Era um castigo maldito.
Acordava aspirando a fumaça de breu da Steak Grill, ao lado. As janelas do cubículo onde eu morava pareciam feitas de carvão, de tanta fuligem depositada pelo vento. Fui reclamar com o gerente judeu do restaurante. O cara disse que iria construir a droga da chaminé até o topo do prédio dentro de um mês, no mais tardar. Um mês logo já era três.
Fui lá de novo:
- Estou respirando madeira torrada há três meses. Cadê a chaminé, Fullman?
- Sai em menos de um mês. Sem falta. Prometo.
- Esquece. Quero a chaminé para ontem. Trate de providenciar o troço, senão...
Fullman ficou sem cor. Entendeu a advertência como ameaça. Porém, eu quis dizer apenas que, se ele não erguesse a chaminé, eu apresentaria reclamação formal no Departamento de Obras e Posturas da prefeitura. Mas deixei correr, sem nada explicar, para ver no que dava.
Quinze dias depois a chaminé estava lá, suspensa no ar como a Babel antiga. Vazava dia e noite sua tosse negra. Mas nas alturas. Sobre os edifícios residenciais. O tumor carregado pela ventania.
Finalmente pude abrir um pouco as janelas. A fuligem não acabou de todo. Mas melhorou um bocado.
Num final de semana, Fullman saiu com a mulher para o litoral. Fechou a Steak.
À noite, um gato começou a miar, alto. O som escapava de dentro da chaminé. Talvez o bichano tivesse sido atraído pelo cheiro ou resto de carne e ficado preso, sei lá...
Depois de dois dias de miados infernais, sem ninguém pregar o olho, mesmo de ressaca como eu, a Obras e Posturas, atendendo a inúmeros chamados da vizinhança, arrombou o cadeado da Steak. Acharam uma ninhada de sete gatos pretos, negros como a noite, logo na entrada da chaminé.
Na volta, Fullman encontrou o estabelecimento interditado por evidente falta de higiene.
Nenhum comentário:
Postar um comentário