sábado, 25 de dezembro de 2010

Sally Rose

os seguranças do Marino’s
encontraram Sally Rose,
depois de uma procura de duas horas,
morgada, pernas estiradas,
docemente abraçada a uma privada,
cabeça emborcada para o vaso, escorada no assento,
vômito grosso no vestido branco

bebera seis copos de tequila
na festa de Fim de Ano da empresa
big boss não gostou especialmente
dos xingamentos antes do baque

Sally ficou, assim, malvista na corporação
por ter cheirado, durante duas horas,
literalmente, a merda alheia

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Estranhamente sós, esta noite

logo mais todos se vestirão
um pouco melhor que ontem
porque entraremos na famosa noite

em breve matronas irão para suas cozinhas
mulheres lotarão salões de beleza,
os assados já estão temperados, à espera,
os embrulhos, nas árvores,
a postos

assim seguiremos o script pavoroso
abriremos um sorriso protocolar
para confraternizarmos com seres
que só vemos uma vez ao ano
e que nada representam
em nossas vidas
e vice-versa

e a farsa prossegue,
hora a hora,
minuto a minuto,
até a consumação deste tempo
cheio de indiferença, vinho, paganismo e boa vontade

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Não pode a covardia agora, não agora

talvez eu faça um poema
que não fale de bêbados e bares
dos vencidos, dos desprezados,
do horror de crianças abusadas
em rodoviárias,
em obras inacabadas

um poema
que não fale da catequese
dos profetas de metrô tentando a todos com a conversão,
no último minuto da volta do relógio,
vaticinando momentos catárticos,
inesquecíveis

talvez não fale da grande dor
que é padecer na miséria dos cortiços urbanos
- 30 mil pessoas somente em (...) - ,
sabendo-se sem saída, com seus filhos,
filhos muito pequenos,
tão vulnerados,
em plena noite de Natal
em qualquer região
em qualquer cidade
em qualquer rua
em qualquer beco
em qualquer escada
ou vão

mas, então, do que falar na porra, no caralho deste poema?
às vésperas de perus e presuntos em mesas fartas, decoradas,
e tão distantes... deles

É Natal, e o que eu tenho com isso?

Sempre fico na minha nessa época. Costumo nesse período me embebedar de vinho, muito vinho. Tinto, branco, o que vier goela adentro. Me dá engulho todas aquelas crianças sorridentes, felizes com seus pais, com suas árvores, seus presentes, com o seu novo bicho de estimação. E Noel de escroto cheio.

Fico realmente triste no Natal. É uma época melancólica. A não ser pelo vinho. Lembra coisas que não tivemos quando crianças ou não fizemos quando adultos. Aquelas lojas decoradas, as luzes piscando, cegando, o troço todo em um movimento contínuo e inadiável.

As pessoas ficam alucinadas nessa época. Andam frenéticas pelas ruas, atrás das últimas possibilidades - entenda, descontos -, arrastam uma urgência, um ódio interno e seus filhos pelas mãos. Têm que atender as exigências sociais, as obrigações imprescindíveis. Comprar o peru. Encomendar o assado, a ceia. Reencontrar parentes tediosos, que não viram durante o ano inteiro. As velas. A porra da bosta das velas para os candelabros! Quem usa candelabros hoje em dia... A raiva latejando, gotejando pelos poros. As lojas. O supermercado. As filas. O calor dos infernos.

Mas comigo não.

Isso não me pega.

Eu sou Dusquene, o escritor, meu chapa. O grande Otto Dusquene. E pulo fora disso.

Foda-se papito!

P.S.: Fui a uma festa de uma amiga de Gill. Fiquei tão bêbado de vinho que saí quase carregado. Gill dirigindo. Num determinado momento da festa vi uma dona de 150 quilos, toda de branco, recostada num sofá, levantando no alto da cabeça um cacho de uvas Niágara. Descia em sua bocona as pobrezinhas.

Cutuquei Gill, já bêbado:

- Porra, tá vendo aquilo, parece NERO!

(postado em 31 de outubro deste ano)

Vanda Velt

Vanda Velt, que mulher. Quando ia ou vinha do balcão, os caras uivavam. Aquelas pernas brancas de potranca polonesa, a Vanda Velt. Ela sabia como açular a turba, remexendo os quadris, pisando como tigresa. Era um espetáculo. E gratuito. E a um metro da gente. Deixava qualquer um de pau duro.

“Me faz uma massagem, Vanda? Tenho cãimbra...”

“Aonde, Dusquene?”

Eu descia, brincalhão, os olhos pro garoto teso.

“Vá se foder, seu miserável”.

Vanda me atirava na cara, gargalhando, o pano de limpar balcão.

