segunda-feira, 29 de abril de 2013

Persianas em forma de vidraça em estilhaço


1
A insanidade está no homem como a água para o peixe.

2.
Viver é uma tormenta.

3.
Qualquer coisa que eu disser não valerá absolutamente nada no mesmo instante.

4.
Meu universo é a próxima rua.

5.
O melhor da vida é observá-la, de longe.

6.
Quando não houver mais nada, ainda assim nada haverá.

7.
"Dusquene, você é um porre".
"É por aí".

8.
Saibamos nos esquecer, baby.

9.
Em 2112 o mundo estará muito mudado, mas as pessoas não.

10.
Tudo igual ao abrir a porta.

Reflexão em um dia de tempestade


a vida é passageira, homem,
mas parece que já vivi um século
no meio do turbilhão há quase cinco décadas
e hoje estou melancólico, triste mesmo
quero meus bons tempos de volta
mas sei que jamais os terei
e terei que seguir em frente
mesmo assim
bem ou mal
em frente
sempre

creio sinceramente
que os bons tempos já passaram
e realmente estou chateado por isso
era um tolo, mas havia sempre a possibilidade
do ouro na moldura dos dias que viriam

o que me resta agora é engasgar com o metal na boca seca
revirar no sofá, confrontar essa angústia no peito
e o maldito sol que desponta
atrás da persiana

Relax



tive meus dias sob o sol
tomando uns drinks
vodca com limão
numa espreguiçadeira

limpei os poros em saunas
mergulhei em piscinas
marítimas
em clubes
chiques

"Dusquene esteve aqui,
o escritor e poeta,
relaxou aqui"

um dia colocarão uma placa
comemorativa

não, nunca colocarão,
eu sei

estou apenas lembrando
os bons tempos
para fugir
da paura
que me envolve
agora

um dia
quem sabe?
os bons tempos voltem
com força

Infâmia enquanto ainda resta algo a dizer



"A porra da minha irmã é uma neurótica".

"É?"

"Todo dia se desentende com o chefe do almoxarife e a sua pressão vai a 22".

"Puta-que-o-pariu... O troço é sério, então?"

"Nada, ela é toda sensível. Se o cara manda ela tirar quatro resmas de papel da segunda prateleira e colocar no carro, para distribuir nas seções da firma, ela já estremece. Pensa que é punição".

"E não é?"

"Nada. Punição quem recebe é o camarada que dorme com uma merda dessas".

Bullford riu, com o cigarro na boca.

"E sua irmã, presta?", perguntou Gillmore, meio receoso.

"Dá pro gasto. Vamos empilhar mais uns sacos e depois vamos ao Joe´s tomar uns tragos".

Solidão à luz do incólume


detesto muitos indivíduos
que andam nas ruas
detesto porque desistiram
de alguma coisa
importante para eles
e que deveriam ter feito
para dar algum sentido
apenas

melhor que se fossem
de vez
abririam a paisagem
com a sua ausência

os derrotados
trazem consigo um cheiro que impregna
que gruda
que mata

são seres deprimentes
que buscam engolir o máximo da vida
existente ao redor

que pedem "licença" para tudo
até para cagar na própria privada
acho

fazem mal um bocado
mas pululam que nem vermes
em cadáveres de quatro dias

mas temos que vê-los por aí
fedendo
matando o pouco tempo
que os outros têm
inclusive eu

...

Ebhrart tinha seios e se jogou nos trilhos do metrô por não conseguir dinheiro para a cirurgia plástica. O metrô lhe cortou uma das pernas. Os seios ficaram intactos.

Para que servem as coisas e suas cores


"Por favor, os assentos em azul são para idosos, pessoas portadoras de necessidades especiais, pessoas com crianças de colo e com dificuldades de mobilização".

Sentei num dos bancos azuis.

Cinco minutos depois, chegou uma velha perto de mim, logo após a voz novamente lembrar para que serviam os bancos azuis.

"Você não ouviu o que a moça disse..."

"O que, minha senhora?"

"... E pessoas com dificuldade de mobilização".

"Oh, desculpe, entendi 'de ereção' ".

Ri.

Todos riram também.

