segunda-feira, 30 de julho de 2012

...

Catchna
Catchna
Seu amor está distante de mim
como Sudeste Asiático
Estou bêbado, falando com a garrafa.
Bêbado, bêbado, bêbado
como um vaca Margot estrangulada
Oh, Margot
puta das mais longas pernas de Paris
Catchna, Catchna, vem para mim...

...

beber é uma maneira de uivar para a lua
eu lembro das noites em claro como um monge
louco em meio ao tédio
- olhando pirilampos na janela e dizendo
"porra, que merda é essa"
isto é meu apartamento verde, três por quatro

Coisas que saem de mim e não sei onde colocar


200 mil nascimentos diários
mais 200 mil bocas famintas diárias
mais 200 mil necessidades urgentes diárias
60 mil nascimentos a cada 8 horas
e dizem que os ratos é que procriam...

essa quantidade de nascimentos mostra como somos pó

Gatos em noites quentes


gatos nos telhados...
o sexo deles
é uma briga insana,
visceral,
puro dentes, garras
e raiva.
fazem o troço
como deviam fazer
homens e mulheres.
com frenesi
e desespero,
como faca,
rilhando a campa
da noite.
e a lua, vendo tudo aquilo,
todas as fodas –
as nossas e as deles –
deve pensar
"os gatos são melhores...
podem não ser os dominantes,
mas sabem o que e como fazer”

O que rescende a fósforo e gás


essa fortaleza foi erguida aos poucos
ao longo dos anos na planície
ouvindo o ranger da maquinaria
vendo a moedura de carnes e ossos
presenciando o amargor do povo

minha rigidez,
meu escárnio, meu desprezo
foram construídos lentamente
vendo o que fazem os homens
para se manter com o nariz
acima do nível da merda

essa construção
do que hoje eu sou
foi feita de sensibilidade cortada
em tiras, jogadas ao chão

assim,
se sou o que sou agora,
é porque vocês me fizeram pior do que eu
me imaginava

sábado, 28 de julho de 2012

...

ainda haverá uma manhã calma
em que a pressa do mundo não entrará pela janela
ainda será algo melhor
quando os seres humanos
não precisarem
não quiserem
não mais
foder a vida uns dos outros
torcendo contra as possibilidades
dos outros serem felizes

ainda virá o dia
em que algumas moscas, enfim,
se libertarão de rodar
na merda

Bean Jim


Bean Jim foi ao mar
Bean Jim foi à merda tantas vezes
Mas partiu há uma semana, foi ao mar
Bean Jim em sua longa marcha
Encontrou Lucy num meio-fio
Perdida entre caules de flores vivas
De um vestido leve
Pensou que daria certo...

Bean Jim chamou Lucy para o mar
Mostrou a Lucy conchas, peixes e redes
Lucy sorveu a maresia
Bean Jim construiu cabana
Buscou na mata frutos
Mas, depois, não quis ficar
Bean Jim é interior
Bean Jim
é

Mas Lucy, a escrota, ficou...

Falo a ela sobre os meus erros


Estou relaxado sobre a poltrona
Esticando
Barriga ao sol
A dona ali, me espiando
Vendo se eu não escarro ou faço algo pior

Dou um “tchauzinho”
Ela fecha a cara e a persiana
Ela tem belos peitos, mesmo

Eu abro a lata de cerveja
- é sempre bom ter uma lata de cerveja
e uma mulher pra acariciar
e um sistema de jogo
e uma caneta a mão pra riscar uns poemas
e, sei lá

Eu não ligo pra muita coisa
O prêmio acumulado da loteria, por exemplo,
Pássaros, crianças, programas da TV aberta,
Cruzadas, escritores contemporâneos,
Gente em geral e em particular

Só tem o seguinte
Não me perturbem quando eu estiver
fazendo algo de que realmente gosto
Eu não me lembro do que, especificamente,
Mas não me perturbem, nunca

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Um grande amigo do homem

"Onde está Penny? Você viu Penny, mãe?".

"Não". Veja se está debaixo do sofá".

A garotinha saiu gritando "Penny! Penny!"

A mãe ficou na sala. De repente viu uma bola de pelos malhada saltitante.

