terça-feira, 31 de maio de 2011

Os 30 melhores poemas de Otto Dusquene, até agora - por ele mesmo (14)

Particularidade de uma expulsão do quadro de avisos

estou cada vez mais sem paciência com a humanidade
meu mau-humor crônico pode estar agravando a situação,
mas sinto que a imbecilidade geral está aumentando
como as heras nos muros
como os lodaçais dos trópicos
como as ervas daninhas nos campos abertos

e não tem volta
a estupidez humana é atávica
abrange todas as classes sociais
todas as culturas e religiões
todos os militarismos
rebelar-se é inútil
tentar escapar
também

por essa e outras razões
prefiro comprar uma dúzia de latas de cerveja
e ficar mamando, só, tabulando as teclas do computador,
sem querer encontrar sentido algum para coisa nenhuma

O fato é o mesmo e sem razão alguma II

nos meus 47 anos
a vida nunca me estendeu o tapete vermelho

sempre andei ao largo
retirando a ferrugem das engrenagens
lubrificando a maquinaria
apertando parafusos
esfolando as mãos
em arestas frias

mas ainda é tempo...
quem sabe um dia alguém me aponte na rua e diga
"é o Otto Dusquene, ele escreve uns troços bem sacanas"

porém,
enquanto aguardo,
esse trago forte não resolve a dureza da ilusão
nem a fatuidade do poema
nem isso, nem isso
muito menos isso

Os 30 melhores poemas de Otto Dusquene, até agora - por ele mesmo (13)

No vácuo daquilo que nos tornamos sóbrios

as pessoas afiam suas garras
em outras pessoas
é seu modo de ser
cumprem um requisito intríseco da espécie
precisam rebaixar
para se sentirem iguais
necessitam da ironia para sobreviver
morder a mão que as alimenta
só para registro
distração
ou posse

isso vai num crescendo
e afeta a todos da roda
- é o caralho esse sistema,
mas evolutivamente funciona:
elimina os fracos

quem não aguenta o ramerrão
a pressão da máquina
se fode
enlouquece,
se mata
ou se transforma
em algo pastoso e vil

milhões de pessoas
caminham pelas ruas sem sonho
ou perspectiva,
geralmente se aferram à primeira
tábua de salvação que aparece,
uma religião, uma seita doida, um vício, esporte,
qualquer coisa serve...

então a estupidez da vida se multiplica
e toma de assalto todos os transeuntes
até ouvirmos a frase definitiva
- que ouvi esta semana...

uma mulher se jogou do 10º andar da Blackshoes street,
o corpo estatelou a menos de dez metros de velho Jo
que, sentado, continuou a beber calmamente seu trago
e apenas comentou, segundos depois,
"não disse que ela ia furar a fila? eu falei..."

Os 30 melhores poemas de Otto Dusquene, até agora - por ele mesmo (12)

Um troço rombudo

"Lucy, quer ver meu caralhal?"
"O que?"
"Tenho uma plantação de caralhal. Tenho só a espiga matriz. Quer ver ela?"
"Se quiser me mostrar?"
"Quero".
"Então mostra".
"Ó".
"Porra, seu caralhal é enorme, Jimmy".
"Com este caralhal levo você pro céu".
(...), disse Lucy

Os 30 melhores poemas de Otto Dusquene, até agora - por ele mesmo (11)

Uma ansiedade que me anima

se ela vier é porque quis
estarei aqui esperando no apartamento
o gato passará no patamar da janela
anunciando sua chegada
mandarei que ele desça

então, eu me levantarei
abrirei a porta e uma cerveja
e esperarei sua chegada
aguardarei um pouco mais
e fecharei a porta
se ela não vier...

sempre fui avesso a esperas
mas, por ela, farei um esforço
mas depois de dez minutos
voltarei a colocar meus pés
sobre a mesa de centro
coçarei meu saco
e abrirei outra cerveja
talvez não nessa ordem

Os 30 melhores poemas de Otto Dusquene, até agora - por ele mesmo (10)

MayBee

MayBee morou logo em frente
MayBee era uma boa mulher
MayBee apanhava de Rudolf
MayBee vivia marcada
MayBee era uma boa garota
que apenas queria ser feliz
Mas apanhava, apanhava,
quando as coisas não iam bem
para seu parceiro de estrada
MayBee nunca gostou de escola
MayBee soube da droga por ele
Não demorou nem duas semanas
MayBee já seu corpo trocava
MayBee dia sim, dia não,
era surrada, apanhava
MayBee, que coisa estranha,
num apartamento mínimo,
fedendo a rato, barata e pico,
apareceu estrangulada
com sua própria calcinha
ela deixou com a mãe
sua filha, Marianne,
de 11 anos incompletos,
e, pelas ruas,
Rudolf, seu amor infinito,
que já anda a procura
de uma nova
MayBee

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Um local tão escorregadio como as bordas do inferno

Fui ver meu pai na UTI. Ele estava em coma, com um câncer terminal. Entrei na unidade, com minha irmã, no horário estipulado. Prazo da visita: 15 minutos. Do lado de meu pai havia outro velho mais velho, também entubado, mas acordado.

A quantidade de equipamentos era grande. Uma confusão de catéteres e instrumentos de metal, monitores, etc.

Comecei a checar as coisas. Sempre fui curioso. Batimentos cardíacos. Balão de oxigênio. Marcadores de pressão arterial.

“Puta-que-o-pariu! Olha só”, apontei para um gráfico qualquer.

“Que foi?”, disse minha irmã.

“Vê isso. Está realmente crítico”.

Nos aproximamos ainda mais dos aparelhos. Os números pareciam de fato preocupantes.

De repente, minha irmã notou que o velho ao lado nos olhava apreensivo. Agitava os braços tentando aparentemente encontrar apoio para se erguer, para enxergar também o que víamos.