Levantei, brincalhão, deixando um lugar quente para a velha.

terça-feira, 23 de abril de 2013

O sol que nos atravessa


tive meus momentos de sol
marítimos
o drink na praia
vodca com limão
o sol no plexo
os coqueiros
as mulheres passando
a lombra
o sabor da maresia
ééé...

o sal grudava nos poros
a pele cozendo
o peixe frito
mais birita

é, Dusquene, um dia quem sabe?
você não é dos piores
aliás,não,
você não é dos piores

espere o verão, Dusquene, espere
quem sabe?

Aos que pensam estar na planície em desespero


essa queima de fogos
assusta cães, não a mim,
estou sabendo o que virá

as pessoas vão enlouquecendo aos poucos
tentando sustentar o status quo e,
quando não conseguem,
entram em parafuso,
bebem o fígado,
gemem, culpam o mundo,
ora, o mundo sempre foi assim,
para pior

o desemprego é o que abala,
mas também é uma fonte de oportunidades:
jamais encontrei quem quisesse trabalhar duro desempregado,
jamais

para aqueles que estão desempregados, aconselho:
entrem em 2012 com garra, dizendo "eu tenho colhões, porra!",
vou trabalhar em 2012 até espatifar meus braços e
esfarinhar meu cérebro, mas vou comer parte dessa torta, caralho,
se vou

Anticlímax em meio a sapatos brancos sobre a amurada



“Você quer me matar, Dusquene”.

”Só quero que você se acalme, Marion. A enfermeira já vem. Cadê a droga da enfermeira?”

“Eu vou sair dessa maca”.

“O caralho que vai. Espere”.

“O que é isso? Você me empurrou. Você realmente quer me matar”.

“Porra, fique quieta um pouco. Cadê a enfermeira? Alguém, que seja...”

“Gina ele quer me matar! Gina, não me deixe só com esse homem! Gina! Gina!”.

“São 2 e 40 da madrugada. Vai acordar todo o hospital...”

“Gina! Giiinnaaaa! Giiiiiiiinaaaaaaaa!”

Uma enfermeira entrou no quarto, afoita.

“Quer dizer... O chamado pelo aparelho vocês não atendem, mas é só começarem os berros e logo correm...”.

“Que tem ela?”.

“Está alucinando devido a uma infecção”.

“Huum... Acalme-se, OK. Está tudo bem”.

“Você chamou sua amante, Dusquene. Estão de conluio para me envenenar”.

Não aguentei.

“Confesso ser uma das opções sobre a mesa”.

Marion arregalou os olhos e sussurrou para a enfermeira:

“Não lhe disse, Gina, estão todos combinados”.

O elemento que falta em mim


não escrevo para ninguém
nem para mim,
poderia parar de escrever agora mesmo
e não seria o fim
nem o começo de nada

o que não posso é ficar sem mulher
e sem bebida
cerveja, pelo menos,
destilados estou fora,
tenho 48

quem acredita que o mundo precisa
que ele escreva é um imbecil, um demente,
eu não preciso também ler o que as pessoas escrevem,
livros me causam náusea

páginas e páginas
sem razão alguma, sem motivo,
alegria, verve ou dor,
ou quem sabe algo menor

escrever é tedioso
- jamais me empolgo com o que leio agora -,
sei que não há nada mais a ser feito
ou dito

só poeira, às vezes nem isso 

Um pouco de culpa e um dólar apenas


as pessoas são premiadas
de muitas maneiras
e você, Dusquene?
papando mosca...

bebe uma cerveja,
é, esta noite o bar está legal,
aparentemente

até o momento
o copo enchendo e esvaziando na boa
ninguém veio puxando conversa,
enchendo o saco

alguns conhecidos apenas,
"e aí, Dusquene?", dou um "Olá, amigo"
ninguém vem sentar na mesa,
isso é legal

a vida pode ser boa
é só você confrontar a pressão dos idiotas
e deixar rolar com a bebida,
fico de olho

as mulheres dos bares
têm longas estórias tristes, de solidão,
e ancas e seios sexys,
mas hoje não, não vou investir,
não quero ouvir e foder nenhuma delas
quero apenas, e somente, beber

é isso

No lar, ardente sobre a relva fresca

"Você fica aí sentado nesse sofá, mamando uma dúzia de cervejas por noite. Você não sai comigo. Você não presta, Seymour!". "O que é isso! Tivemos aquele jantar na casa do Bullford e da Annie há três meses... Não diga que eu não sou um cara legal". "Você não liga para as minhas necessidades. Estou perdendo a vida neste apartamento. Entra dia, sai dia, e nada acontece". "Como não? E aquele atropelamento do garoto aqui bem em frente na semana passada?". "Até a Suzzy não aguentou. Foi morar com uma amiga. Pelo pai que tem...". "E você acreditou nessa história? Ela juntou os panos de bunda com aquele desgraçado magricela que vinha aqui filar o meu almoço". "Não diga isso de nossa filha única, seu imundo. Você realmente não presta". "Eu sou um bom marido pra você, Minnie". "Marido bom, é marido morto!"