Todos gargalhavam numa confraria.

Naquele tempo, as noites eram excepcionais no Finnegan’s.

Realmente excepcionais.

Havia Vanda Velt.

Que mulher.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Uma conversinha no almoxarifado...

“Não tenho nada de errado, Wilburn. Sou perfeitamente capaz de lhe dar uns tabefes”.

“Deixe disso, Fred. Não falei dessa maneira. Você olhou pelo lado torto”.

“Quando você falou foi pra sacanear. Conheço bem pessoas de sua laia, Wilburn”.

“Não falei por mal quando disse ‘me dê uma mão, aqui’. Estou com problema na contabilidade, é só. Queria uma ajuda”.

“VOCÊ É UM TREMENDO CANALHA, WILBURN! UM GRANDESSÍSSIMO FILHO-DUMA-PUTA!”.

Daí Wilburn partiu pra cima de Fred, que só tinha um braço e não teve como se defender.

Enquanto escrevo, alguém acresce...

como esses sujeitos conseguem?
trabalho há 27 anos
e devo ainda cinco de apartamento
não faço uma refeição decente
há meses

meu sol se esconde
entre nuvens
- meu tempo
é sempre chumbo

eles, ao contrário,
andam em carros que trocam
ano a ano
compram terrenos,
utilitários,
investem na bolsa,
andam bem vestidos,
calçam bons sapatos,
enfim

mas, quando abrem a boca,
o que são?
corpos vazios de idéias
carnes que falam
seres óbvios demais,
retas rumo à sepultura,
vidas sem a mínima
FINALIDADE

essa é a minha vantagem
sobre eles: eu escrevo...
o que penso de coisas
que ouço e enxergo
esse é meu trunfo
final

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

ASMA

puxando o ar
e nada
simplesmente
não conseguindo respirar

corticóides
antialérgicos
a infância
em hospitais e clínicas

altas horas
nebulização
a invariável sonolência
do cansaço da insônia obrigatória

asma
doença
egoísta, miserável

inferno
e purgatório
dos meus primeiros dias sobre esta terra

é um mal
que deixa sequela:
faz do indivíduo um pessimista crônico

agora
ela inventou,
quando menos espero,
de bater em minha porta
para me açoitar

essa rameira

Gatos em noites quentes

gatos nos telhados...
o sexo deles
é uma briga insana,
visceral,
puro dentes, garras
e raiva.

fazem o troço
como deviam fazer
homens e mulheres.
com frenesi
e desespero,
como faca,
rilhando a campa
da noite.

e a lua, vendo tudo aquilo,
todas as fodas –
as nossas e as deles –
deve pensar
"os gatos são melhores...
podem não ser os dominantes,
mas sabem o que e como fazer”

Otto Dusquene

(poema publicado em 4 de novembro)

Relax

tive meus dias sob o sol
tomando uns drinks
vodca com limão
numa espreguiçadeira

limpei os poros em saunas
mergulhei em piscinas
marítimas
em clubes
chiques

"Dusquene esteve aqui,
o escritor e poeta,
relaxou aqui"

um dia colocarão uma placa
comemorativa

não, nunca colocarão,
eu sei

estou apenas lembrando
os bons tempos
para fugir
da paura
que me envolve
agora

um dia
quem sabe?
os bons tempos voltem
com força

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Butterfly

uma borboleta negra e laranja
pousou em mim
uns podem ver nisto
um milhão de significados

para mim
aquilo não passa de
duas folhas que balançam
- comida de pássaro

entenda
não há significado algum
no aterrissar de um inseto
em você
ele apenas queria
sorver uma gota de suor de seu braço,
talvez

pare de ver nos acontecimentos
presságios erradios
tome um trago
trepe

meus olhos céticos
observam com a mesma dura indiferença
o propósito que somente os iniciados enxergam

Por que não antes?

ela não veio como eu esperava
mas em uma curva da existência
quando não havia mais credo,
esperança

quando veio, pensei ser tarde
que minha mediocridade
não se encaixava em sua beleza
esplêndida

quando surgiu, o que me restava
dizer? Mostrar?
O que fazer para ocultar
minha insignificância?

são mulheres assim
que tornam os homens melhores
que fazem os homens duvidar do nada
antever possibilidades,
mas "por que só agora?"