"Gina, Penny está aqui!".

Gina veio correndo. Viu o minicoelho.

"Ué, mãe, que é aquela mancha em cima dele?

Minnie chegou perto, pegou o minicoelho. Examinou a mancha. Sentiu algo.

Levou o bicho ao nariz.

"É merda!"

Foi aí que Bullford entrou na sala, ainda afivelando o cinto nas calças.

"Seu filho-duma-puta! Cê limpou o cu com Penny, não foi?"

"Que cê queria que eu fizesse? Pedi o higiênico. Você estava demorando... O bicho entrou no banheiro, daí pensei... Por que não? E digo mais: não existe nada tão macio. Um dia você devia experimentar".

Gina saiu da sala chorando.

Penny ficou ali, cochilando na mão de Minnie.  


Passagem para...


"Senhores usuários, é proibido agachar ou sentar no chão do metrô", diz a voz feminina mecanizada que sai da tubulação.

Mensagem completamente inócua.

Os vagões chegam e partem repletos de gente que não consegue nem respirar. Comprimida até a ponta dos pés. Muitos passam mal, alguns desmaiam, por ficar os 45 minutos da viagem imóveis.

Essa sorte não basta.

Durante o percurso o sujeito pode se acomodar bem em frente a outro que lê, que reza em voz alta e quer que todo mundo vá junto, no embalo.

Se há um trem para o inferno, é o metrô na hora do rush.

De vez em quando há uma diabinha suculenta, mais é raro. Muito raro.

terça-feira, 24 de julho de 2012

...

Só uma pergunta:

Como é possível uma única pessoa comprar seis mil balas pela internet, mesmo que seja espaçadamente, e o governo federal não ter essa informação?

É lógico que o demente estava tramando alguma coisa.

Sem título ou diminutum II


não consigo escapar da idiotia e do inconformismo humano
entranhados nas calçadas e avenidas em crostas.
por mais que eu me esquive: sempre os mesmos infelizes,
murmurando porque não tiraram o grande bilhete.

“Por que não eu?”,
Baby Blue me perguntou.
Era uma boa puta, mas tinha aquela verruga vermelha, enorme,
do lado esquerdo do nariz
Aquilo me causava tonturas, calafrios, noites sem sono.
Eu não soube responder, só queria escapar da mesa.
“Você não gosta de mim, não é Dusquene?”
“Eu não gosto de muita gente, Baby.
Não gosto de 99% das pessoas. 1% eu tolero porque bebe”.
“Você seria capaz de amar uma mulher como eu, Duc?”.
Olhei para o troço em seu rosto, querendo, buscando outra coisa, mas...
“Talvez, Blue, Talvez... Depende de várias condicionalidades...”
“Que porra é essa de condicionalidades...”
“Tudo na vida depende de condicionalidades”.
“Vá se foder, Dusquene! O problema é a verruga, não é?”
“Não deixa de ser uma condição”.

enquanto ela ainda dorme...


estamos muito sós a qualquer hora
mesmo com quilos de ideias na mente
mesmo com o rugir da estupidez planetária
mesmo com essa bagagem de vida
mesmo com tudo isso – e um pouco mais

preciso desse isolamento?
preciso mesmo é da sala do apê iluminada,
dos móveis práticos, maleáveis,
de uns tira-gostos me esperando,
umas latas de cerveja no congelador,
preciso um pouco disso tudo

bom mesmo é voltar para casa
ver Gill dormindo tranquila
ronronando seu ronco
de gata em lençol
de linho

ECCE HOMO


40% da humanidade sofre de depressão. Um terço tem tendências homicidas ou suicidas. Metade tem algum transtorno mental leve ou severo. 20% são esquizóides. Eis o homem...

Continuando...

Quatro milhões de anos desde o primeiro australopithecus afarensis até nós. E o negócio só se agrava.

Talvez tenhamos esquecido de que nosso cérebro evolui tanto na lógica como na criação de doenças psíquicas.

70% da humanidade tomam algum tipo de psicotrópico, sonífero, estimulante ou antidepressivo.