Ai minha irmã percebeu. E disse, baixo.

“Otto, esses monitores são do vovô aqui", balançou leve a cabeça pra esquerda. "Os do pai são aqueles ali. Mais ao fundo e à direita”.

Então olhei pro velhote e falei, avermelhando.

“Pressão excelente. Coração, OK”.

E saímos rápido.

Neste dia, a visita a meu pai durou menos de dez minutos.

Os 30 melhores poemas de Otto Dusquene, até agora - por ele mesmo (9)

Meu medo é não ter tempo para dizer tudo o que penso

Ei, Fante!
Acorde, John!
Por que as margaridas não vieram no momento propício?
Por que o sol parou sobre as montanhas e não quis se pôr?
Por que estamos tão sós na Noite de Natal do hemisfério?
Por que essa sensação de náusea, esse pânico?
Por que levaram da mesa a garrafa de vinho, meio cheia?
Estamos sós nestas pradarias de carpete marrom?
E por que Josie não cuidou da mancha no sofá?
Oh, vida!

Ei, Fante!
Cadê você, John?
E Bandini com seus sonhos de Hollywood?
Por que as violetas estão mortas ao sol?
Por que a névoa azul-prateada cobre a cidade dos anjos?
Por que esses olhos tristes, úmidos de desamparo?
Por que a fisgada na barriga se lhe beijou a doce Lucy?
Assim é a vida John

Vá agora, não demore...
Se esperar, se esperar até a primavera
Você sentirá o odor, verá o grande esgoto
que se transformou a cidade das luzes e das possibilidades

Eu sou meio você John
Eu sou meio você Arturo Bandini
Sigo um pouco a sua receita –
e devo lhes informar que
ESTÁ FINALMENTE TUDO OK!

Enfim,
A vida é feita de tudo isso, de muito disso que você escreveu, Fante...
De gente confusa, de mulheres, de desejos e sonhos e fé,
de onde tiramos contos, romances, novelas,
risadas, dores, lembranças fugidias e belas...
que ficarão para sempre
sob os olhos dos escolhidos
daqueles que SABEM

domingo, 29 de maio de 2011

Os 30 melhores poemas de Otto Dusquene, até agora - por ele mesmo (8)

o que largamos no turbilhão ao vento volta

necessário seria apenas um gesto largo
uma palavra mais calma
um sorriso sem pagamento
para salvar uma vida

um aceno de cabeça,
um OK bastaria
um comentário jocoso
qualquer camaradagem
um bater de copos
bastaria

o mundo perde muito
sem esses pequenos gestos
então, mantemos nossas caras fechadas,indiferentes,
como se fôssemos parte de uma competição,
peças de um jogo, lento e brutal

abra um cerveja, homem
cante a velha canção
inaugure uma nova estrada
com um passo
um passo
firme

sei que é difícil acordar
com essa raiva, sempre
esse amargor
essa ressaca social
ainda mais
nessa cama cinza
nesses lençois desbotados
da miséria compartilhada

Os 30 melhores poemas de Otto Dusquene, até agora - por ele mesmo (7)

A merda nossa que vaza todos os dias

o diabo é
o ramerrão
a falta de perspectiva
de grana
as solas dos sapatos gastas
as meias furadas nos dedos e nos calcanhares
o sem saco de
comprar meias e sapatos

o diabo é
o sol, o maldito sol rompante,
o café oxidado
na térmica
de quinta
a danação das ruas
a vontade de ver ninguém
a ressaca bruta
o bolor no armário
e o periquito verde
do vizinho
o pane mental, enfim,
a perda de sensibilidade...


o diabo é isso
a uniforme percepção
social
denunciando sonhos
as pessoas do metrô
com seus rostos vencidos,
banidos, inúteis,
a morte anunciada
em tudo

já no apartamento
depois de um dia morno
ligo a TV
desligo
- esqueço que não há vida na TV -

é tarde,
camarada,
muito tarde para qualquer um
salvar-se

Os 30 melhores poemas de Otto Dusquene, até agora - por ele mesmo (6)

O que os meus olhos veem

quem vê essas crianças de rua
mal sabe o drama de suas trajetórias

são filhos e filhas de pais alcoólatras,
viciados, violentos

são amantes de seus irmãos maiores
ou do vizinho abusador
curradas aos seis anos de idade

crianças forçadas, humilhadas, prostituídas,
espancadas, barbarizadas até a medula
ou até o esquecimento

exploradas por pederastas gordos, travestis, cafetões
violentadas por toda a vida
crescendo com ódio, traumas e dor...

por isso, quando você enxergar
uma dessas crianças em uma rodoviária
- e é fácil encontrar sempre alguma -
pense muito bem como vai tratá-la
o que vai dizer a ela
se algo ofensivo

trate-a com uma educação
e, principalmente, com uma compaixão
que sei que você não tem nem pela sua mãe

Nada no jornal, por hora

Sonia Dee morreu hoje
Num quarto de pensão barata
Cercada de garrafas vazias
E guimbas de cigarro

Sonia Dee
Ajudou muita gente como enfermeira
Mas se viciou em analgésicos
e destilados, sem razão aparente,
como se uma fosse necessária

Sonia Dee
Ao que parece, bebeu até altas horas
Não desperdiçou um minuto sequer
E se foi

Sem título ou diminutum V

1
Um pouco mais de paciência com a humanidade, Dusquene. Viva um dia de cada vez. Suba essa escada rolante, vendo bundas murchas ou gordas demais, sabendo que o pesadelo logo vai acabar.

