sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Blue Moon


qualquer coisa
que falarmos hoje
é bobagem
frente à lua azul
ao cheiro
do vinho tinto
no copo americano
à dama azul
da noite pobre
de mim
de você
mas cheia
dessa angústia
infinita

qualquer coisa
destoa
na paisagem
saiam homens
e mulheres
que nada valem
que nada têm
a oferecer
que nada prestam
que nada sabem
da lua azul
morta e fria
naquele céu
de ninguém

Limpeza

Butchner bebeu o último gole. Arrancou a calcinha de Margot. Botou ela de quatro. Cuspiu no mangalho teso. Ela só pediu: "Vai com calma, amor! Aggghhhhhhhhhh. Seu filho-duma-puuuuta!". Butchner riu seu riso de nove dentes. Tava pagando por aquilo. E queria que fosse cruel.

...

há visivelmente pessoas doentes de alma
nas ruas
a lista dos homicidas e dos desesperados
só faz crescer
muitos vivem do nada,
preenchendo sua alma
com o vazio incomensurável

estamos nos emporcalhando,
aviltando, sobrecarregando de misérias
que acabarão por nos tornam uma massa disforme nas calçadas
- o que já somos

estamos vivendo por viver, defecando risos idiotas
vejam a paisagem, apreciem a paisagem,
no que estamos nos transformando:
em merda ainda maior!
- se já não

a penúria alheia que avança nas grades


somos feitos de nervos
carnes e ossos tão somente são
alicerce e concreto
somos constituídos é de fiações
por isso, não é errado dizer
"aquele sujeito tem uns fios soltos"

cada vez mais vemos pessoas assim
deprimidas, obcecadas, loucas, suicidas,
vagando pelas ruas,
com todas as suas carências

eu fujo desses indivíduos...
não sei você, amigo
já estou satisfeito com as minhas misérias
não preciso das de ninguém

"Dusquene, eu preciso lhe contar umas coisas..."
"Deixe para amanhã, camarada, hoje eu não estou num dia bom"

É duro ser discreto à luz da lua

Bug Bess entrou no bar. Pug Lee levantou. Alfred, o dono do bar, foi logo dizendo: "Calma aí, rapazes, não quero confusão aqui. Se têm algo a resolver, é lá fora". Bug Bess e Pug Lee se olhavam, ferozes. "Onde está minha mulher?", falou Bess. "Se você não sabe, muito menos eu", respondeu Pug. "Você está fodendo ela, eu sei". "É, demos uns amassos, foi só". "Seu filho-duma..., cê ainda confessa?". Pug: "Estou sendo sincero, foi isso só entre nós". Bess cerrou os punhos: "Cê tem certeza?". "Tenho". "Tudo bem, então, deixo você me pagar uma cerveja". "Tudo bem. Mas só uma". "Tudo bem, só uma". O bar voltou à normalidade.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

...


é, baby,
dividiremos colchões manchados de molas ruins
copos frágeis que se quebram nas bebedeiras
iremos suar um pouco no sexo
faremos o que tiver que ser feito
deixaremos nossos filhos no mundo
e será bom ter feito tudo isso,
porque, apesar de toda luta,
mais não importa...

talvez, o último drinque, talvez
a última azeitona no prato
quem sabe?
nada

Cães


é como se fosse uma noite de cães danados
a uivar para a lua
homens e mulheres vão aos bares
a festa se instala
e eu quero estar nela
dentro dela
com um copo
na mão

como cães danados saímos em matilha
e vamos nos mordendo e ferindo
mas sempre juntos

...

enquanto houver o muro
a fé deve ser mantida
o murro tem de vir mais forte
para fazer surgir a brecha

nunca vi um homem ter sucesso
ou estabilidade na vida
sem muita luta, 
se veio de baixo,
e a sorte não lhe favorece



The good mother

“O que é isso, Fred?”. “Não é nada, mãe”. “John, venha ver o que Fred tem nas duas mãos!”. “Mãe, não chame o pai, que eu levo uma surra”. “O que você bem merece, seu indecente”. Por fim a mãe se acalmou. “Jogue isso no latão dos fundos. Tire a gosma das mãos e da boca e venha jantar”. Às 21h, com o jantar terminado e John vendo o noticiário com Fred na sala, a mãe foi sorrateiramente tirar o objeto jogado pelo garoto na lata do lixo. Aquele cone de duas polegadas teria algum proveito.

