sexta-feira, 22 de março de 2013

Vertigem


1

homem,
criado do monóxido das ruas
que latejam arbitrariedades voluntárias
reacendendo a chama do pavio, levando
à toxicomania e à podridão que emanam dos becos
longínquos, como o bar de esquina da avenida da noite imensa,
em vastas comoções que chamamos tempestade, e neón e nada,
onde o berro de um bêbado vaza para a noite tremenda, escapando das marquises dos portentos
do centro da cidade, alcançando as fantasmagorias nas paredes da madrugada
manchadas com o catarro dos sonhos expulsos, de ninguém e nada,
onde a negra e acrílica pele asfáltica avança delirante, contorcendo-se e levando a nada,
ou aos neanderthais de rodoviária que esperam o aceno da melancolia nos bancos de cimento
e entram e partem na sombra perversa do sem sentido, ouvindo o estrugir
da boca do velho que traz a mão do homem morto, e ri sorridente, indecente, num jorro fétido e primitivo...
homem, ecce homo, feito de lamento, lama, escárnio e dor permanente,
que coça o saco aviltante da impureza de todos os filhos paridos
em meio aos monturos da Metrópole, oh, homem que traz consigo o animalesco e
vão da canção inesquecível do Patriarca, que convoca todos para a Ressurreição,
que nunca houve nem haverá... humanamente impossível...
ri, torpe velho adunco, daquilo que a Mãe de Todas as Mães lhe proporciona...

2

Lagash,
o vil metal que a alma alheia,
possa eu também sentir em meu bolso de trapos
e insanidade, viver sobre o cimento, os pés em chama,
avermelhados, cair sobre as latas
soltas de cerveja que rolam dos sacos de lixo da Pomerode Street,
vai, enfrenta, esmurra, rilha seus dentes desdentados com o fio de lágrima e sal,
lê, os jornais estão aí para isso, no negro do palato do grosso véu,
páginas sujas, SOB O ÚLTIMO POSTE da última clínica de reabilitação,
antes presas aos pés do banco pelo vento... oh, ENORME INVONTADE...

3

só, na avenida, às 2h da madrugada,
o velho caminha, procura sua alma morta,
ninguém o socorre, reverbera
os seus gemidos no centro do olho do cu do mundo,
tem ele os calcanhares tomados por feridas, pernas inchadas como bastões,
boca em carne aberta, mas ainda não há resposta, e ele se arrasta na noite pestilenta...
assim é o homem...que vejo

OHMMMMMMMMMMMMMMMMMM
quantas facilidades e o mundo terá 3 bilhões de miseráveis em 2050
quantos bônus e jamais terei uma piscina decente num terreno de 1000 m2
quantos drinques e as mulheres não têm verve e se vestem mal
quantas calçadas, ruas, avenidas, meios-fios embranquecidos, sinais, placas, asfalto, lojas, postes, cães,
lixeiras, loucos, bancas de revistas, estações de metrô, rodoviária, sapatos, e mais e mais... muito mais
Lagash não vem em abundância, em 5 décadas, e o sol, o sol, o sol...
o maldito e infame SOL

oh, vibrantes tempestades que vão nos cérebros humanos,
vivas, monstruosas, horrendas flores do mal do ser de qualquer um,
eu BERRO, o berro daquele velho bêbado também é MEU,
sou eu nas ruas em desvario, sou eu... minha alma demente
naquela madrugada, equilibrando sobre pontes inconcretas, erráticas.
Mamom, o Deus de aço dos arranha-céus, é Mamom que domina com sua sombra eternal,
um ser sem olhos, só escuridão e uma angústia brutal, de indústria,
"DINHEIRO, DINHEIRO, DINHEIRO, DINHEIRO, DINHEIRO, DINHEIRO. QUERO DINHEIRO. FAÇAM DINHEIRO!",
é só o que a sombra diz

4

quando a grande mão do Irmão Branco
moer as últimas carnes na última maquinaria
quando a fome subjugar a África e o morticínio
se espalhar pela Ásia, verão... Lagash, a sua incoerência
eu, filho do século anterior das hostes derradeiras,
verei...
o que verei?
ossos, ossos, pilhas de ossos na planície deserta,
habitações destruídas, ardor, quem antes, louco, ali vivia?
"FOME, FOME, FOME, FOME, FOME, FOME, FOME, FOME, FOME, FOME, FOME!",
passará a dizer Um e Outro,
e tudo estará perdido

5

quando você não puder se levantar e comer entre os porcos
quando você não puder ir à enseada para ver as ondas e o crepúsculo
quando você tentar avançar o século mais do que ele puder ser avançado
quando finalmente houver um pouco de paz e ansiolítico em sua alma
quando a hipnótica volta do relógio vespertino marcar a jornada infinda
quando o Patriarca atravessar o alvorecer rendendo graças escarlates
quando for possível, e não for
quando houver uma encruzilhada, mas só um caminho a seguir
quando você escapar das armadilhas, mas não puder se safar de si mesmo
quando houver no turbilhão a esperança da calma entre copos de vinho
quando você enterrar a fé esmagadora que o sustentou até agora 
você verá...
A Grande Pedra Desabada
A Tocha Acesa e Arrependida
A Lei. A Cabala. O Jesuíta.
todos envoltos em espessa névoa

6

eu não serei seu mal ao cair da lua,
nem você me pagará a velha cerveja choca,
por que ninguém envia uma mensagem à planície
onde dorme o homem sedento e roto?
mil anos em meio segundo, farei seu nome imortal
como os grandes promontórios
e vagarei em seus braços de bruma e ânsia e mar
são 2 horas da madrugada, é a febre...
olho pela janela a longa avenida que se ergue e dobra
a dimensão em que hoje vivo - silêncio que vai nos ossos,
íntegro

7

e cresce a Vestal enferma,
sua visão me consome os olhos, adivinha minha carne,
ela que saiu da gonorreia do mundo e caminhou no meu sentido,
e eu preso, eu indissociável de minha própria pequenez,
não consigo lhe dizer palavra alguma
que não seja as de minha impiedade,
enquanto durmo e sonho o berro do decrépito
ser que se escora no mármore de um dos edifícios
vaticinando misérias, o Profeta...

8

acordo,
onde está todo mundo neste apartamento?
a pia repleta de louças e talheres sujos, copos quebrados num canto
a madrugada foi uma grossa corrente de tormentos
e sinto em minha boca o bêbado a se rir,
olho a gigantesca sombra apontando.... Veja!
apontando... O que?
Para mim


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