ela veio me resgatar
do abandono
sedar a dor
secar meus olhos
dar algum sentido
a tudo

veio simplesmente,
trazer uma palavra calma, cuidar de mim,
"chegar de beber, Duc, vem dormir, querido"

domingo, 19 de dezembro de 2010

No vácuo daquilo que nos tornamos sóbrios

as pessoas afiam suas garras
em outras pessoas
é seu modo de ser
cumprem um requisito intríseco da espécie
precisam rebaixar
para se sentirem iguais
necessitam da ironia para sobreviver
morder a mão que os alimenta
só para registro
distração
ou posse

isso vai num crescendo
e afeta a todos da roda
- é o caralho esse sistema,
mas evolutivamente funciona:
elimina os fracos

quem não aguenta o ramerrão
a pressão da máquina
se fode
enlouquece,
se mata
ou se transforma
em algo pastoso e vil

milhões de pessoas
caminham pelas ruas sem sonho
ou perspectiva,
geralmente se aferram à primeira
tábua de salvação que aparece,
uma religião, uma seita doida, um vício, esporte,
qualquer coisa serve...

então a estupidez da vida se multiplica
e toma de assalto todos os transeuntes
até ouvirmos a frase definitiva
- que ouvi esta semana...

uma mulher se jogou do 10º andar da Blackshoes street,
o corpo estatelou a menos de dez metros de velho Jo
que, sentado, continuou a beber calmamente seu trago
e apenas comentou, segundos depois,
"não disse que ela ia furar a fila? eu falei..."

A morte do grande amor

Samantha Sunshine cruzou uma linha perigosa
Confrontou o amante, num bar, num dia de lua alta
Ninguém dizia poucas e boas ao Joe e saia impune
Joe estava prometendo há dois anos deixar a mulher por Sam
Mas todo mundo sabe que Joe não deixaria sua mulher
e os dois filhos por Sam
Não ele, não Joe

Sam xingou pesado Joe
Joe não é homem de receber xingamentos, nem de mulher
levou Samantha Sunshine pra fora e a moeu de pancada
os garçons olharam mas fingiram não ver
nem os clientes
que continuaram a rir e a beber tranquilamente

Conversa sensata e precisa

"Bulford, o chefe quer o dinheiro pra ontem. É bom pagar..."
"O que? Pare de dizer que minha irmã é uma vadia ou eu te mato, eu juro..."
"Sem essa de mais tempo, Bulford. Sam quer o dinheiro, e ponto final".
"Se continuar paguejando assim você não terá um bom Fim-de-Ano".
"Não temos tanto tempo assim. Sam precisa compra uma limusine nova".
"Foda-se se você não tem os U$ ...,. Vamos dentro de dois dias catar tudo o que tem..."
"Pare de falar que trepou com minha irmã".
"Ah, esquece, Bulford, você já é um homem morto".

Big Ass desligou.

"Eu mato aquela cachorra se tiver dado realmente praquele traste".

sábado, 18 de dezembro de 2010

O que fazem os homens às quintas

Wilbur caiu doente
A doce Mary cuidava dele
Mas Wilbur piorava
nas mãos de Mary
Por que?
Ninguém sabia
Mas quando Mary
tocava Wilbur
ele esfriava
e não queria negócio

Mary se conformou
até certo ponto
até que descobriu
que Wilbur comprara,
há seis meses,
Lola Rodriguez,
uma boneca inflável,
que ele amava mais que Mary

Os jornais noticiaram
no dia seguinte
o assassinato a faca de Wilbur
e o picotamento,
até as tripas,
de Lola Rodriguez,
pobre coitada

A miséria que nos une na latrina

estamos sempre querendo
coisas que não são nossas,
sentimentalmente falando

o pouco - ou muito -
que conseguimos
não nos basta
a química não bate
a contabilidade não bate
nunca estamos felizes,
mas apenas
levemente satisfeitos

a essência do ser humano
é a incompletude
do amor
do vício
do sexo
da fuga
de deuses
e de tudo o mais

e, porque estamos
compreensivelmente sós,
mesmo num estádio de futebol,
nos damos ao prazer
de uma infelicidade mínima
mas permanente

O que tenho na estante e que impressiona

Minha estante é quase vazia. Já li os livros de que precisava. Nunca li os contemporâneos. Poucos escritores de hoje prestam, de fato. Já a literatura sul-americana tem muita latinidad. Algo que eu não tenho e nem quero ter contato jamais. De uma vez por todas. Não sou irmão de ninguém.

Sou esquivo por natureza. Não tenho amigos. E me orgulho disso. Digo isso sem qualquer ressentimento, mas como uma constatação salutar. Meu temperamento me torna muito crítico de tudo e todos. Não tolero livros de literatos ou de escritores profissionais . São merda pura.

Fodam-se os clássicos! Os chamados volumes que todos deveriam ler antes de morrer. .

Em minha estante só tenho Kerouac, Ginsberg, Fante e Bukowski.

Para que outros?

É isso aí

Otto Dusquene, na madrugada


P.S.:

Cada vez que conheço mais as pessoas, mais sinto engulho.

Cinismo não é defeito, é sobrevivência.

