quinta-feira, 29 de março de 2012

Ontem, tarde, na rua mais próxima

"Beberei até a sua última gota, Dusquene".
"Espero que engasgue, sua rampeira".
"Pensava que ia ter uma boa vida, hein?".
"É. Realmente imaginava algo melhor para o meu lado".
"Cê não é melhor do que ninguém, Duc".
"Sei que não sou. Mas também não preciso ser igual a todos".
"Escrever uns poemas e textos não o tornam superior".
"Mas me salvam do ramerrão, conservam o meu nariz acima do mar de bosta".
"Você é engraçado. Saiba... NINGUÉM SE SALVARÁ!"
"Não procuro redenção alguma".
"Seu fim será igual ao dos outros camaradas".
"Mas deixarei uns troços escritos, meu ódio talvez".
"Você se acha especial, Dusquene. Muito especial..."
"Afinal, dona, cê não tem mais o que fazer?"
"E você? Que destino dá a sua vida miserável?"
"Bebo e escrevo e vice-versa".
"Sua novela nunca será publicada".
"O que eu posso fazer? Mas um editor já se interessou. Agora é aguardar".
"Conversaremos mais tarde. O cara lá de cima me bipou. Um atropelamento na Pomerode, 45. Amanhã estou de volta".
"Não venha. Me dê uma folga".
"Isso não existe para você, Dusquene. Não para você".

...

1
"Meu coração, quebre somente em caso de emergência".
É a placa que cada um deveria trazer no peito.

2
"Há muita miséria no mundo..."
"Qual a pior?"
"O homem".

3
Os caras são foda, não deixam uma migalha, para ninguém.

4
Político honesto só em Marte.

5
Foder é questão de sanidade mental.

6
"Você escreveu um livro, e daí?"
"E daí que tudo pode acontecer a partir daí".

7
Preconceito é mortal como a lâmina. Mas quem não tem...

8
Jack Kerouac parou de escrever, foi beber cerveja e jogar sinuca.
Uma escolha válida. Escrever entedia, muitas vezes.

9
Viajar pelo país, uma merda que vou.

10
Beber é convicção.

terça-feira, 27 de março de 2012

...

bom ficar aqui, no escuro,
lendo os barulhos longínquos
na noite de arranha-céus e viadutos,
na noite de trepadas e vômitos,
convulsões e berros infernais,
em que fico ouvindo meus próprios berros
que não saem
- bem, às vezes, saem

eu descanso,
sabendo que alguém,
neste exato momento,
extirpa um rim, sofre um acidente, recebe a lâmina

e
eu,
largo no sofá puído,
emborco o uísque,
pego outra azeitona
- é realmente desesperador
não poder fazer
absolutamente nada, agora

segunda-feira, 26 de março de 2012

Mapa

"Trouxe um Atlas. Olhe o mapa da Rússia. Tá vendo, Dusquene?"
"O que?"
"Veja aqui, o rabo levantado".
"Hum..."
"Na frente o focinho, com a presa caída. Não parece..."
"O que, Bullford? Diga o que?"
"UM JAVALI EM DISPARADA, INDO PARA O LESTE".

Sorte é uma sombra no muro ao lado

1
Não importa para onde eu vá. Seres humanos, sei do que são feitos.

2
“Você não gosta de gente, Dusquene?”
“Não”.
“Por que?”
“Gente fede. De uma forma ou outra, sempre nos decepciona”.

3
Fidelidade é a maior sacanagem que pode haver num casamento.

4
Viver é esperar. O que? Não sei.

5
Há mulheres que fazem a vida do sujeito valer a pena. Mas a maioria se transforma em um estorvo para seus homens.

6
Quando o seu bar favorito está fechado. O melhor é aguardar, bebendo, em outro.

7
Escrever é estilo, e muita, muita sorte.

8
Há uma vez para tudo, até para o divórcio.

9
Felicidade é uma coisa que vendem em outra cidade.

10
Literatura = Morte.

Blue, Home, Blue

Abro a geladeira. Meia banda de vinho branco velho me olha de lá. Digo “alô” e mando ver. Não desce bem, mas vai. Sempre vai. Aos 48 anos não sou muito exigente. Não sendo vinagre...