Darwin em abril


então,
iremos sob o sol,
passaremos uns pelos outros,
num sadio desconhecimento,
cada qual com sua doença,
com seus tremores,
com suas obsessões

uns tomarão
cervejas em bares
de esquina
e falarão do que
fariam se...

outros irão
para casa, sós,
e esperarão a
morte, sempre atrasada

outros criarão
cães e gatos, acreditando
firmemente que fazem
um bem enorme
à Humanidade

o certo mesmo
é que cada um quer
que o outro se foda,
morra enfiado numa 
grande bola de merda seca,
ou pior

é a lei da evolução,
uma lei simples
e boa

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Tenha fé, meu filho amado



Ruby tirou com cuidado o pássaro ferido da caixa. Tinha uma asa quebrada. Ele o encontrara num jardim a três quarteirões, se debatendo. Um gato já vinha em sua direção, quando Ruby o tirou do chão. O gato parou e pareceu dizer "ei, cara, esse lanche é meu". No caminho, Ruby o colocou numa caixa de sapato jogada no lixo.

Em casa, Ruby colocou uma tala e enfaixou a asa do animal. Depois, foi procurar umas coisas no fundo da estante. Voltou com um bom pedaço de isopor e os troços. Pegou o pássaro e o colocou sobre o isopor. Prendeu o corpo da ave com um pano ligado a alfinetes. Com o pássaro imobilizado e piando, Ruby com o alfinete que sobrara começou cuidadosamente a furar seus olhos.

O meu companheiro em desagrado


"Pro inferno, Dusquene"
O diabo me intimará
eu continuarei a beber meu drink, ainda em casa,
sossegado
"Já é hora de termos uma conversa séria, amigo"
"O que?! Você está me desafiando"
"Pode-se dizer que sim"
"Você não tem nenhuma carta na manga. Você teve uma vida de merda"
"Mas a sua não é lá essas coisas"
"Eu sou o demo".
"Hum, camarada, perto do que eu já vi nessa vida, você está mais
pra madre Teresa de Calcutá"
"Embrulhe seus troços e vamos"
"Para onde?"
"Para baixo, ora".
"Não dá pra adiar até segunda? Hoje tenho um compromisso com Liv, no Frank's"
"De forma alguma"
"Ela tem uma bela bunda. Cê sabe?"
"Hum... Acho que dá pra negociar um prazo"
"Então, ao Frank´s?"
"É, pode ser, ao Frank's"
Levantamos e saímos, bons amigos

...


é, baby,
dividiremos colchões manchados de molas ruins
copos frágeis que se quebram nas bebedeiras
iremos suar um pouco no sexo
faremos o que tiver que ser feito
deixaremos nossos filhos no mundo
e será bom ter feito tudo isso,
porque, apesar de toda luta,
mais não importa...

talvez, o último drinque, talvez
a última azeitona no prato
quem sabe?
nada

...


meu medo
é não ter tempo para coisa alguma
que valha a pena
o tempo é curto
e estamos correndo como loucos
para o quê? Não sei...

não sei o que dizer
ao velho amor
nem porque
a alegria das pessoas,
a confiança das pessoas,
me faz tanto mal

talvez porque eu não as queira ver,
talvez sejam a causa dessa angústia,
talvez eu não saiba nem isto

talvez sejam elas justamente o meu medo...

Edna Hill


Edna Hill queria foder sempre às 17h. Nem um minuto antes nem depois, o começo do troço, é logico. Deveria começar precisamente às 17h e durar, no mínimo, meia hora. E Edgar não tinha meia hora para gastar naquilo. Afinal, tinha filhos para alimentar, uma esposa para cuidar, um cão que precisava de um osso, um canário talvez. Edgar fazia bicos como encanador e preenchia os dois encanamentos de Edna também. Mas o serviço começando sempre às 17h. E às vezes não dava. Edgar não podia parar um serviço no meio para pegar outro.