Sou uma pessoa de fácil convívio, desde que não falem comigo.

Um troço rombudo

"Lucy, quer ver meu caralhal?"
"O que?"
"Tenho uma plantação de caralhal. Tenho só a espiga matriz. Quer ver ela?"
"Se quiser me mostrar?"
"Quero".
"Então mostra".
"Ó".
"Porra, seu caralhal é enorme, Jimmy".
"Com este caralhal levo você pro céu".
(...), disse Lucy

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Uma notícia em boa hora, enquanto tenho tempo

a danação das ruas
a maquinaria da noite
o verbo
o demônio solto na
na sarjeta do tempo
no apê
tomo cerveja
vejo
pela vidraça
homens e mulheres
guiando
procurando
tudo
– ou quase nada –

entrementes
o
berro
se agiganta

foi
Barbara Fat
que acabou
de
se jogar
do
décimo andar
de um edifício
da Blackshoes street

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

ECCE HOMO

40% da humanidade sofre de depressão. Um terço tem tendências homicidas ou suicidas. Metade tem algum transtorno mental leve ou severo. 20% são esquizóides. Eis o homem...

Continuando...

Quatro milhões de anos desde o primeiro australopithecus afarensis até nós. E o negócio só se agrava.

Talvez tenhamos esquecido de que nosso cérebro evolui tanto na lógica como na criação de doenças psíquicas.

70% da humanidade tomam algum tipo de psicotrópico, sonífero, estimulante ou antidepressivo.

Não sei aonde iremos chegar. Mas não gostaria de estar lá pra ver esse homem novo.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Uma ansiedade que me anima

se ela vier é porque quis
estarei aqui esperando no apartamento
o gato passará no patamar da janela
anunciando sua chegada
mandarei que ele desça

então, eu me levantarei
abrirei a porta e uma cerveja
e esperarei sua chegada
aguardarei um pouco mais
e fecharei a porta
se ela não vier...

sempre fui avesso a esperas
mas, por ela, farei um esforço
mas depois de dez minutos
voltarei a colocar meus pés
sobre a mesa de centro
coçarei meu saco
e abrirei outra cerveja
talvez não nessa ordem

Meus tristes olhos que enxergam longe

meus olhos estão dormentes de ver as mesmas coisas
mulheres empurrando carrinhos cheios nos supermercados
mulheres levando seus cachorros para defecar na grama
ou empurrando os futuros homens em carrinhos de bebê
estou cansado também das bancas de jornais
de apreciar tantos rostos débeis a passar por mim
rumo ao nada

meus olhos estão sedados de ver, dia após dia,
a consumação do tempo em inutilidades
estão cansados do mundo jovem
com seus skates e esportes radicais
esgotados também pela multiplicação de academias
e biotônicos e isotônicos
e tudo o mais

meus olhos padecem e eu não posso arrancá-los
das órbitas diárias do meu ser comum

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Relato de um homicídio involuntário no 5º andar da rua Toulanes

Era um apê legal o de Brenda Lee. 5º andar. Cadeiras de palha. Mesa de centro. Sofá branco, com almofadas brancas, próximo ao janelão de correr. Vista boa.

Fui na frente com as chaves, enquanto Brenda guardava o carro. Iríamos fazer uns camarões empanados na manteiga. Algo fino uma vez na vida pro Otto Dusquene. O sol já ia baixando. Levei as sacolas pra cozinha. Botei o tinto no congelador.

Tudo certo. Voltei pra sala.

Aquelas almofadas na lateral do sofá eram convidativas. Cheguei perto e desabei. Daí ouvi o estalo. “Cleck!”. “Porra! Quebrei o cinzeiro ou o abajur...”. Olhei pro lado. A mesa lateral continuava intacta com seus objetos. Então, tive um palpite. Levantei. Só então a vi... Lá estava Penélope, a poodle neve de Brenda, com o pescoço quebrado, morta pelos meus 100 quilos promocionais. Eu a havia confundido com uma almofada. Ela ali, toda enrolada, dormindo profundamente. Bem que Brenda dissera que a cachorra estava sonolenta em razão de um remédio contra virose, ou algo parecido. Eu cometera um assassinato sob o sol - ou quase.

Precisava pensar... PENSE, DUSQUENE, E RÁPIDO! Segui a única ideia que me ocorreu na hora. Abri o janelão. Um vão largo. E atirei por ele o corpo inerte de Pê (era como sua dona a chamava na intimidade).

Só foi o tempo de me virar, colocar um sorriso relaxado no rosto e Brenda abrir a porta.

“E aí, gostou?”

“Dez, baby, dez”, fiz o sinal de OK.

“Já viu a Pê?”