As pessoas vão aprendendo durante a vida. Algumas poucas vão ficando mais sábias, mais tolerantes. Há impaciência também, com escadas rolantes, cães e multidões. E, enquanto eu tiver a possibilidade da garrafa, isso não me afeta o suficiente...

Agora são 17h. 17h, e daí?

- Dusquene, que tal outro poema? Um que fale de mulheres loucas...

- Não existem mulheres loucas e vorazes o bastante. Não mais... Frida Kahlo foi a última.

- ...

...

triste
é a falta de coragem
nos olhos, nos movimentos das pessoas,
a dependência, a ausência de firmeza,
a enorme carência emocional em tudo,
árvores, pássaros, peixes e vermes

ver a falta de confiança,
de pegada, de fibra, não falo da fibra das ruas,
digo da gana de viver, lutar ao sol,
enfrentar uma rotina árdua, ganhar o pão, suar,
se esfalfar até rilhar os dentes
na prensa humana

(...)

ninguém é forte o bastante, nunca seremos, para demolir a barreira,
mas, homem, precisamos fazer algo de nossas vidas,
minimamente
que seja

domingo, 25 de março de 2012

Ao bom Deus

o vento entrando na janela
a possibilidade das cervejas na geladeira
o sono etílico querendo vir
eu ainda indo para o freezer
a merda toda cansando
a cama a meio do caminho
emborco nela até o fim da noite
- acordo na beira da segunda-feira
e com a TV aberta na minha cara
- é Dusquene, você pode com isso,
bom Deus, como você merece isso

A cortina puída da alma alheia

1
Quem não tem preconceito - um que seja - não é humano. É triste, mas é verdade.

2
Os dias de sol, os drinques na piscina, quando os terei?

3
Certeza absoluta só idiotas têm.

4
Quando uma mulher quer, ela faz um homem pensar naquele viaduto.

5
As mulheres se arrumam. Se maqueiam. Vão a salões de beleza. Fazem o diabo. Mas muitas perdem seus homens para a garrafa.

6
Viver é im-pre-vi-si-bi-li-da-de. O caos...

7
Os jovens hoje vivem com os país até 27, 30 anos. Júnior não sai de casa nem para comprar cigarros.

8
Um bar sortido. Essa é minha ideia de Paraíso.

9
Sempre há gotas a mais no fundo de qualquer garrafa.

10
A possibilidade geralmente é apenas isso: uma possibilidade.

sábado, 24 de março de 2012

Seymour

Seymour, o bêbado do quarteirão, morreu. Os conhecidos de Seymour cotizaram o caixão e as flores. Eu, Dusquene, entre eles. Caixão barato, mas decente. Seymour só bebia destilado. Todo mundo pagava as doses de Seymour. Morreu de cirrose lancinante.

No enterro, o céu começou a escurecer forte. Um dos conhecidos terminou um pequeno discurso em homenagem ao falecido. Fechado o caixão, os cinco participantes do enterro, eu entre eles, seguiram até o local do sepultamento. Aí a chuva caiu pesada, uma cortina de água. Havia uma árvore ali perto. Deixamos o caixão com Seymour, que ia no carro de alumínio, debaixo da árvore e nos abrigamos sob uma marquise.

As águas aumentaram, persistentes. Começaram a empapar o caixão. A afogar Seymour.

Foi aí que Bullford falou, refletindo:

- É, pela primeira vez o velho Seymour está bebendo água...

Antes que o outono chegue, rubro

1
“Ela enfiou a argola e apertou”.
“E daí?”
“Me caguei todo”.

2
“A garrafa vai te matar”.
“Porra nenhuma”.
“Vai sim. Pelo menos me dê um gole”.
“Peraí”, emborquei um pouco mais.