Um quadro feito de beleza que não existe em qualquer lugar


essa mulher é a beleza passando
diante de meus olhos cansados
ela me daria um bocado de trabalho
mais eu a faria feliz

eu lhe ofereceria um drink e lhe daria um beijo na nuca
falaríamos de pássaros, peixes e cães
eu perguntaria sobre a sua vida
ela me diria pouco
eu pouco falaria
também

eu guardaria a sua beleza triste, mas voluntariosa
nesse quadro impressionista
do meu amor de ontem
que ontem vi

sem a menor importância


há pessoas sem a menor importância para a paisagem
no conjunto, são as que nada almejam ou as estão contentes com a sua rotina
são pessoas inexistentes por si
que nada dizem a que vieram, apenas ocupam espaço
e eu as vejo todos os dias nas ruas, nos edifícios, no trabalho
e penso: "como pode? e há um cu nisso"

são pessoas que exalam cheiro de criança recém-nascida
ou seja, o cheiro inconfundível de uma espécie de conformismo,
dos que se sentem seguros neste mundo louco,
e eu as vejo todo santo dia e continuo a pensar: "e há um cu nisso".

sábado, 25 de agosto de 2012

Perto do Natal em ...

- Quando terei um Natal decente, Dusquene. Com peru, aquelas nozes e tudo...

- Para que você quer um Natal decente, All?

- Sei lá... Não sou de comer muito. Para variar. Tomar vinho do bom...

- Eu lhe pago uma garrafa. Não é preciso esperar até lá.

- Não é isso. Não é somente isso. Eu queria fazer uma surpresa para Mary. Uma mesa, com aqueles decalques de Natal nela, a árvore, as bolas. Também rever os netos... Não vejo meus dois netos há sete anos, Duc. 

Os olhos de All se encheram. Fiquei com pena dele. Ele passou as costas das mãos nos olhos.

- É o vício. Minha filha se afastou. Não a culpo. A porra da bebida me faz violento... E tem aqueles troços também. Cê sabe do que eu tô falando, né? Mary sofre um bocado. Fico doido e desconto nela. 

- É, eu sei. Você me contou uma vez...

Atalhei.

- E por que você não pega mais leve na birita, All? Tenha algum hobby. Vá ao hipódromo...

Ele riu. E eu sabia o motivo.

- Seria trocar um vício por outro.

- É, eu sei. Sei bem como é...









sexta-feira, 24 de agosto de 2012

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

...

O homem que não
encarou empregos pesados
- pelo menos mentalmente pesados -
não tirou da vida lembranças fortes ou histórias, de fato,
para contar

Aquele que não sofreu para pagar as contas
sai da vida como entrou,
sem nada que possa dizer que tenha realmente
lutado para ter

Quem recebe tudo de mão beijada
o chamado bon vivant
é sempre, sempre, um idiota, na essência

me aponte um que não seja

O inexplicável momento de nada dizer


A velha Mildred gostava de colocar uns vasos com plantas no parapeito da janela. Gillmore alertava Mildred.

"Qualquer hora um troço desses balança, cai e faz um estrago na cabeça de alguém. Se for comigo, as consequências serão graves...".

"Você está me ameaçando? Vou telefonar para a polícia".

"Dona, telefone para o escambau. Eu já lhe dei o aviso".

Um dia aconteceu. Um dos vasos com gerânios despencou e estatelou no piso da entrada, bem na hora que Gillmore saia pro trampo. O adubo negro do vaso cobriu as barras de sua calça creme e penetrou nos sapatos. Uma merda só. Gillmore olhou para cima e viu Mildred assustada, segurando um vaso que ameaçava cair.

"Eu lhe avisei", disse ele.

Gillmore abriu com força a porta do prédio de três andares, sem pilotis.

O que se ouviu depois foi o baque surdo de porta escancarada a pontapés, os gritos de Mildred e o barulho de vasos se quebrando no 279.

"Você é louco. Um homem insano aqui. Minhas azaleias, meus gerânios! Oh, meus pobres gerânios...".

Mas Gillmore continuava, firme, a destruir os jardins suspensos.

Cada um com a sua merda infanticida


"Como é que você se sustenta?"
Você é o que você fez ou continua a fazer
Bukowski fazia essa pergunta essencial

"Amigo, como é que você paga suas contas?"
Ele dizia que, nessa pesquisa particular,
observou que quem pagava as contas geralmente era a mãe

O cara tem 25, 30 anos e está ali,
sorvendo os pais como canário novo
Um tremendo filho-duma-puta

Os pais ficam ali, olhando de lado,
praguejando ter um filho assim
A mãe quer jogar carteado com as amigas
O pai arrumou uma putinha e quer comer por fora
e Wilson ali, esquentando os ovos no sofá,
vendo o último filme do Woody Allen

Duvido se os pais, mentalmente,
não queimam o dia do nascimento do garoto no calendário
"Merda de dia...", sussura o velho. "Que foi, pai?"
"Nada, continue vendo a porra do filme"