Não sei aonde iremos chegar. Mas não gostaria de estar lá pra ver esse homem novo.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Persianas em forma de vidraça em estilhaços

1
A insanidade está no homem como a água para o peixe.

2.
Viver é uma tormenta.

3.
Qualquer coisa que eu disser não valerá absolutamente nada no mesmo instante.

4.
Meu universo é a próxima rua.

5.
O melhor da vida é observá-la, de longe.

6.
Quando não houver mais nada, ainda assim nada haverá.

7.
"Dusquene, você é um porre".
"É por aí".

8.
Saibamos nos esquecer, baby.

9.
Em 2112 o mundo estará muito mudado, mas as pessoas não.

10.
Tudo igual ao abrir a porta.

Reflexão num dia de tempestade


a vida é passageira, homem,
mas parece que já vivi um século
no meio do turbilhão há quase cinco décadas
e hoje estou melancólico, triste mesmo
quero meus bons tempos de volta
mas sei que jamais os terei
e terei que seguir em frente
mesmo assim
bem ou mal
em frente
sempre

creio sinceramente
que os bons tempos já passaram
e realmente estou chateado por isso
era um tolo, mas havia sempre a possibilidade
do ouro na moldura dos dias que viriam

o que me resta agora é engasgar com o metal na boca seca
revirar no sofá, confrontar essa angústia no peito
e o maldito sol que desponta
atrás da persiana

Pensamento


O perigo está
Em não dizer a palavra exata
É não ter opinião sobre alguma coisa essencial
Eu escrevo para ver meus demônios
Não para a posteridade, essa puta,
Mas escrever não deixa de ser uma forma de ação
De rebeldia, de ir além da morte, da dissolução

Cada página em branco que preencho
Fortalece a mim, atiça, anima
Engrossa o fio da vida
E apressa meus dias lentos

Talvez eu seja realmente egoísta
E não queira desaparecer simplesmente, como qualquer um,
Atravessando o neon das ruas como uma sombra
Que não se prende a nada

sábado, 21 de julho de 2012

Aos que se acham no Colorado

quando é permitido a um louco se municiar
e confundir realidade e ficção,
é preciso repensar a possibilidade de
um indivíduo comprar tantas armas,
é preciso repensar tudo
e mais um pouco

meu profundo pesar a quem perdeu parentes e amigos nessa tragédia


,,,

o sol
que eu lembre de meus dias de sol
que a face da Terra permita que eu lembre
meus dias de sol

caminhando ao lado do longo muro
nas calçadas repletas de luz
de bares, de conversas
esparsas

o sol
me faça sempre recordar
da espera para tomar o primeiro gole
do vício do jogo
leve, leve
como uma marreta
destruindo mínimas possibilidades

o sol
se faça em mim
completamente bêbado

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Dia de viver mais e melhor (ou nada)

"Cem anos, quatro gerações".


"E daí?"


"Você perpertuou seu nome, Dusquene. Seus filhos tiveram filhos, que tiveram filhos".


"E daí novamente".


"Ora. Muitos não conseguiram essa façanha. Você foi um dos escolhidos".


"Meus textos foram publicados?"


"Nenhuzinho".


"Então que se foda".


"Não é bem assim . Um de seus bisnetos tornou-se um grande poeta digital".


"Huumm. Não me parece grande coisa".


"Não é mesmo. Mas é a herança que você deixou para o mundo... filhos de seus filhos".


"OK. Isso você já disse... Posso voltar para a luz ou o que lá isso seja?"


"Pode. Você é um vencedor, Dusquene, lembre-se disso".


"Isso é o que você pensa, amigo. Isso é o que você pensa".





Meu eu que não domino


não entendo bem suas caras rudes,
sua apoplexia,
esperando talvez uma réstia de luz
em suas vidas mornas, inúteis

hoje é sexta-feira
os bares estarão cheios de nada,
amadores bebendo, mulheres lamentando,
tomados por velhas histórias e piadas

vão beber, urinar, rir, berrar
obscenidades para a lua
dentro da luz neon
da rua

pensam que isso é resistência, arte, mas não é,
eu não penso em nada,
mas é confortável ter o corpo
e a mente, cansados da semana,
finalmente livres

tirar os sapatos sujos
jogar meias, cueca e camisa no cesto de roupas,
uma toalha tampando o inferno,
estirar os dedos dos pés, grunhir um pouco,
e, por fim, dando tudo por consumado,
mamar uma cerveja, estalando de gelada

Um conversinha no almoxarifado...


