebida forte. E continuei a beber meu gim.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Que você seja o culpado de sua morte

Estamos saturados de várias coisas. De pessoas, de filmes, de animais, de insetos, de salgadinhos, de TV, de falta ou excesso de higiene, as mulheres saturadas dos homens e vice-versa.

A civilização nos força ao convívio, o telefonema nos alcança agora em qualquer lugar, chegamos quase a tocar nos atores com a tecnologia de ponta das TVs. O que nos falta? Tempo.

Se você fala hoje prum sujeito "relaxe, cara", "pegue sua garota, sente num bar, à beira da piscina, peça uns camarões empanados e tome uns drinks", "abra a camisa, deixe o sol bater no peito", é bem possível que ele lhe tome como um louco. "E a grana? Como eu faço pra ganhar dinheiro. Não tenho tempo para me acalmar, relaxar. Você é demente?".

O que você faz da sua vida é problema seu. Mas pense bem. Dê um tempo para você, AFINAL A VIDA É SUA. Não deixe que as premências, as urgências, a busca do (nem tão vil) metal consumam o pouco tempo que lhe resta sobre esta terra miserável.

FAÇA O QUE VOCÊ GOSTA, AGORA!

P.S.: lembrei agora que até comida vem (ou não) SATURADA, tem gordura trans, esse negócio todo.

Esse maldito preconceito que nos ferra

estamos presos nisto, vivemos nisto...
pessoas são hipócritas
caminham para o nada
mas levam seus sorrisos
sua aparente normalidade
seus preconceitos
seus senões

trabalhei numa companhia
nos 15 andares do edifício da firma não havia um negro
não havia nada escrito, nenhum memorando, logicamente
era ordem, implícita, do chefão: "sem negros"

por que isto? para que isto?
algo que só aumenta a raiva e a dor
e a apartação social

pessoas não gostarem de uma determinada raça,
de uma determinada cor,
de determinadas características físicas...
a quem isto serve?
não a mim

talvez a você?
Será?

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

eu poderia falar de algumas coisas...

você foi camiseiro
há sete anos está morto
uma das poucas pessoas sobre a terra
em quem eu podia realmente confiar

você passou os dois últimos anos
sofrendo com um câncer devastador
fazendo palavras cruzadas
no seu caminho sem volta
seus óculos
onde estão?

guardei uma foto, mais nada
sua confusão com o enfermeiro
minha confusão com os fios dos aparelhos
presos a você e a outros tais
na UTI coletiva, absurda
o fardo engraçado
afinal

queria lhe contar as novidades
o mundo prossegue no lodaçal
mas as contas pararam de chegar em seu nome
você tem esse ponto a seu favor
bem

sinto apenas
que seus 75 anos
meu pai
não foram em vão
de algum modo estranho
não foram

Otto Dusquene

terça-feira, 30 de novembro de 2010

o que largamos no turbilhão ao vento volta

necessário seria apenas um gesto largo
uma palavra mais calma
um sorriso sem pagamento
para salvar uma vida

um aceno de cabeça,
um OK bastaria
um comentário jocoso
qualquer camaradagem
um bater de copos
bastaria

o mundo perde muito
sem esses pequenos gestos
então, mantemos nossas caras fechadas,indiferentes,
como se fôssemos parte de uma competição,
peças de um jogo, lento e brutal

abra um cerveja, homem
cante a velha canção
inaugure uma nova estrada
com um passo
um passo
firme

sei que é difícil acordar
com essa raiva, sempre
esse amargor
essa ressaca social
ainda mais
nessa cama cinza
nesses lençois desbotados
da miséria compartilhada

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O que faço das minhas horas de folga é problema meu

Às vezes ficamos sós por um momento, e isso é bom. Sem música ou vozes. Só o silêncio. As pessoas necessitam de silêncio. Elas não sabem. Mas é o que elas mais precisam atualmente. Muitas estão enlouquecendo porque não conseguem desligar um minuto, parar de ouvir, para de falar. Parar simplesmente. Um pouco.

Eu sou antissocial por natureza. O que ajuda a manter os chatos afastados. Os vizinhos receosos. O mundo longe. Essa é uma boa estratégia para seguir. Ser antissocial. Meu computador me basta. A página em branco, pronta para ser devassada, corrompida, conquistada. É sempre algo bom. Tranquiliza.

Estamos repletos de nós mesmos. Cansados de gente. Rostos, corpos, braços e pernas para todos os lados que olhamos. A mediocridade, essa mãe de multidões, atrapalha um bocado. Com ela surge o barulho infernal, o vozerio sem fim, incongruente e obsceno de miríades de bocas e mentes obtusas.