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

A pálpebra meio aberta me confunde


eu sou intratável
no trabalho as pessoas me olham de esguelha
pensam que sou um alienígena
e isso é bom

quanto menos contato eu tiver com a Humanidade,
melhor para mim e para ela,
sei que sou uma bolha de raiva
e impaciência

a idiotia das pessoas me incomoda
mulheres grávidas me incomodam
pessoas no metrô me incomodam
o sol entrando pela cortina
me incomoda muito

um dia Dóris me falou:
"Dusquene, você é quase um ser humano"
gostei do elogio,
gosto de Dóris

Uma conversa de peso sobre a sucessão dos dias

"Mulheres grávidas são interessantes, Dusquene". "Por que?". "Você pergunta a elas: quantos meses de gravidez?" "E daí?" "Daí ela lhe diz 'quatro meses e duas semanas'". "Sim , e o que tem isso?". "Bem, você fica sabendo então que há quatro meses e duas semanas ela FODEU, FODEU LEGAL". "Como?" "É o único momento que você TEM A CERTEZA ABSOLUTA da foda de uma mulher, tirando os vídeos pornográficos, logicamente. Pense nisso, Dusquene". "Bullford, você é maluco. Suma da minha frente".

A solidão de um homem acompanhado

"Você pensa que é melhor que eu, Dusquene?". Eu olhei para o bebum. Virei o rosto e voltei a beber o uísque. "Estou falando com você, seu pulha". Continuei bebendo. "Você é uma craca no mundo, Dusquene". Virei de novo e voltei a encarar o sujeito. "Dusquene, eu vou morder seu cu um dia desses". E eu ouvindo aquilo. O cara estava bêbado, certamente. "Você é um bosta, Dusquene. Uma grande bosta!". Definitivamente o sujeito queria briga. "Vá se foder, Duc. Seu escritor de quinta categoria. Seus escritos são um estorvo para a humanidade". Não aguentei mais. Entornei a dose e sai do bar, prometendo nunca mais beber diante de uma parede espelhada.

Miragem de uma vaca na estrada do desconhecido


a semana é sempre em perspectiva
pode ser uma droga - e geralmente é -
ou nela chegar a Fortuna, essa prostituta linda,
e ela poderá finalmente mostrar a calcinha para você

confie, Dusquene, aprenda com os dias ruins
dias de insolação, urticárias e dor,
de suor esfalfante, de pragas e insânias
de nada

lembre-se que haverá sempre a possibilidade
do tinto e do relax, da sorte sentar em seu colo

"E aí, mulher, como você cê chama?"
"Rebecca Money".
"Sobrenome interessante, Reby, Aceita um copo?"

E ela aceita e ela põe a língua fria na sua boca
e, com a mão macia, pega o mangalho, já teso.
"Hoje a sorte sorriu pra você, Duc".

E ela sorri aqueles belos dentes de pérola
na moldura do carmim intenso.
"É, baby, eu merecia um descanso das trincheiras".

"Então, Reby, como vai ser? Onde assino para receber a grana?"
E ela me mostra um pergaminho antigo,
retirado da liga preta de sua perna direita.
Ela toda de seda azul, perfeita, maravilhosa...
"Aqui, no pontilhado".

Ao colocar a caneta na linha indicada, eu noto
a expressão no meio do texto, diminuta, mas logo acima.
"e assim ele concede sua alma".
"Porra, de novo essa história de alma, Reby".

Mas quando eu levantei os olhos a puta havia sumido.
E eu ali, no quarto, segurando a caneta verde-enxofre
com o zíper aberto e o pau penso.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Embrulhem o peixe no celofane verde e deem pro gato


1.
Qualquer mulher é capaz de enlouquecer um homem em dez segundos.

2.
Todo idiota julga-se um gênio. Eu inclusive.

3.
Bukowski não fazia literatura.
Fazia a vida melhorada e, por essa razão, descobriu a América.
E ele também não foi o último beat, cacete.

4.
Escrever é idiotice.
A vida real vale mais do que qualquer ficção.

5.
Ninguém escreve tudo o que pensa ou toda a repugnância que é.  Portanto, escrever é uma forma de modéstia.

6.
Bebendo você diz que só aguenta o mundo com a cabeça feita.

7.
Fidelidade é o maior adultério contra si mesmo. Melhor se você fosse um verme. E você é.
8.
Não compro livros. Os autores que já li são suficientes. Um ou dois escapam. O resto (99%) pode ir para a incineradora.