“Não tenho nada de errado, Wilburn. Sou perfeitamente capaz de lhe dar uns tabefes”.

“Deixe disso, Fred. Não falei dessa maneira. Você olhou pelo lado torto”.

“Quando você falou foi pra sacanear. Conheço bem pessoas de sua laia, Wilburn”.

“Não falei por mal quando disse ‘me dê uma mão, aqui’. Estou com problema na contabilidade, é só. Queria uma ajuda”.

“VOCÊ É UM TREMENDO CANALHA, WILBURN! UM GRANDESSÍSSIMO FILHO-DUMA-PUTA!”.

Daí Wilburn partiu pra cima de Fred, que só tinha um braço e não teve como se defender.

Consumatum est


essa urgência do vil metal
do automóvel do ano, da gasolina Premium
das férias inadiáveis, da mulher do ano,
do vale-brinde, do status
tudo isso mata
e rápido

essa obrigatoriedade de caminhar entre iguais
esse acaso de conviver com os idiotas
essa necessidade de ir toda semana ao mercado
comprar material de higiene
alguma alimentação
e umas garrafas

torna as pessoas cada vez mais duras
cada um cuidando de si
ninguém de ninguém
nem do irmão
nem da mãe

e assim caminhamos
no pesadelo da contemporaneidade
em que todos se desconhecem
embora vagamente conhecidos


Dusquene, ao entardecer

quinta-feira, 19 de julho de 2012

...


Sensação de algo perdido no limiar


um sol imenso queimando calçadas e ruas
sangrando meus olhos
eu jovem ainda 
a vida pela frente
uma rua de fogo, de miragem,
quase um vão entre o ontem e o hoje, 
onde existo 


a vida por beber
- o álcool das coisas
- a monotonia imensa
o enfileirar de gente igual
e o sol naquele maio
naqueles rostos rudes
de um lugar que nem me lembro
onde
mas que não esqueço



Gina Blackout


faz um ano de sua morte
enforcou-se com a calcinha
num cubículo da Ramsayne street
depois de ser surrada por dez anos por Leroy
Gina Blackout
lembrem-se desse nome
um dia vocês toparão com ela
no Paraíso, ou com uma igual
no próximo bar

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Um amor

"Candy voltou", disse seco Ellfroy. Murray fechou a cara. "Como essa puta pode voltar depois de tudo que me fez", disse para si mesmo. "Calma, não faça nada de que você venha a se arrepender depois". "Ela não merece estar aqui. Deixou o menino quando ele tinha três anos". "Mas você contribuiu com a bebida". "Não é motivo para ela sair abrindo as pernas por aí. Uma puta..." Candy entrou devagar na sala. Murray a olhou fixo. Ela trazia ainda os olhos baixos que sempre teve. Estava velha, como ele. "Oi...", ela disse. Ele não disse nada, só chorou e caiu de joelhos de saudade.

...

sempre é bom quando você vem
sem perguntar de onde vim
sirvo o melhor drinque
para a melhor mulher

baby, com você eu vou ao céu
"Dusquene, você tem até alguma classe".
"Nenhuma, nenhuma".
"Tem sim. Não negue".
"Nenhuma".

ela me dá um beijo de boa-noite
eu fico um pouco mais com a garrafa

Os caminhos que nos levam a...


coisas boas e ruins acontecem todos os dias a todo o mundo
as possibilidades estão a procura de...
uma possibilidade de ganhar na loteria - ou não
uma possibilidade de se ver no inferno - ou não
de topar com uma mala de dinheiro - ops! - não
de ter grana para pagar as contas no fim do mês
de não sair mijado, cagado, cuspido no fim do dia
de criar os filhos
alimentar o cachorro
entornar umas cervejas
de rir ou sofrer

ou seja, o mundo está aberto às escolhas
é só você colocar o pé na estrada
e querer experimentar
esse ou aquele chão

também há a possibilidade
de só permanecer quieto
por um longo, longo tempo
aguardando
esperando
uma oportunidade melhor
bem melhor