Sou mais ficar aqui em cima, no apartamento, tabulando no computador umas coisas. A minha única urgência agora (vou pedir a Gill...) é a de um saca-rolhas para abrir esta garrafa de tinto. O copo está aqui do lado. É, isso também é bom.

domingo, 28 de novembro de 2010

Sempre há uma possibilidade de escapar do inevitável torrão de bosta

No futuro, homens se deslocarão em grandes cilindros. Explico. Você será acondicionado em uma cápsula com espaço para uma, duas, quatro, dez pessoas. E, a partir de um poderoso sistema de sucção e propulsão magnética, será jogado numa espécie de autopista. Chegará assim por exemplo, de forma programada e numa velocidade espetacular, no local de trabalho, a 200/400 km de distância.

“Oh, meu Deus, vomitei todo o almoço”.

“Frank, cadê Jezebel?”.

“Sei lá, deve ter embarcado na pílula errada...”

“PARA ONDE, FRANK? MINHA POODLE ESTÁ PERDIDA! VOCÊ TEM DE ENCONTRÁ-LA!”.

“PUTA-QUE-O-PARIU, MARTA! SÃO TRINTA E DUAS OPÇÕES DE EMBARQUE NA CANCELA TRÊS. COMO VOU SABER ONDE A CACHORRA SE ENFIOU?!”.

“FALE COM O MONITOR DO SETOR, POR FAVOR...”.

Não adiantou. O monitor tinha mais o que se preocupar. Disse que não vira animal algum perdido nas imediações. Só restava comunicar ao Setor de Achados e Perdidos.

Para lá se dirigiram.

“Mas vocês cuidam de coisas vivas, não?”.

“Se não forem muito agressivas...”, disse o sonolento rapaz da recepção.

“Ela morde, às vezes...”, atalhou Frank.

“FRANK!”

“Se tentar morder vai pro CEO direto”, emendou o garoto do balcão.

“CEO? Mas o que é CEO?”

“Centro de Eliminação de Objetos... Objetos que estão com defeito são descartados na fornalha”.

“O QUE?! VOCÊS NÃO DIFERENCIAM COISAS INANIMADAS DE VIVAS”.

“Não temos tempo pra isso, madame. O trabalho aqui é corrido. Vazou, explodiu, enguiçou, mordeu... Vai pro fogo na hora”.

“SEUS BRUTOS! QUERO VER O GERENTE DESSA ESPELUNCA AGORA! EXIJO VER O RESPONSÁVEL!”, esbravejou Marta.

Seguiram um dos auxiliares por um corredor longo e escuro. No final do mesmo, o rapaz apontou uma porta de vidro, onde se lia:

“SR. HUMBOLDT CABLE. Gerente-titular do SETOR B-3 de Achados e Perdidos. Proibido terminantemente entrada de animais. QUALQUER UM!”

“Outro dia inesquecível...”, disse um conformado Frank, girando a maçaneta para a passagem da mulher.

Consumatum est

essa urgência do vil metal
do automóvel do ano, da gasolina Premium
das férias inadiáveis, da mulher do ano,
do vale-brinde, do status
tudo isso mata
e rápido

essa obrigatoriedade de caminhar entre iguais
esse acaso de conviver com os idiotas
essa necessidade de ir toda semana ao mercado
comprar material de higiene
alguma alimentação
e umas garrafas

torna as pessoas cada vez mais duras
cada um cuidando de si
ninguém de ninguém
nem do irmão
nem da mãe

e assim caminhamos
no pesadelo da contemporaneidade
em que todos se desconhecem
embora vagamente conhecidos


Dusquene, ao entardecer

sábado, 27 de novembro de 2010

Um lamentável episódio de minha pobre vida

Foi assim.

O cara do Serviço de Pessoal do Fundo de Pecúlio dos Correios me encarou e pediu que eu preenchesse o formulário de admissão. Era um gordo, empapado de suor no colarinho, os botões da camisa arrebentando.

Comecei.

Nome: Otto Dusquene

Profissão: qualquer uma que me convier (e à gerência).

Endereço: Rua Buckshoes, 135, fundos da Madison (endereço inventado na hora)

Preferências: beber "quentando ao sol". Beber perto do frigobar. Beber simplesmente.

Não gosta de: gente e tudo o que dela decorrer.

Política: não cheira bem.

Por que quer entrar para nossa equipe: estou muito só ultimamente. E preciso de grana.


Você é meticuloso naquilo que faz: depende do que for aquilo. No geral, não.

Hábitos: vide "Preferências"

Por que quer trabalhar no Fundo de Pecúlio dos Correios: vide resposta "nossa equipe".

Gosta de animais? ?! (talvez: de pombos e gatos, quando se misturam)

E a coisa foi nesse marasmo até o fim. Puro soterramento.

Depois de 45 minutos, devolvi o troço pro gordo do Serviço de Pessoal.

Aí aconteceu a merda toda. Mesmo após lerem todas as minhas referências e observações me ligaram numa tarde quente comunicando que eu conseguira a porra do emprego.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Uma tarde-noite como outra qualquer...no Finnegan's

Conheci Brenda Clark no Finnegan´s.

Eu estava bebendo no fundo do bar. Aí ela chegou. Não em mim, no balcão.
Gostei do tipo. Boas pernas, bons peitos. Vestido vermelho estampado escuro. Sapatos altos, pretos. Enfim, uma mulher...pensei.