9.
Estamos presos a uma engrenagem em que homens e mulheres estão se odiando cada vez mais. E melhor.

10.
Ah, o sol. O sol, quentando...

domingo, 19 de agosto de 2012

A mulher que não tive porque perdida

"Vê aquela ali?". Olhei. "Ela é alienígena, cara. Veio de Zeta Reticuli ou coisa parecida. É doida. Ninfomaníaca". "É?". Olhei a dona mais atentamente. Era loura e tinha belos quadris e pernas. "Disse que seu objetivo na Terra é reprodução. Sabe-como-é, mistura genética. Diz que seu povo às vezes nasce com deformidades: três braços, duas cabeças...". "É?". O cara falava e falava e eu só olhando a dona. "Tem gente lá que também nasce com rabo...". Ele viu minha cara. "Não esse tipo de rabo. Todas nascem com esse rabo. Mas digo rabo mesmo, de macaco". "É?". "É, é estranho mesmo". "Pois quero ver essa dona nua". "Cara, ela é alienígena...". "Quero fazer parte da experiência. Só vou conversar amenidades, como andam as coisas lá em cima". "Cê é louco, cara?". "Só um pouco". Já estava indo quando a mulher se levantou. Havia algo atrás em sua calça jeans, uma protuberância arredondada que descia pelo rêgo da bunda. Era visível e todos faziam que não viam. "É", eu disse, "estranho, muito estranho". Desisti e voltei ao meu drinque. "Eu não disse? Eles estão no meio de nós, cara". O doido, então, riu seu riso de vitória.

Remição

sobre o correr dos dias
meus sapatos gastos
- uma cerveja
sempre uma possibilidade
o triglicérides alto
a inconstância do organismo
o remédio da pressão
todo fodido
aos 48 anos

é, Dusquene,
você está levando a vida que quer,
mas a um custo alto para caralho
tenho medo que, um dia,
a conta chegue pesada,
como uma marreta,
deixe para lá...

Anticlímax em meio a sapatos brancos sobre a amurada


“Você quer me matar, Dusquene”.

”Só quero que você se acalme, Marion. A enfermeira já vem. Cadê a droga da enfermeira?”

“Eu vou sair dessa maca”.

“O caralho que vai. Espere”.

“O que é isso? Você me empurrou. Você realmente quer me matar”.

“Porra, fique quieta um pouco. Cadê a enfermeira? Alguém, que seja...”

“Gina ele quer me matar! Gina, não me deixe só com esse homem! Gina! Gina!”.

“São 2 e 40 da madrugada. Vai acordar todo o hospital...”

“Gina! Giiinnaaaa! Giiiiiiiinaaaaaaaa!”

Uma enfermeira entrou no quarto, afoita.

“Quer dizer... O chamado pelo aparelho vocês não atendem, mas é só começarem os berros e logo correm...”.

“Que tem ela?”.

“Está alucinando devido a uma infecção”.

“Huum... Acalme-se, OK. Está tudo bem”.

“Você chamou sua amante, Dusquene. Estão de conluio para me envenenar”.

Não aguentei.

“Confesso ser uma das opções sobre a mesa”.

Marion arregalou os olhos e sussurrou para a enfermeira:

“Não lhe disse, Gina, estão todos combinados”.

sábado, 18 de agosto de 2012

Um entrevero

Little Dee encheu a cara de Mulford de pontapés porque Mulford passou a mão em Cristine, irmã de Dee. "Mas eu o quero, Dee". "Esse traste não é pra você  Ele não aguenta uma rajada de vento". "Você tem 120 quilos e ele 75. Não é justo". "É. Mas ele poderia ter uma esquiva boa. Me chutar nos bagos". Cristine olhou para a massa disforme a seus pés, na grama. "Huum... Daqui ele não me parece nada agradável agora". "Isso é um merda. Não vale uma punheta que você bata para ele". "Acho que é assim. Melhor irmos embora antes que a polícia chegue. Ele está mal". Little Dee deu um último chute nos dentes de Mulford, que grunhiu um jorro de sangue, contorcendo-se. Antes de desmaiar, ele viu, de esquelha, os dois indo e Little Dee baixar a mão até as ancas de Cristine.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

...

toda cerveja que se preze deveria vir num vasilhame verde. É isso que dá decência ao homem, porra!

Pin-ups


eu quero aquelas mulheres
todas elas
pin-ups

mulheres feitas de sonho,
mulheres que não existem mais,
mulheres que dão um alento a um homem,
repouso para o velho Dusquene de guerra

eu quero todas as pin-ups,
e ninguém mais as merece do que eu
ninguém merece mais suas cores vivas,
seus cafés bem quentes,
ninguém merece mais a comodidade

eu quero todas as pin-ups
embrulhem todas elas e mandem lá pra casa

Show time

O cantor de rock do momento ia fazer um megashow. “O cara é bom, cê tem que assistir”. “É, talvez”. “Vai passar na TV a partir das 2 da madrugada”. “Como é o nome dele?” “É K..................”. No apartamento, liguei a TV, fui abrindo umas cervejas e deixei rolar. O troço tava demorando, abri um tinto e continuei deixando rolar. Finalmente o show começou. Jorros enormes de fumaça vermelha, azul e violeta no palco. Luzes girando loucamente, um barulho dos infernos. Entra, enfim, um sujeito esquálido, buço louro e começa a cantar espalhafatosamente uma música escrota. E eu lá, esperando o K................. E o sujeito ali berrando coisas, rebolando, acabando com o microfone e os meus tímpanos. “Porra, cadê o K.................., essa merda aí só deve estar esquentando o público pro cara. Só pode ser”, eu pensei. Quinze minutos depois aparece no pé da tela a legenda “K.................. in concert”. “Puta-que-o-pariu, não pode ser...”, pensei, “O povo está comendo bosta”. Tive ganas de ligar pro cara que me dera a dica. Mas desliguei a droga da TV e fui dormir. Pelo menos eu estava bêbado. Pelo menos isso.