Mulher


difícil é não saber seu nome
chegar neste apartamento imundo
e ficar pensando naquela mulher
na sorte que o mundo tem
de ter aquela mulher sobre a face da terra

difícil é não ver possibilidade de encontrá-la
para dizer como ela é importante para mim
dizer como as coisas poderiam ter sido
diferentes em minha vida se eu a tivesse
visto antes, bem antes, de tudo e todos

difícil é a falta de uísque para esquecer
o sono adiado pelo trabalho insano e inútil
que só enriquece o empregador
e enlouquece os demais
e que, agora, não vem

difícil é saber que talvez nunca mais irei vê-la
descer de um carro, andar como ela andou
cabelos soltos, ao vento...

saber que eu só tenho uma vida e não poderei viver com ela

segunda-feira, 16 de julho de 2012

A loucura que nos convence de uma maneira inexorável

Entrei no metrô. Sorte naquele dia. Um lugar vago. Sentei. Comecei a folhear o jornaleco que distribuem nas estações. Numa cadeira lateral, uma dona loura de meia idade. Eu estava nas páginas de esporte, conferindo os resultados. Então, do nada, o tique. O maldito tique que veio das profundezas de não sei onde. Na minha frente, um esgar da mão esquerda com um puxão, quase um tapa, também para a esquerda. A mão da loura roçou o jornal. "Porra, de novo não", pensei. Tinha comigo um trauma com uma cabeça num restaurante, uma cabeça de uma dona também, que agitava de cinco em cinco segundos, para o lado. Olhei. Havia visto o movimento da loura, enquanto mudava a página. Mais 30 segundos, o esgar e o repelão. Novamente o bater da mão no jornal. "Dona, por favor, que bosta é essa?". "O que?". "Essa merda enervante que você faz com a mão, tumultuando ainda mais esse mundo insano". "Não faço nada". "Como não? E esse tique dos infernos?". Imitei, sério. O povo que estava perto gostou. A velhinha desdentada do meu lado riu. "QUE TIQUE! NUNCA TIVE TIQUE ALGUM! JAMAIS! QUE É ISSO DE TIQUE?! VOCÊ SÓ PODE ESTAR DE BRINCADEIRA COM A MINHA CARA". "Tudo bem, dona. O mundo é que não se enquadra aos seus movimentos". Durante a conversa, haviam se passado os 30 segundos. O esgar da mão de pássaro veio forte desta vez e o repuxão arrancou o jornal de minhas mãos. Eu sabia que o troço viria, por isso havia levantado de propósito algumas páginas. "Tá vendo, dona... ESSE TIQUE! É dessa porra que eu estou falando...". "QUE TIQUE?! ALGUÉM AQUI VIU ALGUMA COISA? VOCÊ SÓ PODE ESTAR MALUCO!". "É, dona, de certo modo, todos nós estamos". Apontei para uma idosa que entrava e lhe passei o lugar. Na hora que a velhinha sentou eu abaixei e lhe disse, alto: "Olhe pra janela, vovó. Sempre pra janela. Jamais para frente. NUNCA! Ouviu bem, NUNCA!". Olhei, então, para a loura de meia idade, que se remoía. Dei tchau, ri e desci naquela parada. Esperaria uma nova composição.

Sex on the table

os homens enlouquecem as mulheres
e elas não deixam por menos
destroem um homem em dois tempos

e vamos neste jogo louco
até o fim
até ficarmos diante de uma parede branca
babando, atordoados

é um negócio insano
homens e mulheres necessitam uns dos outros
mas vivem para infernizar uns aos outros
essa é a criação, o mandamento,
o viaduto...

bom Deus...

Infâmia enquanto ainda resta algo a dizer


"A porra da minha irmã é uma neurótica".

"É?"

"Todo dia se desentende com o chefe do almoxarife e a sua pressão vai a 22".

"Puta-que-o-pariu... O troço é sério, então?"

"Nada, ela é toda sensível. Se o cara manda ela tirar quatro resmas de papel da segunda prateleira e colocar no carro, para distribuir nas seções da firma, ela já estremece. Pensa que é punição".

"E não é?"

"Nada. Punição quem recebe é o camarada que dorme com uma merda dessas".