Olhei pros lados. Braços abertos sobre o encosto do sofá.

“Ainda não. Onde ela está?”

“Pê! Cadê você?”.

Depois de procurarmos por cinco minutos, Brenda começou a se desesperar.

"Não estou encontrando...".

“Calma, vamos achá-la”.

Brenda teve um pressentimento ao reparar o janelão aberto. Foi até lá. Colocou a cara pra fora. E viu lá embaixo, entre os arbustos, uma coisa branca, imóvel.

“OH, MEU DEUS, PÊ! LÁ EMBAIXO!”

Olhei.

“Talvez possa ser”, eu disse.

Descemos as escadas correndo, sem esperar o elevador. Brenda abriu com um puxão a porta da entrada e foi pro jardim. Identificou e se debruçou sobre o corpo de Pê, alucinada.

“O QUE HOUVE? QUE SERÁ QUE ACONTECEU?"

"Só vejo uma possibilidade", falei.

"Qual?", disse Brenda com o rosto afogueado.

"Suicídio".

"O que?"

"Ou isso ou distração. Você disse que ela andava meio sonolenta. O janelão estava aberto. O sofá bem perto".

"Mas eu juro que deixei o janelão fechado quando saí".

"Quando cheguei estava aberto. Sentei justamente ali pelo vento".

Brenda baixou os olhos para Penélope, morta. Afagou-lhe a cabeça.

"Ela era tão... branquinha, que nem neve".

"Foi exatamente esse o problema".

Quase disse. Mas me segurei a tempo.

MayBee

MayBee morou logo em frente
MayBee era uma boa mulher
MayBee apanhava de Rudolf
MayBee vivia marcada
MayBee era uma boa garota
que apenas queria ser feliz
Mas apanhava, apanhava,
quando as coisas não iam bem
para seu parceiro de estrada
MayBee nunca gostou de escola
MayBee soube da droga por ele
Não demorou nem duas semanas
MayBee já seu corpo trocava
MayBee dia sim, dia não,
era surrada, apanhava
MayBee, que coisa estranha,
num apartamento mínimo,
fedendo a rato, barata e pico,
apareceu estrangulada
com sua própria calcinha
ela deixou com a mãe
sua filha, Marianne,
de 11 anos incompletos,
e, pelas ruas,
Rudolf, seu amor infinito,
que já anda a procura
de uma nova
MayBee

domingo, 12 de dezembro de 2010

Porque escrevo essas merdas e porque (presumo) estão lendo

“Posso ver nos seus olhos que você não presta, Dusquene”. “É?”. “Que cê faz atualmente?” “Tô tentando ser escritor”. “E o que você ganha com isso?”. “Tempo”. “Tempo?”. “Pra enganar o tédio. Todo mundo precisa enganar alguém ou alguma coisa”. “Cê, então, mente no que escreve?”. “Só um pouco”. “Como assim?”. “Basicamente é a realidade, mas acrescida de condimentos”. “Condi...o que?”. “Deixa pra lá”. “Então você mente pra quem lê as coisas que escreve?” “Já disse, só um pouco”. “Tem algum livro?”. “Moto Continuum – uma novela”. “Fala do quê?” “Da minha vida nos bares e de uma mulher”. “Tá publicado?”. “Estou publicando todo o dia num local específico que criei”. “Tem gente lendo?” “Só uns doidos que não têm uso melhor pras suas vidas”. “Mas isso é ofensivo!”. “Pra quem lê, é”. “Você é meio orgulhoso, não?” “Nem um pouco. Só não tolero burrice e cachorro”. “Eu também não gosto”. “De que?” “De cachorro”. “Eu prefiro os gatos, preferencialmente misturados com pombos”. “Mas isso é uma carnificina!” “Já que não posso ir à Plaza del Toros, em Madrid... Monitoro os estacionamentos”. “Você não regula bem, Dusquene. É muito amargo”. “Ninguém é muito normal, camarada, ninguém”. “Eu me considero normal”. “É bem normal um sujeito que guarda os palitos que usou durante o mês no bolso da camisa”. “ISSO É PERFEITAMENTE NORMAL, DUSQUENE, TODO MUNDO GUARDA ALGUM SOUVENIR”. “É. Todos mantêm, cara... uma amostra”.

O profeta nosso de cada dia

Ele passava quase todos os dias pela avenida, no meio da noite, gritando a plenos pulmões que o mundo iria terminar em poucos dias. "Vocês vão ver seus palermas. Ficam ajuntando dinheiro sujo, escroto debaixo do colchão... VOCÊS NÃO TERÃO TEMPO DE GASTÁ-LO!"

Alguém gritava de um dos apartamentos.

"E o que você nos aconselha, Sulffock? Que a gente dê a grana pra você?".