De homens e apostas




As apostas de Ellfroy sempre davam em nada. No jogo de números havia uma evidente separação entre a Sorte e ele. Um muro armado entre eles, inexpugnável, feito de concreto, um muro perene, eterno. Ellfroy sabia disso e, mesmo assim, jogava seus níqueis em esperanças de antemão perdidas. Talvez fosse um idiota, um viciado incorrigível, um doido apenas. Não importa. O que vale registrar são suas derrotas constantes, implacáveis como um murro de boxer. E ele sabia que iria assim até o fim dos tempos, até a morte do jogo ou da própria morte, ou fosse lá que o viesse primeiro. Aquilo era maior que ele, era maior que seus músculos em contrário, seus passos em contrário, sua negação; algo que sempre o levava à banca, aos números, à perdição. Depois da derrota, da pule amassada, jogada na rua, a raiva, a dor, a angústia, o remorso, tudo num turbilhão, vindo como dose amarga na garganta seca como pó. “Um dia vai dar... Um dia os números caem, precisos... E eu, então,...”. Ficou nisso, indo para o velho cubículo, para os braços de Eleanor.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Uma rodada de uísque, cartas e pragas


"Ninguém morre às sextas-feiras. É um dia ruim para morrer".

"É, eu sei. Mas a esposa de Fred morreu e ele não virá para o carteado".

Dougall resmungou um pouco, se acomodando melhor na cadeira. Prazze ficou puto.

"Acabou com o nosso jogo, porra. Sexta-feira realmente não é dia de entrar no saco".

"É , mas temos que dar os pêsames a Fred".

"Como a mulher morreu?"

"Soube faz dez minutos. Foi assassinada pelo amante".

"Como é? Fred quem lhe disse?"

"Não. Um conhecido. Ela transava com um corretor de seguros há dois anos sem Fred saber".

"E Fred soube?"

"Soube e perdoou a mulher. Aí ela informou ao corretor que não iria mais foder com ele. Trepavam todas as sextas à tardinha, justamente quando Fred vinha pro carteado. Ele sempre confiou cegamente em Irene".

"E daí?", perguntou Prazze a Rufus.

"O amante não se conformou e peineirou ela. Cinco tiros, duas horas atrás. Disse que queria dar a última nela como despedida e peineirou ela num motel da 7ª".

"É, mas isso não é motivo para Fred faltar ao carteado. Porra, essa noite é sagrada, merda!", disse Prazze, resumindo o que todos, na verdade, estavam sentindo.

"Quer saber? Quem é corno que espere. A mulher já está morta mesmo. Vou ligar para o Vicent para ver se ele vem substituir o Fred".

"É. Ótima ideia", disse Dougall.

Tenha fé, meu filho amado


Ruby tirou com cuidado o pássaro ferido da caixa. Tinha uma asa quebrada. Ele o encontrara num jardim a três quarteirões, se debatendo. Um gato já vinha em sua direção, quando Ruby o tirou do chão. O gato parou e pareceu dizer "ei, cara, esse lanche é meu". No caminho, Ruby o colocou numa caixa de sapato jogada no lixo.

Em casa, Ruby colocou uma tala e enfaixou a asa do animal. Depois, foi procurar umas coisas no fundo da estante. Voltou com um bom pedaço de isopor e os troços. Pegou o pássaro e o colocou sobre o isopor. Prendeu o corpo da ave com um pano ligado a alfinetes. Com o pássaro imobilizado e piando, Ruby com o alfinete que sobrara começou cuidadosamente a furar seus olhos.

Na lâmina

"Eu tenho 300 milhões de espermatozóides por milímetro cúbico". "E daí, Foster?". "Eu posso colonizar o mundo: EU SOU O PATRIARCA". "O caralho que é. Só na Ásia são 1,3 bilhão de chinas". "Mas eu tenho 300 milhões... O doutor falou que eu sou uma potência viva". "Foster, há quanto tempo você não trepa?". "Há dois meses". "Só fumando esses daí, né?". "É". "Brocha, né?". "É". "Então, vá ali, bata uma e libere os 300 milhões, senão saem pelos olhos".