Ela me olhou. Eu olhei. Ela piscou. Eu fui. Sentei no banquinho do lado.

Pedi um scotch. Ela foi de martini. Classuda.

- E aí, como você se chama?

- Dusquene, madame.

- Humm. Finalmente um cavalheiro na cidade.

- É. Pra variar, baby.

- Não me chame de baby. Eu não gosto.

- Tudo bem. Ficamos por aqui bebendo uns drinks ou vamos pra um lugar melhor.

- Tenho um apê aqui perto.

- Um bom começo.

Fomos pro apê. Belo apê por sinal. As cortinas afastadas mostravam um bom panorama da cidade.

- Acho que posso me acostumar com isso – eu falei.

Brenda riu. Desta vez eu pisquei.

No fundo da sala cor de salmão havia um piano de calda. Muito distinto.

- Você toca?

- Quer dizer...piano? Oh, não! Parei no quinto ciclo. Optei pelo golfe. Cê tá me estranhando?

- Calma, benzinho.

- Não me chame de benzinho. Não somos íntimos a esse ponto.

- Mas podemos ficar...

Então Brenda apontou para o quarto (presumo que era um quarto) no final do corredor.

- Que tal?

Fui grosseiro.

- Dá pra beber mais um drink antes do troço?

- Não. Quero agora.

- Se é assim. Estão vamos.

O colchão era de água. Não tinha como. Eu bem que tentava, me esforçava, mas o negócio empinava. Dobrava minhas costas. A instabilidade do líquido.

- Mete, vai, mete fundo! - ela dizia.

Após muito suor, carquei e fui. Resfolegando, o colchão subindo, Brenda descendo, o suor empapando tudo, o fim de tarde, o calor, a maldita dor nas costas, joelhos, cotovelos e mãos sem sustentação, tudo balançando como pinheiro num vendaval, mas, por fim, os vizinhos acabaram escutando o tumultuar dos ahhhhhhhhhh, baby, benzinho,isso, éééé benzinhoooooo, babyyy, urfghhhahhhhhhhhhh que foi se propagando até o balcão do Finnegan’s.

É, o Finnegan´s, bom bar para começar uma foda.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Escadas rolantes fazem mal aos olhos

Sou obrigado a ver dezenas de bundas murchas, ignóbeis, toda vez que subo uma escada rolante. Por isso, deveriam ser proibidas. Não as bundas, mas essas escadas. Não quero vê-las (as bundas), mas elas ficam enfileiradas e em ascensão na minha frente. Não há como não notar. Temos que cuidar dos nossos olhos assim como cuidamos dos genitais. Podemos sujá-los às vezes, mas não toda hora. E escadas rolantes sempre oferecem um espetáculo constrangedor.

O formato é variado. Existem os de bunda chapada ou reta, de bunda meia bomba, de bunda meia-taça (em que os pomos caem de repente e ficam ali, pendurados, como massa desprendendo) e os bundões - ou quase isso. Há também o bundão cavalar, megalômano, indecente. Tem de ser de ferro a privada para aguentar um desse tipo.

Todos os dias na volta do metrô sou forçado a me deparar com essa tragédia móvel. Mas há um consolo. Algumas mulheres têm atrás o que muitas vezes lhes falta na frente. E disso eu gosto.

Reflexão enquanto compro um jornal

não estou legal
na calçada
os rostos me deprimem
são insuportavelmente banais
corriqueiros como grama
comuns como moscas
antes fossem varejeiras

penso que não sobreviverei muito tempo
nessa situação
- mas você, Dusquene, não viveu até agora?
suporte um pouco mais
espere a primavera...

os jornais
repetem a mesma história
e se enganam ou a dizem pela metade
a crise norte-americana é simples
os caras compraram demais
estouraram os limites de seus cartões
cada norte-americano
deve US$ 8,000,em média, em compras a crédito
agora vão ter que parar e pagar suas dívidas
é isso, só isso
querem enganar a quem?
e o desemprego vai ficar na casa dos 9%
por muito tempo ainda

termino de ler os editoriais
- quem lê editoriais, meu Deus?
sigo triste, sob uma chuva fina,
os rostos continuam igualmente aterradores

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Um evento à luz do dia

ei, Joll,
o que você vai fazer agora?
afinal,
você não esperava por isso
não é, Joll?
eles não lhe deram estudo
só umas baganas
sem filtro
né, Joll?
por isso, teve que roubar
matar a fome
fazer a vida
Joll

puta-que-o-pariu
a bala foi um coice
no peito
do cara
tava ali à-toa
não tinha nada que tá ali...

não deu pra escapar, né Joll
você tem nervos frios
aguentou muita coisa
mas aquela
cusparada
não deu...
foi o cara é?
foi

por que ele lhe provocou?
ninguém sabe a paciência
de ninguém
ninguém sabe
não é, Joll?