Sulffock, de barba longa e cinzenta, roupas puídas, olhava para cima, tentava em vão achar o remetente da mensagem no meio das luzes acesas.

Não conseguindo, berrava:

"DEEM SEUS RECURSOS AOS POBRES DE ESPÍRITO! PARA QUE POSSAM SANAR SUAS MISÉRIAS E NECESSIDADES FÍSICAS ANTES QUE VENHA A CALAMIDADE TAMBÉM SOBRE ELES".

Um outro gritou.

"Acabe com essa gritaria, seu alucinado. Todo o dia é essa porra! São quase 11 da noite. Tem gente que precisa trabalhar amanhã. Vê se arranja uma sarjeta pra você se encolher e dormir".

"FALOU A VOZ DE UM PECADOR EMPERDERNIDO!", malhou Sulffock, desta vez identificando o dono da voz e apontando para uma das janelas onde se encontrava um gordo de 130 quilos, de camisa branca.

O cara ficou puto.

"FIQUE QUIETO! NÂO SE MEXA! VOU AÍ PRA LHE MOSTRAR O QUE É UMA CATÁSTROFE IMINENTE!", disse e saiu da janela.

Depois de procurar Sulffock durante meia hora pelos becos e vielas do quarteirão, o homem o encontrou dormindo como criança, numa manjedoura feita de pilhas de jornais velhos, que ele catava de dia para ganhar a vida e manter toda a vizinhança informada sobre os futuros e inadiáveis acontecimentos.

Dias nossos que não temos porque não são realmente

os domingos são sempre dias mornos
entristecedores
são intervalos reais
entre a folga e a semana turbulenta

domingos servem mais a entidades preguiçosas
não aos homens
é como se houvesse uma quebrar no tempo
ou melhor, um soluço,
para então voltarmos à realidade de nossas vidas
insignificantes
comuns como um abrir de padaria

não gosto dos domingos
creio que 90% do Ocidente estão comigo
são dias realmente estranhos
nem úteis
nem agradáveis
plenamente

além disso, muitos bares fecham nesses dias
piorando a situação
agravando demais
a minha situação

sábado, 11 de dezembro de 2010

Os caminhos que nos levam a ...

coisas boas e ruins acontecem todos os dias a todo o mundo
as possibilidades estão a procura de...
uma possibilidade de ganhar na loteria - ou não
uma possibilidade de se ver no inferno - ou não
de topar com uma mala de dinheiro - ops! - não
de ter grana para pagar as contas no fim do mês
de não sair mijado, cagado, cuspido no fim do dia
de criar os filhos
alimentar o cachorro
entornar umas cervejas
de rir ou sofrer

ou seja, o mundo está aberto às escolhas
é só você colocar o pé na estrada
e querer experimentar
esse ou aquele chão

também há a possibilidade
de só permanecer quieto
por um longo, longo tempo
aguardando
esperando
uma oportunidade melhor
bem melhor

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Mulher

difícil é não saber seu nome
chegar neste apartamento imundo
e ficar pensando naquela mulher
na sorte que o mundo tem
de ter aquela mulher sobre a face da terra

difícil é não ver possibilidade de encontrá-la
para dizer como ela é importante para mim
dizer como as coisas poderiam ter sido
diferentes em minha vida se eu a tivesse
visto antes, bem antes, de tudo e todos

difícil é a falta de uísque para esquecer
o sono adiado pelo trabalho insano e inútil
que só enriquece o empregador
e enlouquece os demais
e que, agora, não vem

difícil é saber que talvez nunca mais irei vê-la
descer de um carro, andar como ela andou
cabelos soltos, ao vento...

saber que eu só tenho uma vida e não poderei viver com ela

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Quinze dias que não passam em uma semana

Faltam 15 dias para o Natal. Noto que as pessoas vão se tornando mais tensas. Vocês observa os carros mais velozes. A loucura tomar contar das ruas, O frenesi nos shopping centers, nos supermercados. As urgências devendo ser cumpridas. Ninguém permanece são por muito tempo nesta época. A raiva parece envolver a todos, até os pombos e os pardais. As ruas ficam cheias e as mãos ficam tomadas por sacolas de presentes que os pimpolhos irão destruir em um ou dois dias. Que beleza! A nervosia tornando os olhos esbugalhados, vermelhos, insones. O tremor da boca, de ódio do concorrente, do cliente a seu lado. A polícia mais presente nas avenidas para evitar assaltos e furtos. Os defumados e perus nos refrigeradores - ou não.

E Noel olhado com aquele risinho sacana por trás dos grossos bigodes brancos. É o único ícone da civilização moderna que zomba de todos, principalmente dos pais e dos avós. Só falta ele levantar uma das mãos e fazer o gesto universal.