Um resto


que temos nós com isso?
se na esquina há a visão do homem morto
se a dor permanece clara em cada rosto
se a realidade enche os bares de vazio
se morremos pouco a pouco a cada dia

que temos nós com isso?
com a fé exagerada das pessoas
com as calçadas repletas de estranhos
com os hipócritas sondando nosso solo
com o seguir sem fim para o grande nada

que temos nós com isso, afinal?
sendo precária a sustentação de toda a vida
sendo improvável não ser sarcástico ou defensivo
sendo estreita a porta dessa entrada
sendo impossível afirmar que está aberta
e só

Febre

A fauna que rodeia o jogo de números é gente dura, sem humanidade. Só está ali pela grana. Quer que todos se fodam. Tudo bem: eu também quero. São seres de cara fechada, que repelem qualquer ato de simpatia. São seres enclausurados, fechados em seu mundo obscuro. São seres imprestáveis, corrompidos. Que não ajudam em nada. É uma fauna realmente medonha. Tomada pelo vício. E eu me pareço com eles... Não. Acho que não, ainda. Ainda consigo controlar a ansiedade. Tenho meus esquemas, perco uns, ganho outros, e isso me salva.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

O que nós temos em comum com os outros

Fellow morreu batalhando em cima de Gina, que tinha 150 quilos e gostava de frango frito e linguiças defumadas. Morreu como se estivesse num colchão d´água quente. Um ataque cardíaco fulminante, enquanto tentava satisfazer (COMO!) Gina Upergatte. "Vai, vai, meu amorzinho, mete... Não é aí, aí é minha virilha, mais pro meio... Aí também não". Fellow resfolegava, buscando alcançar a cona, que se escondia no fundo, bem no fundo daquelas carnes. "Como será que ela mija? Por onde sai, meu Deus...", pensou o homem, que lutava uma luta inglória na origem, jamais vencida. Por fim, no embate, o homem tomou fôlego, tentou uma última estocada, mais violenta. A cara ficou roxa, num esgar terrível, e ele desabou sobre a manta de carnes. "Que foi, benzinho? Cansou foi? Trabalha mais na sua Gininha, seu preguiçoso...". E Gina abraçou carinhosamente Fellow morto.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

O horizonte no Grand Canyon

toda vez que o via
o homem estava parado, esperando algo que não vinha,
olhava uma pomba, um gato, uma mulher que não vinha,
algo que ele esperava fazia muito tempo,
mas que não vinha...

toda vez que o via,
o homem estava ali, esperando algo
que tinha a certeza que viria,
mas que não vinha,
como os números do jogo,
como um drinque bom, pago,
como um sarro com a mulher do vizinho,
como um porre, como a vida que se ia
pelas persianas cremes e imundas,
como uma puta,
que marcava, dava horário,
mas que não vinha...

aí ele morreu,
e veio tudo de uma vez

UMA LUMUMBA, rei de África


Um microconto do Otto Dusquene

Vicky Lane foi quem me mostrou a estatueta de UMA LUMUMBA na estante de seu apartamento. Era algo como um Buda preto, gordo, de grandes beiços, com orelhas enormes portando grossas argolas. Era feito de granito negro, me disse. Tinha 23 centímetros.

“Ela é afrodisíaca. Quem passa os dedos na boca do LUMUMBA tem uma ereção de cinco horas, dizem”.

“Opa. É disso que eu preciso...”, e fui logo estendendo a mão.

Vicky riu e parou minha mão no ar.

“Calma aí, engraçadinho, como é que EU VOU AGUENTAR as suas cinco horas de ereção”.

“Bem. Se eu roçar levemente os dedos na bocona do UMA talvez eu entese apenas uns 20, 30 minutos... e isso é mais do que suficiente para mim. Não sei se para você...”.

Outra boa risada de Vicky.

“Passe dois dedos apenas”, disse, por fim, séria, meio petulante.

“Isso dará uma hora de foda... no mínimo”.

“Pode passar”, ela disse, empinando os seios.

Sorri minha cara de sátiro.

Ela corou. A sacana.

Ergui vagarosamente minha mão bêbada até a estatueta.

UMA LUMUMBA, você é o cara!

VOCÊ É O CARA!

O poema ao rés-do-chão


Bukowski demorou
três décadas para colocar
o poema ao rés-do-chão
e ninguém compreendeu nada?
ele nos mostrou ser possível
fazer poemas de carne e osso,
que cheirassem à vida como ela é
por que jogarmos isso fora?

o poema é feito justamente
de ninharias, desse amontoado
de bobagens, da falta de sentido,
de nossa miserabilidade

melhor seria se o poema não existisse
mas ele é como pus
em espinha dolorida
e explode à luz do dia

domingo, 12 de agosto de 2012

Relato de um homicídio involuntário no 5º andar da rua Toulanes

Era um apê legal o de Brenda Lee. 5º andar. Cadeiras de palha. Mesa de centro. Sofá branco, com almofadas brancas, próximo ao janelão de correr. Vista boa.
Fui na frente com as chaves, enquanto Brenda guardava o carro. Iríamos fazer uns camarões empanados na manteiga. Algo fino uma vez na vida pro Otto Dusquene. O sol já ia baixando. Levei as sacolas pra cozinha. Botei o tinto no congelador.