Joll,
quais os seus planos na prisão?
quais os seus projetos para a Morte?
Alice talvez não possa lhe esperar
São 20 anos, Joll
20 anos
é demorado

Esse não vai ser um dia daqueles

não adianta tentar escapar
ela te pega na rua
aonde você estiver
quanto mais prevenido
melhor para ela

a rotina
te fode o dia, sempre,
empapa o colarinho de suor
enche de lama os sapatos
brinca contigo
o jogo do gato e rato

às 7 da manhã
entra nos teus poros
- há 30 anos está nos meus -
e te faz pequeno como ela

a rotina empalma teus sonhos
e os sufoca
te faz menor a cada dia
te emascula
é um troço sério

e não há muito o que fazer,
camarada,
a não ser descer a maldita escada
comprar o jornal
para ver se não houve um terremoto
ou um maremoto por aí
para o dia ficar mais interessante

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Urbanismo

As galerias que vazam os edifícios comerciais deveriam ser lugares de pequenas lojas chinesas, com fachadas de vidro escuro, emolduradas de laca negra. Isso daria uma certa distinção a elas, um ar de mistério.

Mas não. São largas demais. Pùblicas demais. Locais corriqueiros. A fauna que ali passa torna o ambiente previsível. Povoado de passos de gente morta. Meros pontos de passagem indo do nada para o grande nada.

Porque o arquiteto não previu isso, meu Deus? Esse marasmo. Por que esses rasgos inúteis que a todos abarcam? Torpes espaços emporcalhados,devassados como mulheres nuas.

domingo, 21 de novembro de 2010

De minha janela fria

você só conhece a cidade quando ela adormece
às 3h da manhã
quando chega perto
olha pela vidraça e vê carros esporádicos
passando sob os postes de luz laranja
vê o asfalto como uma enguia reta e cinza
indo e indo e indo

a longínqua sirene dos bombeiros
os gritos dos bêbados e suas brigas
o sexo dos gatos nos telhados
são esses os verdadeiros ruídos da cidade

não a loucura diária
não o café da manhã
não o jornal fresco
não os passos dos homens e seus trabalhos
não a normalidade aparente

cidades são como crimes a céu aberto
com seus prédios e sarjetas
hospitais e necrotério
guaritas e cancelas e becos

são
monumentos pagãos
a um deus qualquer
dê a ele você o nome que quiser
mas são um tributo a um deles - Moloch, talvez -
isso eu sei que são

Uma noite em que não dormi direito

cuidado com a química
vá devagar nos destilados
a noite tem 12 horas, contando com a madrugada

pega leve
um drink calmo pra variar
senão as garrafas te pegam

muitos homens perderam a batalha pras garrafas
não foi culpa deles -
está bem, em parte foi -
é que as garrafas são fortes
já vêm rotuladas, provocantes
e agem coletivamente
já o sujeito é apenas mais um na multidão

e nós somos química
e qualquer química em consórcio
com outras químicas,
bem, o efeito não pode ser dos melhores
muitas vezes não é

pegue leve nos destilados
fique na cerveja
lembre-se da velha amiga
A RESSACA, essa velha desdentada
que quer porque quer
lhe enfiar a língua murcha na boca
e sorver seu fígado

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O que os meus olhos veem

quem vê essas crianças de rua
mal sabe o drama de suas trajetórias

são filhos e filhas de pais alcoólatras,
viciados, violentos

são amantes de seus irmãos maiores
ou do vizinho abusador
curradas aos seis anos de idade

crianças forçadas, humilhadas, prostituídas,
espancadas, barbarizadas até a medula
ou até o esquecimento

exploradas por pederastas gordos, travestis, cafetões
violentadas por toda a vida
crescendo com ódio, traumas e dor...

por isso, quando você enxergar
uma dessas crianças em uma rodoviária
- e é fácil encontrar sempre alguma -
pense muito bem como vai tratá-la
o que vai dizer a ela
se algo ofensivo

trate-a com uma educação
e, principalmente, com uma compaixão
que sei que você não tem nem pela sua mãe

Negociação ao cair da tarde

"Estamos abertos à proposta, homem. Queremos sua alma.
Você sabe disso".

"Sei. E daí? Qual é a proposta?"

"A proposta é você quem faz".

"Tudo bem"

"Então, qual é?"

"Calma, estou pensando qualquer coisa".

"Não tenho o dia todo".

"Ei, cara, vá se foder. Você me aparece no
meio do quarto, enquanto entorno uma birita.
E me apressa? Afinal, quem é você?"

"Maxwell"

"Maxwell de quê?"

"Apenas Maxwell. Meu pai não gosta de sobrenomes".

"E quem é papai?"

"Você sabe muito bem quem é, Dusquene".

"É. Um filho da puta qualquer"

"Não fale assim dele. Olha o respeito".

"Ó, sua bichinha, sarta fora. Não quero fazer
proposta nenhuma. Não vou vender minha alma".

"Estou pagando bem: mulheres, iate, grana preta".

"Tá bom. Aí vai. Vendo minha alma por SOSSEGO.
Mil anos de SOSSEGO".