Edna não entendia e cobrava. Começava a ligar pelas 15h15.

- Olhe, seu puto, não vá me faltar. Às 17h hein? Não se esqueça...

- Estou no meio de um conserto delicado aqui, querida. Posso atrasar.

- Atrasar, o caralho! Se você não chegar aqui no horário, sua mulher vai ter notícias minhas...

E desligava. E Edgar tinha que dar um jeito. Tinha que acelerar o trabalho para se conectar aos encanamentos de Edna.

E, às vezes, Edna não limpava direito um deles. Aí dava merda. Era a vez de Edgar cobrar.

- Porra, que troço é esse! Cê tem que ter mais higiene.

- Desculpe, Ed,  juro que não vai mais acontecer. Foi o salame.

- O meu?

- O salame que comi ontem? Ficou pastoso demais...

- Preciso de uma folga para me recuperar dessa.

- Nem pensar. Amanhã, aqui, no mesmo horário. Senão sua mulher...

Pugilismo ao cair da tarde



De repente, rolou uma briga no bar.

Na verdade, o dono estava tentando deter um dos clientes, que, de tanto beber, pensou que estivesse no banheiro e começou a se despir. O homem ficou irritado com o proprietário e a luta seguiu no chão. O sujeito era gordo e não queria ser dominado.

"Ele quer me currar, esse filho-duma-cadela. Quer me currar!".

"Levante suas calças, Fred. Saia do meu bar", disse Bulford.

Embora franzino, Bulford tinha força nos braços e havia imobilizado Fred com um golpe por trás.

"Me ajudem. Esse cara quer comer meu cu!".

Por fim, Fred foi jogado na calçada. Levantou todo estropiado. As calças ainda meio arriadas. Era uma imagem triste. Havia se separado de Irene há um mês. E há um mês bebia pesado.

Soube depois de cinco meses que a cirrose, misturada ao conhaque, o havia levado.

Irene continuou rebolando seu rabo de aluguel.

Blind Date



“Quem é?”

“Aqui é Rajesh Voojoo, secretário do Grande Aranda Kalapajaloo. Informo que o senhor se encontra em atraso com uma mensalidade-doação para nossa entidade”

“Como é? Quem é?”

“É o Rajesh Voojoo, secretário do Grande Aranda”

“Escuta aqui, Voodoo...”

“É Voojoo, senhor”

“Tudo bem. Que seja. Eu não sou filiado a nenhuma seita. Só contribuo com o asilo das putas, quando dou uma”

“O senhor realmente necessita da espiritualidade do Grande Aranda... Venha nos fazer uma visita. Aproveite e traga o carnê para o pagamento da mensalidade”

“Ó cara, vá se foder. Já disse que não conheço nenhum Kapalo...”

“Desculpe. Mas é o Grande Kalapajaloo...”

“Esse mesmo e...”

“O senhor precisa pagar a mensalidade para manter acesa a sua vela da vida. Senão...”

“A vela é grossa, Raj?”

“É. Por que?”

“Enfiei ela toda no cu do Grande Aranda como minha contribuição particular para a ordem”

“Mesmo assim, gostaria de lhe informar que sua mensalidade ficará em aberto em nossos arquivos. Ligarei dentro de uma semana”

“O que? Alô... alô...”

domingo, 21 de abril de 2013

Diálogo casual no fórum


"Por acaso, você gosta de pornografia?"

"Eu só escrevo sobre..."

"Seus escritos são cheios de lodo e pus"

"Normalmente os homens são feitos disto"

"Entenda, Sr. Dusquene, sua situação é muito delicada no momento"

"Diga logo que estou fodido, meritíssimo. Sem meias palavras"

"O senhor está fodido, sr. Dusquene"

"Qual é a novidade?"

"Como?"

"Acordo fodido, cago fodido, bebo a borra do café fodido. Trabalho fodido. Volto pro apê fodido. Só fodo quando estou com Gill"

"Quem?"

"Minha mulher"

"Ah... Bem, por hora está dispensado, sr. Dusquene. Volte a este tribunal quando for intimado. Mas antes..."

Deixei uma dedicatória para o juiz no meu último livro de poemas, que ele me apresentou. Continha os poemas mais indecentes que produzi até hoje.

Deixei o tribunal e fui ao Finnegan's tomar um trago.