Tudo certo. Voltei pra sala.

Aquelas almofadas na lateral do sofá eram convidativas. Cheguei perto e desabei. Daí ouvi o estalo. “Cleck!”. “Porra! Quebrei o cinzeiro ou o abajur...”. Olhei pro lado. A mesa lateral continuava intacta com seus objetos. Então, tive um palpite. Levantei. Só então a vi... Lá estava Penélope, a poodle neve de Brenda, com o pescoço quebrado, morta pelos meus 100 quilos promocionais. Eu a havia confundido com uma almofada. Ela ali, toda enrolada, dormindo profundamente. Bem que Brenda dissera que a cachorra estava sonolenta em razão de um remédio contra virose, ou algo parecido. Eu cometera um assassinato sob o sol - ou quase.

Precisava pensar... PENSE, DUSQUENE, E RÁPIDO! Segui a única ideia que me ocorreu na hora. Abri o janelão. Um vão largo. E atirei por ele o corpo inerte de Pê (era como sua dona a chamava na intimidade).

Só foi o tempo de me virar, colocar um sorriso relaxado no rosto e Brenda abrir a porta.

“E aí, gostou?”

“Dez, baby, dez”, fiz o sinal de OK.

“Já viu a Pê?”

Olhei pros lados. Braços abertos sobre o encosto do sofá.

“Ainda não. Onde ela está?”

“Pê! Cadê você?”.

Depois de procurarmos por cinco minutos, Brenda começou a se desesperar.

"Não estou encontrando...".

“Calma, vamos achá-la”.

Brenda teve um pressentimento ao reparar o janelão aberto. Foi até lá. Colocou a cara pra fora. E viu lá embaixo, entre os arbustos, uma coisa branca, imóvel.

“OH, MEU DEUS, PÊ! LÁ EMBAIXO!”

Olhei.

“Talvez possa ser”, eu disse.

Descemos as escadas correndo, sem esperar o elevador. Brenda abriu com um puxão a porta da entrada e foi pro jardim. Identificou e se debruçou sobre o corpo de Pê, alucinada.

“O QUE HOUVE? QUE SERÁ QUE ACONTECEU?"

"Só vejo uma possibilidade", falei.

"Qual?", disse Brenda com o rosto afogueado.

"Suicídio".

"O que?"

"Ou isso ou distração. Você disse que ela andava meio sonolenta. O janelão estava aberto. O sofá bem perto".

"Mas eu juro que deixei o janelão fechado quando saí".

"Quando cheguei estava aberto. Sentei justamente ali pelo vento".

Brenda baixou os olhos para Penélope, morta. Afagou-lhe a cabeça.

"Ela era tão... branquinha, que nem neve".

"Foi exatamente esse o problema".

Quase disse. Mas me segurei a tempo.

Bird

disseram que quinze, no máximo 20 pessoas, o viram
o pássaro nunca pousou perto do muro
uns viram o pássaro voando entre as árvores
num dia frio e de vento

uns dizem que é azul, outro vermelho, outro amarelo
outros afirmam que é creme com um topete roxo
outros garantem que ele não existe
eu mesmo nunca o vi
e você?

pássaro, pássaro, pássaro
pássaro, pássaro, pássaro
pássaro, pássaro, pássaro
pássaro, pássaro, pássaro
vem logo
pássaro
do inferno

Meu elo com o infinito de ser ninguém

1
É preciso ter paixão ao escrever. Mas repulsa pela humanidade.

2
Quando vejo uma mulher cuidando de criancinhas, brocho.

3
Morrer não é nada diante do que passamos do nascimento até subirmos no trem, de volta.

4
Certamente ninguém me falou que seria assim. Se falasse, eu não viria.

5
Certas mulheres não são para certos homens.

6
Quem ama, melhora. Ou fica na mesma.

7
Foder é uma confissão de dependência, quando se ama.

8
Cachorro pode cheirar a bunda do outro, mas ninguém cheira a minha.

9
Para se manter fiel só saindo com outras mulheres.

10
Tristeza em demasia sempre me dá vontade de rir.

Light

Mimi e Duffy, duas beagles, cagavam o apartamento todo. Dorothy chapinhava num vale de urina e merda de cachorro e adorava. "Minhas queridinhas, vamos descer? Vamos Duffy... Mimi, cadê você?". E as bostas e as piscinas de mijo pelo corredor.

Sempre considerei cachorro em apartamento a coisa mais imunda da terra. E, depois da cena que vi, confirmei a tese.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

A outra face de lugar algum

1.
Só descobrimos o que somos quando os pais envelhecem.

2.
Ninguém é decente, não, não mesmo.

3,
A melhor mulher do mundo, para o idiota, ainda está por vir.