2
Nem tente avançar. Nem tente.

3
Qualquer bobagem que ela disser, vale a pena, amigo. Se você realmente a ama.

4
Faça agora! O mundo que se foda, e espere.

Os 30 melhores poemas de Otto Dusquene, até agora - por ele mesmo (5)

Catálogo das mulheres que não tive

ela é sexo puro
um ser alado e portentoso, essa mulher...
suas asas são suas omoplatas
- sempre considerei as omoplatas femininas como asas
em nascimento

ela se volta
um instante e sorri
só assim sinto que nem tudo está perdido
que talvez valha a pena colocar a mão na merda
e revolver o limbo à procura da pérola

só assim
penso que exista vida
pelo menos nela
em seu corpo esguio, louro, branco

então, a minha dureza, meu egoísmo
meu ódio por tudo, a minha falta de fé
em relação à humanidade
quase chegam a desaparecer
quando ela surge na calçada
e logo desaparece
numa maldita
esquina
que não deveria
nunca
estar ali

sábado, 28 de maio de 2011

Os 30 melhores poemas de Otto Dusquene, até agora - por ele mesmo (4)

Sortilégio

ela às vezes me olha da escada
quando estou descendo
estanca
não dura muito
mas tem algo ali
pelo menos
ancas e pernas isso tem
um par de olhos tristes
uma boca
um delírio

gosto quando ela encurva
as costas
gosto das roupas justas
da fala
do drink maneiro
bem servido
uísque
depois vodca com limão
depois mais vodca
legal

ela
tem um presságio
de que nada vai acontecer
e eu já estou abocanhando
um dos peitos
tirando a calcinha
pra enfiar o mangalho

a cidade morre ao longe II

1
ninguém conhecerá realmente sua cidade
se não bebê-la, fodê-la, sem devassar
suas misérias, plenamente

2
respeite sua cidade, mas não a tema,
é um bom modo de sobreviver, ir seguindo
mas não a trate como um almoxarifado

3
quem teme a cidade não a vive,
jamais chegará a conhecê-la,
a cidade pede coragem e pele grossa,
camarada

4
existem mulheres que tornam as ruas
uma festa, outras, uma merda

5
as ruas me chamam
como Vicky Lane
ao me abrir suas roliças pernas de neve

Os 30 melhores poemas de Otto Dusquene, até agora - por ele mesmo (3)

Canção

são 3h e 40 da manhã
não consigo dormir de ressaca
então, a voz diz, levante-se homem
e escreva...

mas escrever o quê e por que?
estou esgotado e puto
o ano foi foda
mais um deste e me estrepo

a voz sugere
que tal escrever um poema
com o título "Canção"
todo poeta escreve uma droga dessas
em algum momento
o seu chegou

é,
"Canção"
aí está
valeu pelos cinco minutos
que levei para compor

mas a insônia,
o gosto de metal
na boca
e a voz
ainda estão comigo

Os 30 melhores poemas de Otto Dusquene, até agora - por ele mesmo (2)

Gatos em noites quentes

gatos nos telhados...
o sexo deles
é uma briga insana,
visceral,
puro dentes, garras
e raiva.
fazem o troço
como deviam fazer
homens e mulheres.
com frenesi
e desespero,
como faca,
rilhando a campa
da noite.
e a lua, vendo tudo aquilo,
todas as fodas –
as nossas e as deles –
deve pensar
"os gatos são melhores...
podem não ser os dominantes,
mas sabem o que e como fazer”

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Bean Jim

Bean Jim foi ao mar
Bean Jim foi à merda tantas vezes
Mas partiu há uma semana, foi ao mar
Bean Jim em sua longa marcha
Encontrou Lucy num meio-fio
Perdida entre caules de flores vivas
De um vestido leve
Pensou que daria certo...

Bean Jim chamou Lucy para o mar
Mostrou a Lucy conchas, peixes e redes
Lucy sorveu a maresia
Bean Jim construiu cabana
Buscou na mata frutos
Mas, depois, não quis ficar
Bean Jim é interior
Bean Jim
é

Mas Lucy, a escrota, ficou...

Sempre acho a morte onde mais espero

duro é aguentar a obviedade
99% do que as pessoas dizem não são aproveitáveis
as vidas de milhões não são aproveitáveis, são cracas no asfalto quente
e a esperança de que tudo pode melhorar é um engodo maníaco
e a maior dificuldade é que as pessoas não enxergam isso
e acham suas vidas magníficas, plenamente toleráveis

faz duas décadas que não compro um livro sequer
porque sei que não há um autor que preste,
que possa me dizer, de uma maneira diferente,
aquilo que já assimilei nos meus 47 anos de estrada

antes, bem antes, li o suficiente para saber que agora não existe mais nada
só frouxidão, câncer e linhas mortas
nas bibliotecas públicas

mas tenho que seguir de algum modo: então escrevo para mim
é um mecanismo particular para escapar do vagalhão de bosta
da doentia alegria, da fé insana, da estupidez espectral
do mundo

Os 30 melhores poemas de Otto Dusquene, até agora - por ele mesmo (1)

Os Porquês

por que essa urgência, essa premência
para magoar?
por que as ruas estão cheias de sonhos mortos
que esbarram em pessoas tristes?
por que essa falta de?
por que a ficha jamais cai na máquina?
essa fatalidade...
por que essa falta de qualquer coisa?
tanta ironia e impiedade
por que essa carência de sentimento?
ei,
ninguém sabe a quantidade certa de uísque
que traz a tal felicidade?
será que ninguém vê o que acontece nas ruas?
e por que tantos pobres e,
principalmente,
por que tão poucos ricos
com suas piscinas, carros, mulheres,
e garagens (quero o meu quinhão deste sonho)
e possibilidades
e tudo o mais?
por que esse
abandono
e essa insônia rubra?
porra,
por que ninguém me diz
nunca
"vai cara, você consegue".