3
“Cê não me quer por perto”.
“Às vezes não. A maioria...”
“Por que?”
“Gosto de ficar sozinho. Me faz bem”.
“Quer que eu saia?”
“Se você quiser. Mas deixe o tinto comigo”.
“Filho-duma-puta, maluco...”
“Cê que sabe...”

4
“Debra, vem comigo, quero te mostrar um troço”.
“O que é?”
“Um negócio doido, um bicho, peludo e grosso”.
“Onde?”
“Aqui no quarto. Vem”.
“Sei...”
“Tá... Como é? As garrafas já se foram...”
“E daí?”
“Não temos muito o que fazer agora”.
“Nem conversar?”
“Tá bom, vou sair e comprar mais um tinto”.

5
“Mami, cê fode?”, perguntou Suzzy.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Longe, onde ninguém me alcance

gosto de ficar só
trancar o mundo lá fora
não ter amigos é uma de minhas qualidades
sempre me achei só na planície e isso
é legal, é bom e honesto

quem gosta de gente deveria ir pro manicômio
gente incomoda, gente fala, gente fere os olhos
e, às vezes, as narinas

Blue Sue,
a gorda do banco,
se acha legal e especial, a Blue Sue,
mas é um troço terrível para se ver, para se empalmar:
toda aquela gordura e carne vazando
pelos lados e na frente

- Blue Sue, cê é uma merda! – lhe disse Seymour uma vez.

E Seymour estava certo.

O que digo em meio à tarde vadia

1
Dusquene, 48 anos hoje, hein? E numa sexta-feira... Merda! Os amadores estão todos nas ruas.

2
Ainda terei meus dias de mar, drinques decentes, uma vida boa à toa. Um bar só para mim. E o sol... O sol, amigo, o sol.

3
Entendo porque muitas mulheres não param de falar. Sem isso, não seriam notadas. Morreriam de fome e sem trepar, eventualmente.

4
Miséria é cerveja quase no fim.

5
Certos indivíduos já nascem mortos, banidos de bons momentos.

6
Tantas vidas de merda, tantas latrinas desimpedidas.

7
Dusquene, o Duc, o pato que rosna.

8
Qualquer mulher pode matar seu homem. Não é uma questão de vontade, mas de persistência.

9
Ejacular é fácil, difícil é manter o resultado andando.

10
Às vezes, não escrevo nem para mim.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Aos 48, na Dover

48 anos
nesta sexta-feira
e parece que vivi um século
é tempo demais para escrever uns 15 livros
- dois que prestem pelo menos

vou preencher sempre a página em branco
enquanto ela estiver ali, de pernas abertas,
vou fazer uma aposta na loteria também,
porque o bom Deus pode me sorrir, quem sabe,
uma aposta modesta, US$ 7,00 por semana,
só para correr o sonho

48 anos na planície
e você agüentou muitas coisas, Dusquene,
empregos tenebrosos, repletos de gente alguma,
e você nem é tão forte assim,
ainda tem medo do amanhã, confesse,
sua grande bola de bosta

mas o corpo ainda suporta o tranco,
e você deve ir mais devagar com as garrafas,
se quiser viver mais 27 anos, se quiser,
pois ninguém se importa com nada
do que você pense ou diga
- todos só querem saber de si -
e você também, é claro: foda-se o mundo!
- só quer estar legal consigo mesmo

(...)

passei muito tempo
lendo a vasta literatura morta,
há uma década e meia não preciso mais desse lodo,
afinal, com 48 anos, sempre se aprende
algo de bom
e útil

digo a todos os que querem escrever que façam o mesmo,
derrubem os cadáveres da estante...
só relaxem e leiam os grandes autores,
os de fato, os vorazes, os dementes de vida –
London, Kerouac, Ginsberg, Fante, Bukowski
e alguns outros