Sou Otto Dusquene, estou longe do turbilhão. Assisto da arquibancada, enquanto os cristãos se dilaceram na arena.

Um Noel bêbado, esmulambado, barba solta em um dos lados, copo na mão, passa por mim na saída do bar, e reclama: "Esses filhos-da-putinha ainda vão me matar. Dez horas sentado, tendo que sorrir pra aqueles monstros".

Aguente firme, camarada, faltam só 15 dias.

Longos 15 dias, pensei.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

SORTE! Meu amor recluso...

Não jogo há um mês. As pedras me ludibriaram. Estou puto. Dei um tempo. Não adianta forçar a barra quando a Sorte – ou algo parecido com ela – não colabora. Como já comentei, faço uma aposta leve, por diversão. Uma vez ou outra arrisco uns trocados a mais. Nada desesperador. Não quero perder o sonho com isso.
O país não tem me favorecido. Os imbecis estão por aí coçando o saco e ganhando dinheiro. Cada coçada, dois mil. Como conseguem? Eu ainda encontro a porra dessa fórmula esquecida num balcão de farmácia, sei lá. É de impressionar como coisas boas acontecem a pessoas medíocres. Não precisam mexer um músculo e os bolsos já estão cheios de grana – não sei se obtida de maneira lícita ou ilícita, isto é com cada um.
Sempre tive algo semelhante à fé. Uma certeza, talvez. Certo otimismo escondido e indesculpável. Embora desanime no curso da obra, não sou daqueles que jogam a toalha no primeiro ou segundo round. Sou curioso. Quero ver como a coisa vai terminar.
Só estou dando um tempo.
Um dia, quem sabe, a Sorte entrará por aquela porta e sentará no meu colo.
“Ah, Dusquene, que bom que desta vez será com você”.
“Baby, eu nunca te vi, mas sempre te amei”, direi eu, original, passando o braço em sua cintura.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Quem cuida dos pobres neste mundo infame?

os hospitais do país são matadouros públicos
onde os pobres chegam para morrer
em macas nos corredores,
em UTIs coletivas e úmidas,
não sanitizadas,
uma morte dolorida, aberta,
programada

como doentes internados não votam
os políticos os esquecem
os governantes os esquecem
os médicos os esquecem
a população os esquecem
o que os olhos não veem...
desaparece
foda-se!

(...)

“Mama Brown foi internada com uma infecção aguda no pâncreas”.
“É? Quando foi?”
“Foi ontem. Morreu hoje, às 10”.
“Puta-que-o-pariu! Mama Brown morreu?”
“Morreu, o enterro é amanhã, às 15h. Cê vai?”
“Sei não. Tenho umas entregas pra fazer...”
“Eu também tenho uns assuntos pendentes...”
“É, vamos ver se dá”.
“É, talvez”.

Pobre Mama Brown... que não tinha um ombro onde encostar a cabeça

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Meu medo é não ter tempo para dizer tudo o que penso

Ei, Fante!
Acorde, John!
Por que as margaridas não vieram no momento propício?
Por que o sol parou sobre as montanhas e não quis se pôr?
Por que estamos tão sós na Noite de Natal do hemisfério?
Por que essa sensação de náusea, esse pânico?
Por que levaram da mesa a garrafa de vinho, meio cheia?
Estamos sós nestas pradarias de carpete marrom?
E por que Josie não cuidou da mancha no sofá?
Oh, vida!

Ei, Fante!
Cadê você, John?
E Bandini com seus sonhos de Hollywood?
Por que as violetas estão mortas ao sol?
Por que a névoa azul-prateada cobre a cidade dos anjos?
Por que esses olhos tristes, úmidos de desamparo?
Por que a fisgada na barriga se lhe beijou a doce Lucy?
Assim é a vida John

Vá agora, não demore...
Se esperar, se esperar até a primavera
Você sentirá o odor, verá o grande esgoto
que se transformou a cidade das luzes e das possibilidades

Eu sou meio você John
Eu sou meio você Arturo Bandini
Sigo um pouco a sua receita –
e devo lhes informar que
ESTÁ FINALMENTE TUDO OK!

Enfim,
A vida é feita de tudo isso, de muito disso que você escreveu, Fante...
De gente confusa, de mulheres, de desejos e sonhos e fé,
de onde tiramos contos, romances, novelas,
risadas, dores, lembranças fugidias e belas...
que ficarão para sempre
sob os olhos dos escolhidos
daqueles que SABEM

domingo, 5 de dezembro de 2010

A derrocada de um pequeno homem

- Ehhe. Ehhhehhheeh.

Olhei. Era um velho, chamado Sigmour.