"Fechado"

"Então, some. Volta daqui a mil anos pra me pegar"

"CARALHO! Mas conta no tempo de VOCÊS!"

"É".

"Dusquene, seu tremendo filho duma..."

"Trato é trato, rapaz".

Então ele me deu o dedo e desapareceu.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

800 toneladas de merda

às 6 da tarde elas começam a descer dos apartamentos com seus cachorros
são gordas, magras, loiras, morenas,
jovens, de meia-idade, velhas,
todas levando pela coleira o totó

Os pimpolhos despejam 800 toneladas de merda
nas calçadas do país todos os dias,
apenas em três estados

as donas seguem pelas calçadas até 21 horas
seus cães emporcalhando o passeio
fodendo com a paciência que resta do sujeito
que volta de 12 horas de batente
pisando em merda
de animal

por que essas mulheres não arranjam
algo verdadeiramente decente
para ocupar suas vidas?
bebam, façam sexo, vão ao cinema!
mas matem seus cães!

"Vamos logo, Patrícia, mamãe tem que subir
pra ver o capítulo onde Mattison e Pamela
vão se envolver numa
noite daquelas"

"Vamos logo, Patrícia...cague, filhinha!"

E totó deixa o presente pro filho-da-puta
que teima em pisar em bosta de cachorro
todas as noites voltando do emprego de 12 horas diárias

Dusquene

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Catálogo das mulheres que não tive

ela é sexo puro
um ser alado e portentoso, essa mulher...
suas asas são suas omoplatas
- sempre considerei as omoplatas femininas como asas
em nascimento

ela se volta
um instante e sorri
só assim sinto que nem tudo está perdido
que talvez valha a pena colocar a mão na merda
e revolver o limbo à procura da pérola

só assim
penso que exista vida
pelo menos nela
em seu corpo esguio, louro, branco

então, a minha dureza, meu egoísmo
meu ódio por tudo, a minha falta de fé
em relação à humanidade
quase chegam a desaparecer
quando ela surge na calçada
e logo desaparece
numa maldita
esquina
que não deveria
nunca
estar ali

Otto Dusquene

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Infortúnio

Tenho vários esquemas no jogo de números. Eu não sou muito persistente. Quero ser, mas não sou. Não tenho paciência. Se o troço não dá o retorno esperado, me irrito e logo mudo. Jogar é uma maneira de passar o tempo. É como foder.

Tenho grande simpatia pelos jogadores. Os que apostam, de certa forma dão um recado, que estão de saco cheio. Arriscam e isso já é algo meritório. Calma. Não sou demente nem viciado. Aposto uma quantia legal, porém pequena se comparada aos valores que outros do círculo jogam.

É só um instante de ansiedade em meio ao marasmo, diante do papel em branco. Quando vem o resultado e não deu, rasgo a pule. E segue o carro na mina. O importante é ter sempre um esquema. Mas se não der, pros infernos com ele. Ou com qualquer coisa que esteja perto e dê pra chutar.

Dusquene

O sol que nos atravessa

tive meus momentos de sol
marítimos
o drink na praia
vodca com limão
o sol no plexo
os coqueiros
as mulheres passando
a lombra
o sabor da maresia
ééé...

o sal grudava nos poros
a pele cozendo
o peixe frito
mais birita

é, Dusquene, um dia quem sabe?
você não é dos piores
aliás,não,
você não é dos piores

espere o verão, Dusquene, espere
quem sabe?

domingo, 14 de novembro de 2010

Às vezes é apenas um momento

é fácil perceber a rua sem saída
quando damos de cara com o muro
quando o estacionamento do supermercado
está lotado

é fácil ver quando as contas vencem
quando o saco de lixo vaza
o ralo entope
a merda flui

quando o cachorro fez as necessidades no carpete
quando vai ser um dia daqueles
e quando a dona de bunda e coxas tensas
está também num daqueles dias
eh, sei não
fico quieto
bem quieto

é
é fácil
realmente
perceber as coisas
palpáveis, concretas
de aço

mas como não conseguimos compreender
com a mesma exatidão e urgência
A DOR DO OUTRO

se a solidão e a desistência
- e o suicídio -
estão bem ali
escancarados em cada rosto

Otto Dusquene, agora

Um pouco de decência faz muito bem

gosto de ficar “quentando” ao sol
me faz bem
tenho sangue “frio”
sou um anfíbio
réptil, sei lá

deixo a cerveja
na mesa
na sombra
e sento ao sol
e estico as pernas brancas
de cera
é bom

tem o toldo verde do bar
que faz um ambiente
meio marítimo
isso também é bom

dá uma certa decência
uma pausa
no desconforto

e tem as mulheres
com seus rabos incríveis
passando diante de mim

elas fingem que não me notam
mas eu sei que enxergam
“esse cara quer enfiar
sua trolha em mim,
cafajeste”

gosto, realmente gosto de ficar
mamando uma cerveja
“quentando” ao sol

Otto Dusquene, o DUC

sábado, 13 de novembro de 2010

Noturno

As pessoas perdem muito tempo correndo atrás de bens, de dinheiro, da satisfação imediata,da chamada PROSPERIDADE e se esquecem de saber quem são. Não têm tempo para pensar AS COISAS CERTAS, REAIS. Não digo quais são. Cada um tem as suas. Vivem perseguindo o vil metal,acumulando mais e mais, sempre vendo sombras na garagem, quando é só um gato. Enlouquecem quando o castelo de cartas desaba. "Oh, meu Deus, o que faço agora, Dolores?". Dolores deveria responder "Foda-se. Por que não VIVEU DE FATO? Agora é tarde".