Do que sei que não devo tocar

eu não quero ter nada com isso
com essas pessoas de caras felizes, arrumadas,
com os self-made men
não quero ter nada com conglomerados,
shopping centers, grandes eventos,
festivais

sou um homem simples
quero uma vida simples
anseio por uma vida simples
sem a aceleração da vida moderna
sem o aparelhamento contínuo
que estão nos impondo

eles que fiquem com o seu luxo
sua ostentação, seus prédios,
nada disso me impressiona
é só trabalho, trabalho puro e poder

eu não preciso de nada do que eles têm
bem, talvez um pouco mais de grana e uísque
e de mulheres mais fáceis

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Sondra Coxmoney

Eu via Sondra Coxmoney levantar a bunda da cadeira e algo em mim se erguia também. Aquela mulher era um assombro, o ideal de qualquer homem. E estava ali, à mão. Eu adorava suas saias justas, seus peitos, suas pernas, tudo nela era SEXO, do mais alto nível, se é que isso existe.

"Sondra, você me mata um dia desses...", eu brincava e piscava.

Ela ria. Eu também. E assim ia.

Até que um dia eu não aguentei mais.

"Que tal uma escapada na hora do almoço".

"Não posso, Otto, já tenho compromisso".

"Fica para outra vez".

"É, quem sabe?".

Ela encheu a garrafa no bebedouro, sorriu e saiu rebolando sua anca de égua. Eu fiquei ali, vendo aquilo, parado, com a vara querendo romper a cueca.

Deu a hora do almoço. Eu sai. Segui pela galeria até o restaurante a quilo mais próximo. Dez metros à minha frente vi Sondra andando, presa na cintura de uma loura. Pareciam se divertir bastante.

É, Dusquene, não se pode ter tudo na vida, nem Sondra.

Coisas que saem de mim e não sei onde colocar (de novo)

200 mil nascimentos diários
mais 200 mil bocas famintas diárias
mais 200 mil necessidades urgentes diárias
60 mil nascimentos a cada 8 horas
e dizem que os ratos é que procriam...

essa quantidade de nascimentos mostra como somos pó

Uma bobagem qualquer

Saia às 7 da manhã para o trabalho
O vento no rosto aumentava o frio
Tinha 20 anos nessa época
e trabalhava no fundo de pensão dos Correios

Chegava, batia o ponto
e era engolido pela entrada de mármore negro do edifício
Sufocava durante oito horas, calculando auxílios saúde
Não sei como não contrai uma doença terminal

Enfim, depois de três anos, consegui deixar o buraco,
onde vidas são perdidas para o nada,
e estou aqui, escrevendo,
somente escrevendo isso quase três décadas depois
e não me sinto tão mal agora

Sem título ou diminutum IV

sempre me impressiono
com o destino que milhões de pessoas dão às suas vidas
nem sequer tentam arrancar da existência
algo realmente proveitoso

várias desistem antes mesmo de esboçar
qualquer gesto ou reação às dificuldades
simplesmente largam de mão a máquina
e sentam no meio-fio

sabem que ficarão naquela condição por gerações
conformadas em receber da vida o mínimo
contando as gotas que caem das torneiras
dos subúrbios

longe, muito longe de qualquer cidadania

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Na falta de fresta num cubículo com baratas sacanas

1
Ninguém brinca comigo. Ninguém.

2
Quando odeio, é algo visceral, como o sangue.

3
Fé é algo inexplicável, como o ser humano.

4
Quem tem tempo, relaxa.

5
Estamos cercados de músicas que não queremos ouvir. E de gente também.

6
Você nunca pensou? A voz dessa mulher me irrita tanto, a ponto de querer cortar sua língua.

7
Qualquer um pode escrever, mas poucos escrevem realmente a sua vida. A maioria se acovarda.

8
Unanimidade é sinal evidente de burrice.

9
Mulheres feias... Só se forem realmente, claramente, engraçadas.

10
Vou ao banheiro, baby, que já está pingando.

Passagem para...

"Senhores usuários, é proibido agachar ou sentar no chão do metrô", diz a voz feminina mecanizada que sai da tubulação.

Mensagem completamente inócua.

Os vagões chegam e partem repletos de gente que não consegue nem respirar. Comprimida até a ponta dos pés. Muitos passam mal, alguns desmaiam, por ficar os 45 minutos da viagem imóveis.

Essa sorte não basta.

Durante o percurso, o sujeito pode se acomodar bem em frente a outro que lê, que reza em voz alta e quer que todo mundo vá junto, no embalo.

Se há um trem para o inferno, é o metrô na hora do rush.

De vez em quando há uma diabinha suculenta, mais é raro. Muito raro.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Não brinquem com Lenora Fatfull

Lenora FatFull chegou cansada do supermercado, onde trabalhava por 12 horas como caixa e empacotadora. Encontrou Tillburn com uma lourinha em sua cama de ferro. Tillburn ficou mais branco do que era e a lourinha tentou sair da cama, em vão. Recebeu um tapa bruto de Lenora, que quase lhe virou o pescoço. Lenora trancou a porta e disse.

- Não saiam daí! Nem tentem!

Foi à cozinha e, dez minutos depois, voltou com uma jarra de café bem quente e um sorriso escroto.

- Vamos beber. Tillburn adora café.

- É? - tremeu a loura.

Lenora entregou uma xícara para Tillburn e uma para a lourinha.

E seca avisou.

- Coloque perto do seu pau e você, minha querida, perto da xota.

- Mas o que você?

Tillburn não terminou a frase. Um tabefe estalou em sua cara.

- Faça! - Lenora intimou fria.

O que se ouviu no apartamento em seguida foram berros tenebrosos, entrecortados com sopapos, e uma vozinha, ao longe...

- Um pouco mais de café, querido? Oh, você também quer? Não seja por isso...