Bullford riu, com o cigarro na boca.

"E sua irmã, presta?", perguntou Gillmore, meio receoso.

"Dá pro gasto. Vamos empilhar mais uns sacos e depois vamos ao Joe´s tomar uns tragos".

sábado, 14 de julho de 2012

...

Se você viver um pouco mais que um dia morto
se você conseguir
talvez escape
da grande teia armada
para ferrar o viajante

Cuspirá, ao final, no chão o musgo
o catarro da madrugada,
e verá duendes sob o sofá
e enlouquecerá sobre os follios
nunca impressos

Este dia sim, o único que valerá à pena

Relax


tive meus dias sob o sol
tomando uns drinks
vodca com limão
numa espreguiçadeira

limpei os poros em saunas
mergulhei em piscinas
marítimas
em clubes
chiques

"Dusquene esteve aqui,
o escritor e poeta,
relaxou aqui"

um dia colocarão uma placa
comemorativa

não, nunca colocarão,
eu sei

estou apenas lembrando
os bons tempos
para fugir
da paura
que me envolve
agora

um dia
quem sabe?
os bons tempos voltem
com força

A morte do grande amor


Samantha Sunshine cruzou uma linha perigosa
confrontou o amante, num bar, num dia de lua alta
ninguém dizia poucas e boas ao Joe e saia impune
Joe estava prometendo há dois anos deixar a mulher por Sam
mas todo mundo sabe que Joe não deixaria sua mulher
e os dois filhos por Sam
não ele, não Joe

Sam xingou pesado Joe
Joe não é homem de receber xingamentos, nem de mulher
levou Samantha Sunshine pra fora e a moeu de pancada
os garçons olharam mas fingiram não ver
nem os clientes
que continuaram a rir e a beber tranquilamente

...

"Vá", me disse Maggie.
"Pra onde? As pessoas estão em todos os lugares", eu disse.
"Você não gosta de algum lugar específico?"
"Perto das bebidas".

"Nunca vi um sujeito porra-louca, permanecer eternamente assim?"
"É, baby, cérebro amadurece".

"Literatura é uma palavra que deveria sumir do dicionário".
"Dicionário é outra palavra que deveria sumir".

"Dusquene, você já tem 500 escritos entre prosa e poemas?"
"É, perto disso".
"Por que escrever tanto, quase todos os dias?"
"Talvez seja realmente uma forma de não enlouquecer diante da mediocridade".
"É?"
"É isso".

"Dusquene, você já era".
"Também acho".

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Antes do amanhecer é legal e legítimo

1
A realidade é intragável, cigarro não.

2
Quando uma mulher abre a boca, cuidado camarada.

3
Ninguém sabe o dia de amanhã, principalmente os videntes.

4
"Qualquer desculpa sua, Dusquene, vale uma merda".

5
Quem ama, tolera.

6
Viver é uma genitália fodida.

7
Quando penso no país... O que? Afinal, quem pensa no país?

8
Escrever é um modo de exterminar... os outros.

9
Vencer faz parte da mesma derrota. Todos somos carbono, irmão.

10
Dizer "eu te amo" ajuda, às vezes.

A confiança e a serenidade em plena luz, na varanda

"Você não sabe o que fiz ontem, Lilly". "Que foi, Timothy". "Matei um canário". "Como?!". "É, ele fugiu da gaiola, sabe. Foi parar debaixo do sofá". "Mas...". "Minha mãe pediu para eu pegá-lo. Enfie a mão e peguei ele. O canário amarelo, na minha mão". "E como foi que....". "Daí não resisti. Lá mesmo, com a mão ainda escondida, apertei forte". "Seu filho-duma...". "Senti o corpo do bicho endurecer. Morreu rápido, eheh". "E sua mãe, o que disse?". "Quer agora um periquito. Ela não ia muito com canários".