4.
A maioria das mulheres são o que são. Somente algumas, muito poucas, iluminam as calçadas.

5.
"Depressão é pior que chute no saco, Dusquene".
"Tá bom. Chute as bolas da depressão pra ver o que ela acha".

6.
Peidar é um ato de espírito.

7.
Viver é complicado. Mas nem tanto.

8.
Beber é confessional.

9.
Foder também é.

10.
Não é?



segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Tattoo

Um miniconto do Otto Dusquene


Misty começou com uma tatuagem pequena, em forma de uma pequena buceta, no lado direito do pescoço. Na verdade uma daquelas flores que parece uma racha. Achou legal, fez uns ramos do pé da flor até o meio pescoço.

Ficou realmente legal. Mas estranho. Os pais se horrorizaram. Os amigos nem tanto. Acharam bacana o troço. Os ramos da buceta do pescoço pareciam nascer dos peitos de Misty.

Ela resolveu, então, fazer da flor única um bucetal, estendendo o jardim por toda a face direita. A mãe desmaiou. O pai a expulsou de casa. O namorado, que antes apoiara a merda toda, não aguentou o exotismo e deixou Misty com o seu roseiral de tattoo.
O tempo passou. Ela foi ficando cada vez mais esquiva. Passou a andar com pessoas cada vez mais esquivas também.
E, meses depois, ao acordar de uma bebedeira, Misty olhou-se no espelho partido do banheiro de um sujeito qualquer, a quem dera por não ter o que fazer na noite anterior e porque precisava de um lugar melhor para dormir. O que viu não foi bem o que queria. Aliás, não viu nada daquilo que queria.
Queria ver seu rosto antigo. Clamava pelo seu rosto de dez meses atrás. Sem adesivos. Sem carimbos. Sem flores-bucetas. Sem ramos, sem roseiral, sem nada. E começou a chorar convulsivamente, a se desesperar, a morrer por dentro. O que fizera foi um crime contra si, sua real identidade. O seu verdadeiro rosto, nunca mais.
Três dias depois estava morta. Cortara o ramalhete pelo talo.



domingo, 5 de agosto de 2012

Uma certeza imediata

a maioria não sabe porque está por aqui
não mesmo
milhões andam a esmo
falam, pensam que pensam,
mas não enganam ninguém
estão irremediavelmente perdidos

é realmente algo que mete medo,
milhões e milhões
imaginando merda em cima de merda,
e, o pior, fazendo merda em cima de merda
até a consumação dos tempos

deveriam simplesmente quentar ao sol, como as iguanas de Galápagos
e dormir seus sonhos inúteis e imprecisos

Sondra Coxmoney

Eu via Sondra Coxmoney levantar a bunda da cadeira e algo em mim se erguia também. Aquela mulher era um assombro, o ideal de qualquer homem. E estava ali, à mão. Eu adorava suas saias justas, seus peitos, suas pernas, tudo nela era SEXO, do mais alto nível, se é que isso existe.

"Sondra, você me mata um dia desses...", eu brincava e piscava.

Ela ria. Eu também. E assim ia.

Até que um dia eu não aguentei mais.

"Que tal uma escapada na hora do almoço".

"Não posso, Otto, já tenho compromisso".

"Fica para outra vez".

"É, quem sabe?".

Ela encheu a garrafa no bebedouro, sorriu e saiu rebolando sua anca de égua. Eu fiquei ali, vendo aquilo, parado, com a vara querendo romper a cueca.

Deu a hora do almoço. Eu sai. Segui pela galeria até o restaurante a quilo mais próximo. Dez metros à minha frente vi Sondra andando, presa na cintura de uma loura. Pareciam se divertir bastante.

É, Dusquene, não se pode ter tudo na vida, nem Sondra.

No more, Blackbird

nem sempre vou bem comigo mesmogeralmente isso acontece a maior parte do dia
e quando não tem qualquer bar por perto
a coisa fica realmente tensa

vejo tanta gente medíocre passeando com os seus carrões
gente que nunca leu Bukowski, Fante, Kerouac, Corso
gente de grandes bundas gordas arrotando o último
benefício ganho
gente podre
em si
gente

nem sempre acontece de eu querer sair à rua
- isso sempre ocorre, geralmente quando acordo
mas há a obrigação do trabalho insosso,
envolto no dia abrasivo, solar

meus pés doem,
meus ossos doem,
o estômago, os rins, o pâncreas,
as articulações cansadas do mesmo moto continuum
de 27 anos

tudo somado hoje
não dá sequer uma sombra de homem,
que se mescla a pessoas satisfeitíssimas
com suas novas aquisições e empregos fáceis,
igual entre os parvos