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Pensamento

O perigo está
Em não dizer a palavra exata
É não ter opinião sobre alguma coisa essencial
Eu escrevo para ver meus demônios
Não para a posteridade, essa puta,
Mas escrever não deixa de ser uma forma de ação
De rebeldia, de ir além da morte, da dissolução

Cada página em branco que preencho
Fortalece a mim, atiça, anima
Engrossa o fio da vida
E apressa meus dias lentos

Talvez eu seja realmente egoísta
E não queira desaparecer simplesmente, como qualquer um,
Atravessando o neon das ruas como uma sombra
Que não se prende a nada

Reflexão num dia de tempestade

a vida é passageira, homem,
mas parece que já vivi um século
no meio do turbilhão há quase cinco décadas
e hoje estou melancólico, triste mesmo
quero meus bons tempos de volta
mas sei que jamais os terei
e terei que seguir em frente
mesmo assim
bem ou mal
em frente
sempre

creio sinceramente
que os bons tempos já passaram
e realmente estou chateado por isso
era um tolo, mas havia sempre a possibilidade
do ouro na moldura dos dias que viriam

o que me resta agora é engasgar com o metal na boca seca
revirar no sofá, confrontar essa angústia no peito
e o maldito sol que desponta
atrás da persiana

Relax, bastard

ei, cara,
aonde você vai com essa pressa toda?
o que você espera encontrar no final?
quer vencer quem ou o que?
quer alicerces rijos para a sua descendência?
mas você pode não conseguir
pode se esfalfar tentando, suando, tentando,
perder a sanidade, os dentes, a festa,
os drinques estão servidos, aproveite agora

ei, cara,
o que você pensa em fazer aos 50?
por que não relaxar e viver um pouco na sombra?
por que essa urgência plena e insatisfeita?
você pode não conseguir
pode rasgar os joelhos rezando, latejando, rezando,
mas não vai conseguir tudo o que deseja,
ninguém deixa, ninguém, aproveite agora

se acalme
e mande todos os bastardos que enfernizam sua vida,
com suas loucas necessidades, ir lá fora e juntar grandes bolas de merda

domingo, 22 de maio de 2011

Sem título ou diminutum III

temos que ter paciência, ir devagar,
saber tirar proveito do tempo,
jogar com o tempo, aprender com
aquilo que o tempo traz,
questão de vivência
e de sabedoria

assim as peles dos homens se tornam mais espessas,
seus olhos ganham rugas, as mãos calos e determinadas
certezas

temos que ter paciência para enxergar
o que a vida nos proporciona
de ruim e de bom
de reflexão e assombro

eu aprendi a esperar, acho,
sem a pressa natural que qualquer espera
deriva, sem aguardar qualquer abolvição ou redenção

sábado, 21 de maio de 2011

Intervenção

"Então, sr. Dusquene, o que tem a dizer?"

"Que estou seco. Que tal um tinto?"

"Esta reunião é justamente para você diminuir a bebida"

"Pensei que as duas estivessem aqui para uma farrinha particular"

"Concentre-se, sr. Dusquene, somos da Assistência Social. Sua situação é deplorável"

"Não menos lamentável que a do cachorro do vizinho"

"Que tem ele?"

"Sei lá. Sarna?"

"Que tal parar de beber por uma semana?"

"Que tal um dia?"

"É pouco. Quatro"

"Fechamos em dois"

"Tudo bem"

"Mas a partir de amanhã e com uma compensação"

"Qual?"

"Irmos imediatamente para a cama"

"Seu filho-duma..."

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Meu eu que eu não domino

não entendo bem suas caras rudes,
sua apoplexia,
esperando talvez uma réstia de luz
em suas vidas mornas, inúteis

hoje é sexta-feira
os bares estarão cheios de nada,
amadores bebendo, mulheres lamentando,
tomados por velhas histórias e piadas

vão beber, urinar, rir, berrar
obscenidades para a lua
dentro da luz neon
da rua

pensam que isso é resistência, arte, mas não é,
eu não penso em nada,
mas é confortável ter o corpo
e a mente, cansados da semana,
finalmente livres

tirar os sapatos sujos
jogar meias, cueca e camisa no cesto de roupas,
uma toalha tampando o inferno,
estirar os dedos dos pés, grunhir um pouco,
e, por fim, dando tudo por consumado,
mamar uma cerveja, estalando de gelada

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Big Lou

Big Lou não dorme
Tem o sonho de ser atriz
Tem dois vestidos prontos
um pra première
outro para vagar
à noite

Big Lou quer festa,
drinques, o estrelato
Cansou de apanhar de Wilburn,
o cafetão do pedaço,
mas isso faz parte da estrada,
longa estrada

Não apanha mais
Encontraram ontem o corpo de Big Lou,
com as tripas pra fora,
num beco da Sétima

Um sorriso em seu rosto havia,
riscado a carmim,
que parecia off Broadway

O momento é esse, aproveite

Eu não preciso de dinheiro em excesso
Só fico irritado quando não tenho algum pra beber
O que as pessoas realmente anseiam
Ao jogar nas loterias para ganhar uma boa grana
É sair do ramerrão

Meu conforto eu encontro quando escrevo,
Quando bebo, quando leio um troço interessante
Não procuro fuga, procuro sanidade nas coisas,
Embora raramente a encontre

Não luto para ter uma poupança,
Mas também não desperdiço meu dinheiro com bobagens
Ele sai leve do meu bolso, sem pressa, tranquilamente

Quem acorda, trabalha e dorme pensando em aumentar o capital,
Já é escravo do metal, monta sua vida em torno do propósito
De ganhar mais e mais...

É, pode ser uma forma de felicidade, talvez
Mas, em si, é uma boa e grande bosta

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Um pouco de lama em tudo e todos

1
Não creio em gente, nem que o cachorro não morde. Se tivesse que acreditar em um dos dois, confiaria no cachorro.

2
O que você mudaria no seu passado? Preferiria não ter nascido.

3
A convicção é a receita do idiota. Por causa dessa superstição, ele perde mulher, carro e sanidade. Existir é conviver com o caos.