Conheço sujeitos que se mataram para trocar de carro todo o ano, adquirir uma casa de praia, comprar um rolex, e acabaram na mesa de cirurgia, colocando safena. Por que isto? Digo. Para manter o famoso STATUS. Miserável palavra latina que está embotando a visão de muitos. Limpe esse miasma dos olhos, camarada. Abra uma boa garrafa de tinto. Relaxe. E é isso que eu vou fazer agora. Senão você morre um dia.

Dusquene

Sortilégio

ela às vezes me olha da escada
quando estou descendo
estanca
não dura muito
mas tem algo ali
pelo menos
ancas e pernas isso tem
um par de olhos tristes
uma boca
um delírio

gosto quando ela encurva
as costas
gosto das roupas justas
da fala
do drink maneiro
bem servido
uísque
depois vodca com limão
depois mais vodca
legal

ela
tem um presságio
de que nada vai acontecer
e eu já estou abocanhando
um dos peitos
tirando a calcinha
pra enfiar o mangalho

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Canção

são 3h e 40 da manhã
não consigo dormir de ressaca
então, a voz diz, levante-se homem
e escreva...

mas escrever o quê e por que?
estou esgotado e puto
o ano foi foda
mais um deste e me estrepo

a voz sugere
que tal escrever um poema
com o título "Canção"
todo poeta escreve uma droga dessas
em algum momento
o seu chegou

é,
"Canção"
aí está
valeu pelos cinco minutos
que levei para compor

mas a insônia,
o gosto de metal
na boca
e a voz
ainda estão comigo

Otto Dusquene

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Enquanto calço os sapatos

quando calço os sapatos
sinto-me entregue
num cansaço corporal secular

tenho quase 50 anos...
mas sinto como se já tivesse vivido bem mais
as pessoas já não me interessam
sei muito sobre elas
e isto as torna, para mim,
aquilo que se põe no bueiro

raras são as vezes que suporto
seus olhares, seus andares,
é como se caminhassem para o nada
mas procriando feito porcos

creio que o homem está numa encruzilhada
e não decidiu que caminho seguir
parece que tudo já foi dito, feito,
revirado
não há mais boas-novas
nem a mínima perspectiva de uma bomba atômica
que pudesse dar fim a tudo

Otto Dusquene

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Tédio

todo dia quer morder meu cu
sei disso muito bem
esse sujeito aí na minha frente
- de terno e gravata -
todo sorrisos
pensa que é o deus da engrenagem
o panteão, a glória
só se for nos infernos

um dia igual aos outros
o que me deixa meio perigoso
mais esquivo do que sou

É Dusquene, 46 anos, 27 anos de serviço,
e firme e bom fodedor ainda...
você é um grande cara, Dusquene
pena que poucos saibam disso

todo o dia quer morder meu cu
todo o dia chego
me tranco e escrevo
uma merda qualquer
para espairecer

Otto, depois de quatro latas

Premonição

às vezes me sinto uma merda
boiando na lagoa
essa guerra ninguém vence

a Morte vai pernoitar em minha cama
vai sorrir para mim
estalando os lábios de puta
"Dusquene, só eu sei quanto tempo lhe resta.
  Não quer saber?"
"Não. Não me importo", eu direi.
"Você é realmente estranho. Muitos dariam a vida
 por isso".
"Não sou curioso. Somente com os meus testículos,
 que inflamam, às vezes..."
"Tá vendo. Próstata, meu caro. É sempre um bom motivo".
"Foda-se. Não quero que você me diga nada.
 Estou confortável com a minha ignorância. Cai fora!"
"Durma bem, Dusquene".

E a Morte sairá pela janela, envolta numa névoa cinza.
Não sem antes olhar para trás...e piscar divinamente.

Conveniências

é preciso matar o tempo
              então
         se masturbe
            se coce
              reze
             coma
             beba
            arrote
            cague
    empine o caralho
   chupe uma boceta
 - que não seja de puta -
        se hipnotize
        se arrebente
            na via
faça palavras cruzadas
        ande na linha
         ou fora dela
        se masturbe
         novamente
            berre
  mande o tremendo fdp
        para a pqp
 emborque a garrafa
       de uma vez
       ou desista

           enfim,
   faça o que você quiser
contanto que me deixe em paz

Otto Dusquene

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Mulheres

as mulheres são seres esplêndidos
são frágeis e destemidas
poucos homens se igualam a elas
em bravura

pois em sua aparente
conformação
se agigantam

têm um tipo especial de fé
para encarar o duro cotidiano
que os homens não compreendem

vários homens desistem na metade
e se afogam no álcool
as mulheres
muito raramente
se deixam consumir pela garrafa

tenho o maior respeito
pela maioria delas
por outras, nem tanto,
as não resolvidas e as muito carentes
são um pé no saco

talvez, se bebessem mais...
quem sabe?