façam isto antes dos 30 anos,
não desperdicem o tempo que eu perdi

sábado, 17 de março de 2012

Alfaiataria, ou qualquer merda qualquer

na sala escura do centro da cidade
meu pai trabalhando como alfaiate naquela rudeza
no chão, na porta, nos móveis
de madeira escura, aspereza de ambiente,
algo de tristeza impregnada
na tesoura de um palmo,
nos cortes precisos das camisas sociais
e ternos para gente fina
o calor vaporizando o cheiro do pano novo
e, no final da tarde, aquela melancolia
persistente, doendo até os ossos,
e eu ali, aos nove anos, morrendo naquela conformação
de cabides vazios enfileirados

sexta-feira, 16 de março de 2012

Ao longe em indormida e momentânea estante

1
O pior não é viver. A demência é aguentar pessoas por perto.

2
Um homem decente não deixa de beber seu drinque.

3
Sempre há, no final da linha, no último minuto da última hora alguém que pode foder seu dia.

4
Noventa por cento das coisas que temos são desnecessárias. Uísque não. Uísque é urgência ambiental.

5
Sem compaixão não há humanidade. Porém, 90% dos que compõem a humanidade são insensíveis, cruéis.

6
Se eu faço parte disso, quero o meu quinhão. E AGORA!

7
No mundo não basta ser O CARA. É preciso assassinar os outros caras para ganhar um lugar ao sol.

8
Viver é uma benção... Diga isso para o gari.

9
O dia em que você, Dusquene, escrever literatura, você estará morto. É melhor que tenha as mãos amputadas.

10
Fora isso. É isso.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Intermitente enquanto o garçom varre a rua

ontem faltou a chave
e fiquei no bar até meia-noite e meia e verifiquei:
não há mais pessoas interessantes, todas se foram,
restaram sombras e a pequenez de homens mínimos,
uma geração inteira se foi, para nunca mais

desapareceram a verve,
a sagacidade, a ironia, o fair-play, a música,
só as moscas rodeiam, agora, minha mesa vadia,
e eu estou cheio disso, de tanta gente comum,
no termo mais pejorativo da palavra,
gente que é merda
merda pura

por isso, estou bebendo mais em casa,
compro meia dúzia de latas de cerveja
e me divirto comigo mesmo
e assim vou - tlank, mais uma que desce -
na paz

só ontem foi diferente
por causa do caralho do esquecimento da maldita chave

quarta-feira, 14 de março de 2012

Um cão que ladra ao meio-dia no infortúnio de nós mesmos

os indivíduos estão desmoronando
nas ruas e avenidas, nos apartamentos, nas cidades
e não há psiquiatras para tantos
nem para um milésimo dos que adoecem,
que enlouquecem com a cretinice das pessoas,
que viram verdadeiras diarreias humanas,
que levam um girassol morto no peito,
morto, morto, morto
como um Deus
pagão

e
o que impressiona é que muitos acreditam
que nada, absolutamente nada, pode ser feito
nem o governo se responsabiliza, nem eu, nem você, nem ninguém
e a massa disforme avança, forçando os meios de comunicação
a mencionar a sua existência, a monstruosidade toda,
o sanatório a céu aberto em que vivemos
relativamente nervosos numa tranquilidade aparente