4
Se eu passei todos esses anos na planície só, porque agora tenho que me importar com uns e outros. Que se fodam!

5
Consciência é necessária para não assassinar o dono do cão, quando se descobre, pelo cheiro, a merda no sapato.

6
Eu sou Otto Dusquene.
Você, quem é?
Uma página em branco.
Um nada consta.

7
"Você se acha muito importante, não é, Dusquene?"
"Não sou pior nem melhor que muitos"
"Ah, um resto de humildade, enfim"
"Também não sou igual"
"Vá se foder, Dusquene!"

8
O ruim é a mocinha tlec-tlec logo atrás de você, saindo do metrô.
É enervante.
Paro pra deixar a vadia passar.

9
Vê se lê Bukowski, Fante, Kerouac,
Esqueça essas merdas, cara!
Sinta o vômito da rodoviária e dos becos.

10
E pra finalizar...
Boceta é a commoditie mais barata do mundo.

Um evento natural no Grand Hotel

Fred: Oh, meu Deus... O que é isso! Você quase decepou a minha glande! Puta-que-o-pariu!

Melissa: Desculpe (cuspindo saliva e sangue)... Eu não tive intenção.

Fred: Eu lhe disse pra tirar a porra desse aparelho ortodôntico antes do boquete! E agora? Pegue uma toalha... Oh, Deus...

(Melissa corre para o banheiro. Volta com uma toalha de rosto).

Fred: Sua cadela! Olha a enxurrada... Tem que ser de banho. De banho! Ligue pra emergência!

Melissa: O que?

Fred (já agachando): A emergência!

Melissa: Mas, e a toalha?

Fred: Esqueça a toalha. Ahhgg...Oh, meu Deus! Não para de sangrar. Estou ficando tonto... O que você está fazendo?

(Melissa, olhos assustados, girando a chave e abrindo a porta).

Fred: Aonde você vai? Volte aqui, vadia... Estou vendo negro.

Sete horas depois Fred foi achado morto, estendido sobre o carpete. Segurava os colhões, num mar de sangue. O tampo da glande do lado.

Uma tarde feliz entre pombos e gatos

Quando entrei na casa, dei de cara com o pombal, numa das laterais. Na verdade, uma tela de galinheiro, armada entre pilotis de ferro, com uma dúzia de pombos atrás, fechando toda a varanda de Buba PopCorn.

"Mas o que é isso?", cheguei perto e levantei o braço para apontar para o troço.

"NÂO TOQUE NA TELA! ELES SENTEM O CHEIRO", disse Buba.

Era uma negra gorda, de 100 quilos.

"Eu não ia...Só queria saber por que?".

"Gosto de pombos".

"Eu de gatos".

"Hummm. Não fui com a sua estampa, garoto".

Olhei melhor. Havia alguns pombos dominantes, que corriam, espantavam os outros. Havia um cinza marrom. Perguntei se era o big boss.

"Esse é o Poncho. Aquela é a Suma. Esse branco é o Franco, só vive no chão. Asa esquerda quebrada. Esses maníacos do parque. Pode ter sido também um gato", e Buba me olhou desconfiada.

De repente, falou.

"Agora, franguinho, vamos transar".

"O que? Não, Buba. Vicky está para chegar. Ela é sua amiga. Não acho certo e...".

"Vamos transar já!"

"Mas eu não..."

"Já, Dusquene. Pro quarto..."

Fui empurrado, forçado, estuprado. Em agonia, eu arfava para seguir o script, enquanto os pombos se desbatiam no cercado estreito, assustados com alguma coisa ou com tudo.

Consegui, não sei como, mas consegui.

Dez minutos depois estávamos na sala, esperando Vicky.

Um toque na campainha.

"E ai", disse Vicky, "Vocês se deram bem? Gostou do Duc, Buba?".

Buba me olhou, séria. Bochechas infladas. Beiços grossos e curtos.

"Sei não. Ele é chegado a gatos".

terça-feira, 17 de maio de 2011

Samantha fly

Samantha Butterfly
louca, perdida
Sam, por que você não está onde deveria?
Por que não resolve logo a sua vida?
Descanse na grande pedra da lagoa

Sam, tenho notado a sua confusão
Quem sabe não chegou o seu momemto
Suas cores se repartiram como as do arco-íris
sob a chuva fina,
é agora
ou nunca

Samantha Butterfly
E eu que lhe disse tudo isso
E eu que nem bem lhe conheci

O fato é o mesmo e sem razão alguma

Bukowsky escrevia ouvindo música clássica
Eu não ouço nada
Não sou musical
Quando escrevo lembro de minhas quedas,
minhas bebedeiras,
minhas biritas,
do meu ego

Li e ouvi no momento certo
Quando jovem
Parei com isto
Hoje só escrevo
E bebo mais e rio
Desse festival insano

Falo de mim
do que acredito
- ou não, muitas vezes não
- o que não deixa de ser qualquer espécie de fé

O computador
A página em branco, a tela diante de mim
As possibilidades que nunca se consumaram
E o meu eu perdido,e morto, no pântano das palavras nunca ditas

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Falo a ela sobre os meus erros

Estou relaxado sobre a poltrona
Esticando
Barriga ao sol
A dona ali, me espiando
Vendo se eu não escarro ou faço algo pior

Dou um “tchauzinho”
Ela fecha a cara e a persiana
Ela tem belos peitos, mesmo

Eu abro a lata de cerveja
- é sempre bom ter uma lata de cerveja
e uma mulher pra acariciar
e um sistema de jogo
e uma caneta à mão pra riscar uns poemas
e, sei lá

Eu não ligo pra muita coisa
O prêmio acumulado da loteria, por exemplo,
Pássaros, crianças, programas da TV aberta,
Cruzadas, escritores contemporâneos,
Gente em geral e em particular

Só tem o seguinte
Não me perturbem quando eu estiver
fazendo algo de que realmente gosto
Eu não me lembro do que, especificamente,
Mas não me perturbem, nunca

Deixem o homem trabalhar

Por que pegar no pé do Obama?
O homem nasceu em Honolulu, e pronto
Deixem o sujeito trabalhar...