               Otto Dusquene

domingo, 7 de novembro de 2010

99 por cento


99 por cento da humanidade me incomoda
não me interessa
- a China com seus olhos cortados não me interessa
- a Índia com seu povo pardo não me interessa
- a Alemanha não me interessa
- o Tibete, muito menos

milhões mancham a paisagem
com seus recalques
conformismo e
ausência de coragem

os homens nos escritórios,
- existem multidões de pessoas em escritórios
  e bancos e conglomerados -
vertem negócios
- limpos ou sujos, tanto faz -
e chamam esse trabalho de vida

tudo bem: tomam seu uísque no final da noite,
com boas mulheres e cama larga

mas, sinceramente,
essas pessoas também
não me interessam nenhum pouco
aliás, me causam certa aversão

assim como as estantes cheias de livros mortos
de romancistas mortos, de poetas mortos
(muitos mortos também fisicamente)

jovens,
cuidado com os literatos
rasguem os literatos

leiam London, Kerouac, Fante e Bukowski
e um pouco do Uivo do Ginsberg
esses caras confrontaram a CICATRIZ

leiam os que ousaram romper as amarras
e escrever sobre a vida real (sem subterfúgios)
escrever sobre os azares cotidianos

esses grandes desbravadores
escritores que valem a pena ler

- os literatos?
que sejam lidos pelas traças

assim como os vermes lerão
minuciosamente
os cadáveres impecáveis
dos homens dos escritórios

Otto Dusquene

sábado, 6 de novembro de 2010

A merda nossa que vaza todos os dias

o diabo é
             o ramerrão
        a falta de perspectiva
                  de grana
as solas dos sapatos gastas
as meias furadas nos dedos e nos calcanhares
                                   o sem saco de
comprar meias e sapatos

o diabo é
             o sol, o maldito sol rompante,
             o café oxidado
                                 na térmica
                                 de quinta
a danação das ruas
            a vontade de ver ninguém
a ressaca bruta
                     o bolor no armário
                                 e o periquito verde
do vizinho
              o pane mental, enfim,
a perda de sensibilidade...


o diabo é isso
                    a uniforme percepção
                    social
               denunciando sonhos
as pessoas do metrô
             com seus rostos vencidos,
banidos, inúteis,
                                  a morte anunciada
                       em tudo

já no apartamento
         depois de um dia morno
ligo a TV
            desligo
- esqueço que não há vida na TV -

é tarde,
camarada,
muito tarde para qualquer um
salvar-se


            Otto Dusquene, o alter-ego de um escritor

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Gatos em noites quentes

gatos nos telhados...
o sexo deles
é uma briga insana,
visceral,
puro dentes, garras
e raiva.
fazem o troço
como deviam fazer
homens e mulheres.
com frenesi
e desespero,
como faca,
rilhando a campa
da noite.
e a lua, vendo tudo aquilo,
todas as fodas –
 as nossas e as deles –
deve pensar
"os gatos são melhores...
podem não ser os dominantes,
mas sabem o que e como fazer”

               Otto Dusquene

Minha preferência por aeroportos

Gosto de aeroportos. Dão distinção às pessoas. Gosto de me sentir distinto, às vezes. Chegam com suas bagagens, de táxi. Ajeitam as malas nos carrinhos e partem rumo a não sei onde. Avião é um negócio confortável. Tem o uísque, as aeromoças de taileurs com seus cabelos presos. Tudo muito distinto e sexy, legal, huumm...

Só não aprecio os solavancos. As turbulências fazem coisas horríveis com nossos estômagos, principalmente quando já existe meio litro de scoth dentro dele. Realmente, turbulências encurtam o buraco do cu, dão tensão. "Vai cair, meu Deus, agora cai".

Certo dia peguei um avião. Todos os passageiros colocaram o cinto por solicitação da aeromoça gostosa. O tempo começou a correr e nada de o avião embicar. Uma senhora, já velha, na poltrona atrás da minha, perguntou:

- Que houve? Por que não sobe?

Ai não resisti e comentei alto com o gordo sentado ao meu lado:

- Parece que estão retirando a carcaça de um falcão maltês que, desavisadamente, foi sugado e se esfarelou em uma das turbinas no vôo anterior. Vamos ter de decolar com uma só turbina. O que é preocupante...

Dei uma espiada para trás.

A velha me olhava com os olhos esbugalhados,a boca semiaberta. Por fim, gaguejou:

- Mas isso é possível? Viajar com apenas uma turbina?

- Voaremos de banda, minha senhora - eu disse e me virei, pensando "Dusquene, seu bom filho duma puta, você ainda vai matar alguém".