- Que foi? Não vai com a minha cara? - perguntei.

- Eu já tive mais mulher que você, Dusquene.

- Bom pra você – eu disse e beberiquei meu gim.

- Guardo o nome de todas as mulheres que fodi neste caderno. Ehhhehhhh.

Sigmour balançava uma agenda ensebada, ou algo assim.

- Como é que é, seu maníaco?

- Tá tudo aqui. Nome, local, horário da trepada.

- Você precisa ir ao psiquiatra, Sigmour. E isto é pra já.

Sigmour abriu o livro.

- Ahh, tive mais mulheres com “V”: Victoria, Vance, Vanda...

- Wanda não é com “w”? – perguntou um dos clientes que acompanhava a conversa.

- As minhas são com “V”. Tive três VANDAS.

Sigmour abriu seu sorriso desdentado. Tinha uns 70 anos.

- Me orgulho muito deste livrinho.

- Deixe-me ver os nomes – disse o cliente.

- Isto não é para seus olhos, filho – disse o velho.

- Queime ele - eu disse – ou passe os nomes a limpo. A agenda está porca, imunda. Acho que você não consegue ler os nomes que estão aí.

Sigmour ficou puto.

- ISTO É MINHA VIDA, DUSQUENE. ISTO É TUDO O QUE ME RESTA NESTA MERDA DE VIDA. NÂO ME VENHA COM BRINCADEIRAS!

No que ele falou a agenda veio abaixo. Esfarelou-se.

As folhas espalharam-se pelo chão do bar. Caíram aos pés das pessoas.

E estavam todas em branco.

Sigmour olhou as folhas jogadas pelos cantos. Sua boca começou a tremer. Depois seus braços e pernas. Depois ele inteiro.

Via diante de mim o desmoronar de um pequeno homem. De uma ilusão.

Fiquei triste. Mas não podia fazer nada.

Aliás, fiz. Levantei Sigmour do chão.

Paguei a ele uma bebida forte. E continuei a beber meu gim.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Que você seja o culpado de sua morte

Estamos saturados de várias coisas. De pessoas, de filmes, de animais, de insetos, de salgadinhos, de TV, de falta ou excesso de higiene, as mulheres saturadas dos homens e vice-versa.

A civilização nos força ao convívio, o telefonema nos alcança agora em qualquer lugar, chegamos quase a tocar nos atores com a tecnologia de ponta das TVs. O que nos falta? Tempo.

Se você fala hoje prum sujeito "relaxe, cara", "pegue sua garota, sente num bar, à beira da piscina, peça uns camarões empanados e tome uns drinks", "abra a camisa, deixe o sol bater no peito", é bem possível que ele lhe tome como um louco. "E a grana? Como eu faço pra ganhar dinheiro. Não tenho tempo para me acalmar, relaxar. Você é demente?".

O que você faz da sua vida é problema seu. Mas pense bem. Dê um tempo para você, AFINAL A VIDA É SUA. Não deixe que as premências, as urgências, a busca do (nem tão vil) metal consumam o pouco tempo que lhe resta sobre esta terra miserável.

FAÇA O QUE VOCÊ GOSTA, AGORA!

P.S.: lembrei agora que até comida vem (ou não) SATURADA, tem gordura trans, esse negócio todo.

Esse maldito preconceito que nos ferra

estamos presos nisto, vivemos nisto...
pessoas são hipócritas
caminham para o nada
mas levam seus sorrisos
sua aparente normalidade
seus preconceitos
seus senões

trabalhei numa companhia
nos 15 andares do edifício da firma não havia um negro
não havia nada escrito, nenhum memorando, logicamente
era ordem, implícita, do chefão: "sem negros"

por que isto? para que isto?
algo que só aumenta a raiva e a dor
e a apartação social

pessoas não gostarem de uma determinada raça,
de uma determinada cor,
de determinadas características físicas...
a quem isto serve?
não a mim

talvez a você?
Será?

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

eu poderia falar de algumas coisas...

você foi camiseiro
há sete anos está morto
uma das poucas pessoas sobre a terra
em quem eu podia realmente confiar

você passou os dois últimos anos
sofrendo com um câncer devastador
fazendo palavras cruzadas
no seu caminho sem volta
seus óculos
onde estão?

guardei uma foto, mais nada
sua confusão com o enfermeiro
minha confusão com os fios dos aparelhos
presos a você e a outros tais
na UTI coletiva, absurda
o fardo engraçado
afinal

queria lhe contar as novidades
o mundo prossegue no lodaçal
mas as contas pararam de chegar em seu nome
você tem esse ponto a seu favor
bem

sinto apenas
que seus 75 anos
meu pai
não foram em vão
de algum modo estranho
não foram

Otto Dusquene