Aliás, todos viemos do Quênia
O homo sapiens emigrou de lá,
há 54 mil anos...

Ou seja, todo o mundo é queniano.
Até o Obama...

Deixem o homem trabalhar...

domingo, 15 de maio de 2011

a cidade morre ao longe

ainda estranho
a falta de humanidade
estranho a insensatez que há em tudo
e esse silêncio,
em tudo

os gatos não fazem mais barulho nos telhados
suas brigas sexuais me acalmavam
não ouço mais os gatos
só o depressivo ladrar dos cães
ao longe

longas madrugadas
e nunca reparei no céu
estrelas são luzes mortas
gosto de apreciar os ruídos da cidade insone

sei que os hospitais estão repletos
sei que os bares estão cheios de não profissionais
sei que os vagões do metrô ainda funcionam
sei que nos becos há assassinatos e roubos
sei de tudo isso

só não sei que fim levaram os malditos gatos

Sem título

"Zuck, como é?"

"É legal, quente"

"E as mulheres? Vocês têm mulheres?"

"Temos"

"Como são?"

"Cinco peitos e três bocetas"

"Tudo isso! Tenho que mudar para Marte. Caralho..."

"Temos dois"

"E tudo isso é bom?"

"Bom pra sexo. Péssimo pra banheiro"

sábado, 14 de maio de 2011

Sol na cara é bom pra caralho

quero os meus dias de sol de volta,
dias claros e pacíficos,
em que a cerveja não esquentava tão fácil,
porque eu a mamava mais rápido.

quero ir às prateleiras do supermercado,
comprar um bom tinto, queijo, salaminho, azeitonas,
renovar qualquer esperança que ainda exista,
relaxar.

quero o sol no peito,
a luz se pondo no horizonte,
o entardecer magnífico,
calmo.

é bom também ter uma rotina,
de certo modo isso ajusta nossas potencialidades
e expectativas à realidade.

varreram esses dias da minha vida
e eu os quero de volta,
logo.

ruim é essa minha lassidão,
para deixar tudo como está,
perfeitamente.

Um troço sério pra caralho

a esquizofrenia é um troço sério
e a capacidade humana de evitar problemas também.
ninguém realmente quer ter a seu lado
um ser "repartido", deprimido,
Loki e suas inconsequências.

já me deparei com dois suicídios
de pessoas esquizofrênicas.
está tudo aparentemente normal,
e, de repente,
um pulo do ... andar,
um outro morre enforcado,
bom laço fez o cara.

eu acho que sou supostamente normal,
bebo, jogo, transo,vejo o noticiário da TV,
peido, coço o saco, tenho uma boa mulher,
escrevo umas coisas na página branca,enfim,
mas é sempre bom nunca baixar a guarda.

Dusquene, Dusquene, olha lá, camarada...

UMA LUMUMBA, rei de África

Um microconto do Otto Dusquene

Vicky Lane foi quem me mostrou a estatueta de UMA LUMUMBA na estante de seu apartamento. Era algo como um Buda preto, gordo, de grandes beiços, com orelhas enormes portando grossas argolas. Era feito de granito negro, me disse. Tinha 23 centímetros.

“Ela é afrodisíaca. Quem passa os dedos na boca do LUMUMBA tem uma ereção de cinco horas, dizem”.

“Opa. É disso que eu preciso...”, e fui logo estendendo a mão.

Vicky riu e parou minha mão no ar.

“Calma aí, engraçadinho, como é que EU VOU AGUENTAR as suas cinco horas de ereção”.

“Bem. Se eu roçar levemente os dedos na bocona do UMA talvez eu entese apenas uns 20, 30 minutos... e isso é mais do que suficiente para mim. Não sei se para você...”.

Outra boa risada de Vicky.

“Passe dois dedos apenas”, disse, por fim, séria, meio petulante.

“Isso dará uma hora de foda... no mínimo”.

“Pode passar”, ela disse, empinando os seios.

Sorri minha cara de sátiro.

Ela corou. A sacana.

Ergui vagarosamente minha mão bêbada até a estatueta.

UMA LUMUMBA, você é o cara!

VOCÊ É O CARA!

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Diálogo casual no fórum

"Por acaso, você gosta de pornografia?"

"Eu só escrevo sobre..."

"Seus escritos são cheios de lodo e pus"

"Normalmente os homens são feitos disto"

"Entenda, Sr. Dusquene, sua situação é muito delicada no momento"

"Diga logo que estou fodido, meritíssimo. Sem meias palavras"

"O senhor está fodido, sr. Dusquene"

"Qual é a novidade?"

"Como?"

"Acordo fodido, cago fodido, bebo a borra do café fodido. Trabalho fodido. Volto pro apê fodido. Só fodo quando estou com Gill"

"Quem?"

"Minha mulher"

"Ah... Bem, por hora está dispensado, sr. Dusquene. Volte a este tribunal quando for intimado. Mas antes..."

Deixei uma dedicatória para o juiz no meu último livro de poemas, que ele me apresentou. Continha os poemas mais indecentes que produzi até hoje.

Deixei o tribunal e fui ao Finnegan's tomar um trago.