Janso


já fui um rato de bar, confesso
eu e Janso
e outros, e muitos

Janso já morreu
negócio feio
começou a vomitar a bebida
apagou retornando
pro cubículo onde morava
morreu dias depois

tinha o riso fácil
grande sujeito o Janso
bom de papo e de gole
faz falta nesta mesa agora

quarta-feira, 11 de julho de 2012

A rombuda face de um mal que persiste


eu não tenho escolha
todo o dia me levanto, vou trabalhar
e dou de cara com uma multidão
que eu não queria ver

os rostos me deprimem
a sensação de inutilidade de suas vidas me deprime
a vaga lembrança neles de algo vago me deprime
até mesmo a suposta confiança que aparentam de querer prosseguir

caminho entre pessoas como mais um sacrificado,
fodido, malbaratado, estúpido ser das massas
penso: "bem, pelo menos, é sexta, não os verei por dois dias..."
não deixa de ser um alento, ainda com a possibilidade dos drinks no Salute a vida já não é tão ruim

Solidão à luz do nada incólume

detesto muitos indivíduos
que andam nas ruas
detesto porque desistiram
de alguma coisa
importante para eles
e que deveriam ter feito
para dar algum sentido
apenas

melhor que se fossem
de vez
abririam a paisagem
com a sua ausência

os derrotados
trazem consigo um cheiro que impregna
que gruda
que mata

são seres deprimentes
que buscam engolir o máximo da vida
existente ao redor

que pedem "licença" para tudo
até para cagar na própria privada
acho

fazem mal um bocado
mas pululam que nem vermes
em cadáveres de quatro dias

mas temos que vê-los por aí
fedendo
matando o pouco tempo
que os outros têm
inclusive eu

terça-feira, 10 de julho de 2012

...

o problema da bebida
é a ressaca moral
- é, meu camarada, ela existe sim
"Porra, porque fui tão fundo naquele dia, de vertigem"
é uma merda,
os dias seguintes não rendem
há uma angústia no peito
e foi você que, mais uma vez,
fez isso consigo mesmo

"é, Dusquene, uma vez mais..."
e os sujeitos estão ali bebendo,
e todos, numa grande turma de bêbados,
um bando desqualificado,
rindo de suas próprias misérias
e ressacas brutas

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Para que servem as coisas e suas cores

"Por favor, os assentos em azul são para idosos, pessoas portadoras de necessidades especiais, pessoas com crianças de colo e com dificuldades de mobilização".

Sentei num dos bancos azuis.

Cinco minutos depois, chegou uma velha perto de mim, logo após a voz novamente lembrar para que serviam os bancos azuis.

"Você não ouviu o que a moça disse..."

"O que, minha senhora?"

"... E pessoas com dificuldade de mobilização".

"Oh, desculpe, entendi 'de ereção' ".

Ri.

Todos riram também.

Levantei, brincalhão, deixando um lugar quente para a velha.

Miragem de uma vaca na estrada do desconhecido


a semana é sempre em perspectiva
pode ser uma droga - e geralmente é -
ou nela chegar a Fortuna, essa prostituta linda,
e ela poderá finalmente mostrar a calcinha para você

confie, Dusquene, aprenda com os dias ruins
dias de insolação, urticárias e dor,
de suor esfalfante, de pragas e insânias
de nada

lembre-se que haverá sempre a possibilidade
do tinto e do relax, da sorte sentar em seu colo

"E aí, mulher, como você cê chama?"
"Rebecca Money".
"Sobrenome interessante, Reby, Aceita um copo?"

E ela aceita e ela põe a língua fria na sua boca
e, com a mão macia, pega o mangalho, já teso.
"Hoje a sorte sorriu pra você, Duc".

E ela sorri aqueles belos dentes de pérola
na moldura do carmim intenso.
"É, baby, eu merecia um descanso das trincheiras".

"Então, Reby, como vai ser? Onde assino para receber a grana?"
E ela me mostra um pergaminho antigo,
retirado da liga preta de sua perna direita.
Ela toda de seda azul, perfeita, maravilhosa...
"Aqui, no pontilhado".

Ao colocar a caneta na linha indicada, eu noto
a expressão no meio do texto, diminuta, mas logo acima.
"e assim ele concede sua alma".
"Porra, de novo essa história de alma, Reby".

Mas quando eu levantei os olhos a puta havia sumido.
E eu ali, no quarto, segurando a caneta verde-enxofre
com o zíper aberto e o pau penso.

O inexplicável momento de nada dizer


A velha Mildred gostava de colocar uns vasos com plantas no parapeito da janela. Gillmore alertava Mildred.