segunda-feira, 12 de março de 2012

A loucura que nos convence de uma maneira inexorável

Entrei no metrô. Sorte naquele dia. Um lugar vago. Sentei. Comecei a folhear o jornaleco que distribuem nas estações. Numa cadeira lateral, uma dona loura de meia idade. Eu estava nas páginas de esporte, conferindo os resultados. Então, do nada, o tique. O maldito tique que veio das profundezas de não sei onde. Na minha frente, um esgar da mão esquerda com um puxão, quase um tapa, também para a esquerda. A mão da loura roçou o jornal. "Porra, de novo não", pensei. Tinha comigo um trauma com uma cabeça num restaurante, uma cabeça de uma dona também, que agitava de cinco em cinco segundos, para o lado. Olhei. Havia visto o movimento da loura, enquanto mudava a página. Mais 30 segundos, o esgar e o repelão. Novamente o bater da mão no jornal. "Dona, por favor, que bosta é essa?". "O que?". "Essa merda enervante que você faz com a mão, tumultuando ainda mais esse mundo insano". "Não faço nada". "Como não? E esse tique dos infernos?". Imitei, sério. O povo que estava perto gostou. A velhinha desdentada do meu lado riu. "QUE TIQUE! NUNCA TIVE TIQUE ALGUM! JAMAIS! QUE É ISSO DE TIQUE?! VOCÊ SÓ PODE ESTAR DE BRINCADEIRA COM A MINHA CARA". "Tudo bem, dona. O mundo é que não se enquadra aos seus movimentos". Durante a conversa, haviam se passado os 30 segundos. O esgar da mão de pássaro veio forte desta vez e o repuxão arrancou o jornal de minhas mãos. Eu sabia que o troço viria, por isso havia levantado de propósito algumas páginas. "Tá vendo, dona... ESSE TIQUE! É dessa porra que eu estou falando...". "QUE TIQUE?! ALGUÉM AQUI VIU ALGUMA COISA? VOCÊ SÓ PODE ESTAR MALUCO!". "É, dona, de certo modo, todos nós estamos". Apontei para uma idosa que entrava e lhe passei o lugar. Na hora que a velhinha sentou eu abaixei e lhe disse, alto: "Olhe pra janela, vovó. Sempre pra janela. Jamais para frente. NUNCA! Ouviu bem, NUNCA!". Olhei, então, para a loura de meia idade, que se remoía. Dei tchau, ri e desci naquela parada. Esperaria uma nova composição.

Meio de identificação melhor que digital

os fundilhos das calças dizem muito do que as pessoas são
fundilhos volumosos indicam pessoas comunicativas ou carentes
os murchos pertencem àquelas que se enquadram na classe dos roedores
traseiros nem gordos nem magros são de pessoas aparentemente normais
- mas nunca se pode confiar inteiramente, jamais
os fundos de pessoas religiosas e católicas são gordos e cagam bem
os dos protestantes também são gordos e endinheirados,
mas na frente, nos bolsos

quer conhecer uma pessoa na alma:
observe com atenção os fundos de suas calças,
como os vincos se formam nas bandas enquanto caminha
- sei o que posso esperar dos indivíduos quando os vejo por trás...
por exemplo, fundos de chefes não trazem marcas,
ou seja, mesmo pelo cu não dá pra imaginar o que seu dono está pensando:
se está querendo lhe foder logo ali, na passagem

é um bom caminho para a compreensão da Humanidade, amigo, um bom caminho...

domingo, 11 de março de 2012

...

"Greta das tetas de búfala".

"Não fale isso comigo, Duc. Cê sabe que eu não gosto".

"Veste aquele vestido lilás, Greta. Comprei só pra você".

Humm...

"Desfila pra mim. Do quarto até aqui, na sala".

Huuummmm...

"Isso, agora senta na verga, Greta".

Ughh.

"Greta das tetas de búfala".

"Tá durão, Duc. Isso, me fode. Fode a sua Gretinha. E não me chame disso, não".

"Búfala..."

Em meio ao que tudo posso nesta miserável vida

eu não preciso de muitas coisas:
dessa quantidade enorme de seres humanos
de lanchonetes, shopping centers,
da hipocrisia humana, da aberração humana,
de fé ou noticiário esportivo

detesto jornais
e revistas especializadas
gosto de beber antes, durante e depois
acredito que o planeta vai de mal a pior até que me provem o contrário
- por enquanto, continuo vendo a merda descendo pelo cano
dias ensolarados e secos são particularmente indigestos
quando a ressaca é brava - e, geralmente, é na minha idade

detesto também notícias de ganhadores de loterias
ou de qualquer prêmio - podem ser pessoas sem fibra,
que farão coisas elementares com a grana

já essa notícia da explosão solar é interessante,
forma auroras boreais, anima a vida, aquece o sangue,
faz com que tenhamos dúvida sobre a permanência da espécie nesta terra,
e isso é sempre algo salutar - a incerteza, esperar o caos em tudo

sexta-feira, 9 de março de 2012

Lucy

os copos hoje estarão cheios e as mulheres mais úteis
o sexo mais ágil nos becos, galerias, nos postos de gasolina,
em cada greta do resto da cidade,
em cada cama uma possibilidade,
Lucy

nesta noite,
os homens estarão com suas carteiras mais dispostas,
as mulheres com as pernas mais abertas
e minha gala morrerá
no fundo de você,
Lucy,