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Os Porquês

por que essa urgência, essa premência
                                        para magoar?
por que as ruas estão cheias de sonhos mortos
            que esbarram em pessoas tristes?
por que essa falta de?
por que a ficha jamais cai na máquina?
essa fatalidade...
          por que essa falta de qualquer coisa?
tanta ironia e impiedade
por que essa carência de sentimento?
ei,
ninguém sabe a quantidade certa de uísque
                     que traz a tal felicidade?
será que ninguém vê o que acontece nas ruas?
E por que tantos pobres e,
                                     principalmente,
por que tão poucos ricos
            com suas piscinas, carros, mulheres, 
    e garagens (quero o meu quinhão deste sonho)
              e possibilidades
                              e tudo o mais?
                           por que esse
abandono
              e essa insônia rubra?
porra,
por que ninguém me diz
                                 nunca
"vai cara, você consegue".




                    
                  

    

O IDIOTA

Ninguém está a salvo de um idiota. Eu não estou. Você não está. Ninguém está. O idiota se apodera, se avoluma. Torna o dia mais difícil de ser suportado do que já é. Empesteia o ar. Mata a pouca esperança que ainda existe.

E eles se propagam que nem moscas. Estão em toda a parte. Cientes de sua estupidez, mas, nem por isso, deixando de defecar sobre nossas cabeças.

Otto Dusquene

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Tédio, essa enguia

Eu não escrevo para você, camarada. Eu escrevo para mim. Para algo fazer sentido, um pouco pelo menos. Para não morrer de tédio, essa enguia, e poder suportar o ramerrão. O baque cotidiano.

Distraio-me com o jogo. Mas os números não colaboram. Mudo o esquema, e nada. Tenho uns 30 esquemas no bolso. Vou variando. Mas as bolas não cooperam. Estão combinadas para me foder, e a você também, se você joga. Se cuide.

É uma merda. Outro dia cinza, sem o horroroso brilho no plexo solar.

É, bem, ainda estamos vivos. Um pouco.

Dusquene

domingo, 31 de outubro de 2010

É Natal, e o que eu tenho com isso?

Sempre fico na minha nessa época. Costumo nesse período me embebedar de vinho, muito vinho. Tinto, branco, o que vier goela adentro. Me dá engulho todas aquelas crianças sorridentes, felizes com seus pais, com suas árvores, seus presentes, com o seu novo bicho de estimação. E Noel de escroto cheio.

Fico realmente triste no Natal. É uma época melancólica. A não ser pelo vinho. Lembra coisas que não tivemos quando crianças ou não fizemos quando adultos. Aquelas lojas decoradas, as luzes piscando, cegando, o troço todo em um movimento contínuo e inadiável.
As pessoas ficam alucinadas nessa época. Andam frenéticas pelas ruas, atrás das últimas possibilidades - entenda, descontos -, arrastam uma urgência, um ódio interno e seus filhos pelas mãos. Têm que atender as exigências sociais, as obrigações imprescindíveis. Comprar o peru. Encomendar o assado, a ceia. Reencontrar parentes tediosos, que não viram durante o ano inteiro. As velas. A porra da bosta das velas para os candelabros! Caralho! Quem usa candelabros hoje em dia... A raiva latejando, gotejando pelos poros. As lojas. O supermercado. As filas. O calor dos infernos.
Mas comigo não.
Isso não me pega.   
Eu sou Dusquene, o escritor, meu chapa. O grande Otto Dusquene. E pulo fora disso.
Foda-se papito!
P.S.: Fui a uma festa familiar de uma amiga de Gill. Fiquei tão bêbado de vinho que saí quase carregado. Gill dirigindo. Num determinado momento vi uma dona de 150 quilos, toda de branco, recostada num sofá, levantando no alto da cabeça um cacho de uvas Niágara. Descia em sua bocona as pobrezinhas.
Cutuquei Gill, morto de bêbado:
- Porra, tá vendo aquilo, parece NERO!

sábado, 30 de outubro de 2010

As estantes estão cheias de morte

Meu nome é Dusquene, Otto Dusquene.

Esse blog é uma homenagem a ninguém. Nem a mim.

Um cara escreveu sobre mim. Um livro. "Moto Continuum". Ele é um sujeito até passável. Mas não regula muito bem ao focar os holofotes sobre mim.

MINHA VIDA NÃO É UM PRIMOR.

Mas, para espanar o tédio, ele vai publicar aqui o livro. Capítulo por Capítulo. Um por semana. Toda a sexta-feira. Começa em Novembro de 2010.

É, quero que vocês se fodam!

Para saber quem eu sou, vão ter que olhar essa merda toda a semana.

Leiam e, depois, podem se fartar nos bares. Assim como eu.

PORRA, MEU NOME É DUSQUENE!

OTTO DUSQUENE... E não se esqueçam disso.

(O Capítulo I de "Moto Continuum - Uma Novela" - que já registrei na BN - será publicado aqui na primeira sexta-feira de novembro)