Todo mundo gosta de uma sacanagem.

terça-feira, 10 de maio de 2011

AUTONOMIA

Um poema de Otto Dusquene

1

Marion Manton morreu depois de dois meses e meio,
de um câncer terminal e público. Morreu gritando, gemendo e
definhando no apartamento 208-A, da Danton Street.
Tinha 26 anos. Não teve AUTONOMIA para manter-se viva.
Buff Lindener morreu há menos de um mês,
de edema pulmonar, caído entre duas máquinas de lavar,
às três da tarde, no porão do edifício onde morava.
Idade: 57. Complicação derivada da falta de AUTONOMIA para permanecer vivo.
Dick Craigton faleceu após agonizar durante duas horas,
com dois tiros nas costas. Todos passavam por ele,
sem dar a mínima. Idade: 16. Causa mortis: ausência de AUTONOMIA.
Ruth Stein morreu engasgada com um pedaço de carne.
Sufocou aos 72 anos num restaurante da Limonae.
Havia quarenta pessoas no local. Ninguém notou o episódio.
Não teve AUTONOMIA para desobstruir a traqueia.

2

John Stanley tentou salvar sua filha,
envolvida em um acidente de carro,
quando voltava do trabalho.
Ele passou na via por acaso
e viu a filha presa nas ferragens.
Em desespero, tentou tirá-la do veículo.
Foi imediatamente preso pelos controladores de condutas.
Oito meses depois seu caso foi levado à Suprema Corte.
Foi condenado à prisão perpétua. Faleceu em 2034.

3

Hannah, sua filha, morreu uma hora após o acidente.
Não teve como sair do carro com uma perna e quatro costelas quebradas.
Pulmão perfurado, hemorragia interna.
Muito embora, é preciso destacar, os camareiros
estivessem de plantão a dois metros de onde estava,
esperando que ela fosse até eles, para encaminhá-la
a uma das UNIDADES DE SALVAMENTO,
as quais as pessoas têm direito uma única vez na vida.

4

Quem não tem condições de se safar por conta própria
morre não de doença, acidente, assalto.
Neste mundo todos morrem por não ter AUTONOMIA.
Não é insensibilidade, somente a nova ordem das coisas,
nascida naturalmente... roboticamente... inoxidavelmente
metodicamente incorporada ao dia a dia das pessoas.

5

No conjunto de edifícios cinzas da Área 159-B,
as vidraças balançam nos caixilhos,
com a ventania horizontal,
que já entortou as lâminas de dois dos quatro
outdoors colocados pelo governo,
bem diante dos blocos de apartamentos sem pilotis.
Neles está escrito, em letras garrafais, o mesmo aviso:
“É TERMINANTEMENTE PROIBIDO AJUDAR QUALQUER INDIVÍDUO. AUTONOMIA É REQUERIDA SEMPRE. EM TODAS AS SITUAÇÕES.”.
Logo abaixo, em letras menores, vermelhas, lê-se:
“Quem auxiliar um incapaz será sumariamente preso e julgado sob as leis de AUTONOMIA.”.

6

John Smith, morador do apartamento 227, da Torre C, da Área 159-B,
tentou sabotar essa diretriz, participou de uma rede clandestina de auxílio...
Foi torturado, imolado tão brutalmente
que logo revelou os nomes dos quatro outros integrantes da organização.
As cinco pessoas que, em razão das ações da rede, tiveram uma segunda chance de vida, foram assassinadas (respeitando as mesmas condições em que morreriam se não houvesse ocorrido qualquer intervenção externa).
“AUTONOMIA jamais, jamais deve ter compaixão. Lembre-se disso. É a seleção natural, em último caso o destino, que separa os fortes dos fracos.”.
Os dizeres acima estão espalhados por imensos cartazes. Em todo o país.

estamos profundamente sós no mundo

Para que escrever poemas?
80% da população só estão interessados
em comer, cagar, rir de qualquer coisa,
ver TV ou pornografia

Para que dizer
coisas que ninguém quer saber?
Falar das misérias cotidianas de cada um
que realmente
desconforta qualquer um

Milhões de pessoas sofrem de uma idiotia extrema
milhões percevejam
- é isto mesmo: percevejam
soltam um cheiro repugnante de
rotina e normalidade
que nauseia

É bom que você saiba, camarada,
estamos profundamente sós,
incrivelmente sós agora,
para dizer
qualquer coisa
mesmo a mais insignificante
que seja

domingo, 1 de maio de 2011

Sem título ou diminutum II

não consigo escapar da idiotia e do inconformismo humano
entranhados nas calçadas e avenidas em crostas.
por mais que eu me esquive: sempre os mesmos infelizes,
murmurando porque não tiraram o grande bilhete.

“Por que não eu?”,
Baby Blue me perguntou.
Era uma boa puta, mas tinha aquela verruga vermelha, enorme,
do lado esquerdo do nariz
Aquilo me causava tonturas, calafrios, noites sem sono.
Eu não soube responder, só queria escapar da mesa.
“Você não gosta de mim, não é Dusquene?”
“Eu não gosto de muita gente, Baby.
Não gosto de 99% das pessoas. 1% eu tolero porque bebe”.
“Você seria capaz de amar uma mulher como eu, Duc?”.
Olhei para o troço em seu rosto, querendo, buscando outra coisa, mas...
“Talvez, Blue, Talvez... Depende de várias condicionalidades...”
“Que porra é essa de condicionalidades...”
“Tudo na vida depende de condicionalidades”.
“Vá se foder, Dusquene! O problema é a verruga, não é?”
“Não deixa de ser uma condição”.

Sem título ou diminutum

Eu reduzi muito a bebida
Lembro dos bares fétidos
Da conversa amena, dos risos.
Sete amigos ou conhecidos já se foram
Janso Rubiratti inclusive
Grande sujeito o Janso

Sorria fácil, de tudo,
Tinha o nariz adunco, de turco,
O que lhe emprestava uma imagem
De velha harpia

Chegou uma noite no bar ainda com a agulha do soro
fincada no braço, com o tubo nela,
Segura apenas por um esparadrapo:
“Não aguentei ficar na maca, afinal hoje é sexta-feira.
Ninguém recebe soro na sexta, só uísque.”

Grande Janso
Ele sabia das coisas