Lucy, Lucy, Lucy,
sem fantasias, sem diamantes,
só sexo puro,
só você,
Lucy,
nua, nua, nua
basta

...

a maioria das pessoas está repleta de desejos mortos,
moribundos, esfaqueados, afogados, assassinados no curso da vida
deixamos para trás sonhos destroçados, apostas perdidas,
que mal identificamos como nossas,
como se jamais tivessem sido feitas
em nossas mentes tão objetivas,
entorpecidas pelo medo
de viver

arrotamos vaidades, pensamentos loucos,
mas terminamos como o comum dos homens,
bebendo lado a lado com pessoas que nada dizem,
nem melhores nem piores, muitos iguais a você,
homem apenas, comum demais,
até o esgotamento

terça-feira, 6 de março de 2012

Oh, Deus, oh, Deus...

então, iremos assim?
sem culhões, sem tesão nem verve,
sem emoção alguma, sem cheiro de mar,
vendo imagens de velhas imagens na TV,
cheirando à merda cotidiana
em que o máximo de novidade
é o estatelar de um copo na cozinha,
uma das bocas do fogão aberta,
ou a compra de um hamster por Sophie

iremos por calçadas desniveladas,
entre rostos vencidos e ignóbeis,
repletas de um vazio aterrorizante,
de homens-cagadas de esquecidas fodas
carregando os genes da inutilidade

assim iremos até o fim,
escarrando a secura da saliva,
bebendo a última talagada,
ardendo no veranico solvente,
respirando suor, sal e poeira,
ansiando sombra ou morte,
aquilo que melhor nos couber
como desfecho

mas sempre existe a possibilidade
de mais cerveja e do relax nesta tarde
se uma bela mulher for vista,
aí o mundo se ilumina,
só por ela

segunda-feira, 5 de março de 2012

O que devemos fazer para não perder a sanidade II

detesto muitas coisas...
shopping centers, sapatarias,
TV aberta, barbearias, a urgência dos dias,
cerveja choca, bares que fecham ou não abrem,
a morte previsível em cada rosto, cachorros,
pombos, as filas dos vencidos nas loterias,
o caixa eletrônico que reluta em vomitar meu dinheiro

detesto o que fazemos de nós mesmos,
o que nos condicionamos a fazer por comodidade, família,
ou pensando que, assim, estamos nela:
NA SOCIEDADE REGULAR

beleza,
e assim nos moldamos,
autômatos até a medula, há 40 anos,
nascidos para isto, vivemos dessas misérias e certezas
até que não tenhamos forças sequer para resmungar
nem por e-mail

A pé a morte chega

passo por calçadas cheias de ninguém
de pessoas que não me interessam,
de vidas tolas, óbvias demais,
de pessoas que somente andam
e não fazem nada de suas vidas

esperam apenas viver mais uns anos,
formar filhos, ter netos, ver TV
ou participar de uma rede social
até a consumação, o fim

não palmilham outras possibilidades,
não desejam nada mais que isso,
alfafa no cercado e estou feliz,
e eu faço parte disso, não posso me livrar
nem o jogo me anima mais,
estamos todos meio fodidos para as
coisas decentes da vida,
para uma febre qualquer

sexta-feira, 2 de março de 2012

...

sabe, Duc, a construção doida
é uma árvore num pântano
e você está dentro de uma árvore de casca grossa, escura, negra, 1,3 m,
com 1.079 habitantes.

você é o presidente, porra o presidente,
mas 71% do que ocorre lá dentro é democrático, caralho democrático,
é como não poder pegar a cerveja, a qualquer tempo na geladeira,
o que é uma merda, uma bosta enorme.

... continua amanhã porque agora estou muito, muito bêbado...
vou sonhar com isso tudo...