"Qualquer hora um troço desses balança, cai e faz um estrago na cabeça de alguém. Se for comigo, as consequências serão graves...".

"Você está me ameaçando? Vou telefonar para a polícia".

"Dona, telefone para o escambau. Eu já lhe dei o aviso".

Um dia aconteceu. Um dos vasos com gerânios despencou e estatelou no piso da entrada, bem na hora que Gillmore saia pro trampo. O adubo negro do vaso cobriu as barras de sua calça creme e penetrou nos sapatos. Uma merda só. Gillmore olhou para cima e viu Mildred assustada, segurando um vaso que ameaçava cair.

"Eu lhe avisei", disse ele.

Gillmore abriu com força a porta do prédio de três andares, sem pilotis.

O que se ouviu depois foi o baque surdo de porta escancarada a pontapés, os gritos de Mildred e o barulho de vasos se quebrando no 279.

"Você é louco. Um homem insano aqui. Minhas azaleias, meus gerânios! Oh, meus pobres gerânios...".

Mas Gillmore continuava, firme, a destruir os jardins suspensos.

terça-feira, 3 de julho de 2012

...


"Catchna,
Catchna,
Oh, minha Catchna!"

Bullburn andava pela Pomerode, bêbado, gritando esse mantra, das 23h até as 4h.

Falou isso durante três dias. No quarto foi ao céu.

Um balaço pelas costas.

Até hoje todos querem botar os olhos em Catchna.

Deve ser das boas.



Um pouco de culpa e um dólar apenas


as pessoas são premiadas
de muitas maneiras
e você, Dusquene?
papando mosca...

bebe uma cerveja,
é, esta noite o bar está legal,
aparentemente

até o momento
o copo enchendo e esvaziando na boa
ninguém veio puxando conversa,
enchendo o saco

alguns conhecidos apenas,
"e aí, Dusquene?", dou um "Olá, amigo"
ninguém vem sentar na mesa,
isso é legal

a vida pode ser boa
é só você confrontar a pressão dos idiotas
e deixar rolar com a bebida,
fico de olho

as mulheres dos bares
têm longas estórias tristes, de solidão,
e ancas e seios sexys,
mas hoje não, não vou investir,
não quero ouvir e foder nenhuma delas
quero apenas, e somente, beber

é isso

Grande pequeno homem


grande pequeno homem que anda na rua
você aí, meu chapa, que jamais irá à Europa
você, que gosta dos bares e detesta TV
você, que não tem qualquer paciência ou chance
grande pequeno homem

você sabe que joga contra dados viciados
você, que não tem qualquer controle sobre a dívida,
você, atirado no buraco do cu da crise americana
grande pequeno homem que, aos berros,
vomita por todos os poros

grande pequeno homem que atravessa a rua,
depois de empacotar mil mercadorias em um supermercado
e tomar vários tragos no bar e ainda levar uma garrafa,
você merece um pouco de serenidade,
um pouco que seja, fugir de tudo,
se desvencilhar do abrangente nada
da torpeza humana

a minha solidariedade não importa, não vale coisa alguma
não resolve os seus problemas, nem os meus,
mas, sei lá, eu precisava dizer estas palavras

segunda-feira, 2 de julho de 2012

No lar, ardente sobre a relva fresca

"Você fica aí sentado nesse sofá, mamando uma dúzia de cervejas por noite. Você não sai comigo. Você não presta, Seymour!". "O que é isso! Tivemos aquele jantar na casa do Bullford e da Annie há três meses... Não diga que eu não sou um cara legal". "Você não liga para as minhas necessidades. Estou perdendo a vida neste apartamento. Entra dia, sai dia, e nada acontece". "Como não? E aquele atropelamento do garoto aqui bem em frente na semana passada?". "Até a Suzzy não aguentou. Foi morar com uma amiga. Pelo pai que tem...". "E você acreditou nessa história? Ela juntou os panos de bunda com aquele desgraçado magricela que vinha aqui filar o meu almoço". "Não diga isso de nossa filha única, seu imundo. Você realmente não presta". "Eu sou um bom marido pra você, Minnie". "Marido bom, é marido morto!"