Todo mundo gosta de uma sacanagem.

Sex on the table


os homens enlouquecem as mulheres
e elas não deixam por menos
destroem um homem em dois tempos

e vamos neste jogo louco
até o fim
até ficarmos diante de uma parede branca
babando, atordoados

é um negócio insano
homens e mulheres necessitam uns dos outros
mas vivem para infernizar uns aos outros
essa é a criação, o mandamento,
o viaduto...

bom Deus...

A melhor hora da cidade em que ela vive


vejo a cidade morta às quatro horas da manhã
as ruas parecem a pele de um imenso anfíbio negro-cinza
pisada por bêbados erradios e sujos de merda
estou bebendo um tinto de qualidade; e isto é bom
vejo os carros na pista, ao longe, na hora plena
a melhor hora da cidade: quando todos dormem e
e ela, enfim, pode respirar, ficar em paz, livre de
passos, cusparadas, gimbas de cigarro, vômitos...
existe a possibilidade de um assassinato, logo,
mas isso sempre há em qualquer lugar do mundo
nem falo das sirenes de bombeiros e polícias
nem digo do meu incômodo de fazer parte disso...
a minha bebida me basta; nada hoje de rostos
e vozes humanas: só quero esse silêncio, imerso
em álcool, como uma quietude de mim mesmo agora

Gatos em noites quentes


gatos nos telhados...
o sexo deles
é uma briga insana,
visceral,
puro dentes, garras
e raiva.

fazem o troço
como deviam fazer
homens e mulheres.
com frenesi
e desespero,
como faca,
rilhando a campa
da noite.

e a lua, vendo tudo aquilo,
todas as fodas –
as nossas e as deles –
deve pensar
"os gatos são melhores...
podem não ser os dominantes,
mas sabem o que e como fazer”

Sensação de merda no sapato esquerdo


é preciso sinceramente que haja algo melhor que isso,
do que observar esses rostos óbvios, frequentes,
à espera do próximo pagamento,
do próximo telefonema,
da próxima viagem interestadual,
do próximo fim de semana,
do próximo reality show,
para que eu consiga me apossar
das sobras de mim

não quero ter contato com 99% da humanidade
mas estou cercado desses 99%
sou um ser solitário e mal-humorado
não me dou bem com gente
só com cervejas e jogo de números

a cada dia a tensão aumenta
não consigo sequer olhar para seus rostos...

mas sempre há a perspectiva
da próxima viagem interestadual,
do próximo fim de semana,
do próximo reality show,
do próximo telefonema,
para que, enfim, esses 99%, envolvidos pelas novidades,
desapareçam por algumas esplendorosas horas

Sem título


todos temos problemas
os russos têm problema com a bebida
o Oriente Médio com as ameaças terroristas
os norte-americanos com a obesidade populacional
e também com o pesadelo do terror
os japoneses com terremotos e tsunamis

e eu aqui parado,
cervela na mão,
lendo todas as tragédias cotidianas
com a porra dessa mosca
fazendo cócegas
na sola do meu pé

Vivamos o presente em branco

"O grande problema do mundo é gente inquieta", BULLFORD

"Ela não liga pra ele. Não sabe cativá-lo. Eu DEI pra ele!", MILDRED

"Os pormenores não contam quando as coisas vão mal", DUSQUENE

"Sou um sacana", GILLMORE

"Quer uma chupetinha, benzinho?", SANDRA DEE

"Foder é uma arte. Mas nem todo mundo é pintor", DUSQUENE

"Não. Foder é suor, um instante de felicidade e lágrimas", DUSQUENE

"Sou realmente um sacana. Eeeheehh...", GILLMORE

"Ainda contarei as estrelas com você, baby", DUSQUENE

"...", ANNIE

sábado, 20 de abril de 2013

Um dia fenomenal em Kansas



um dia o porre foi tão bruto
que guardei a carteira no congelador
do refrigerador
acordei tonto, tropeçando na cadeiras,
uma dor de cabeça infernal,
fui até o banheiro,
vomitei,
depois vi minhas calças
jogadas no corredor do apê,
o alarme acendeu,
fui direto nos bolsos:
- Cadê a porra da carteira? Oh, meu Deus, não faça isso comigo...
Revirei o apartamento como um insano,
procurando a droga da carteira,
tirei almofadas, botei o rosto nos fundos do
armário, observei se debaixo do tapete tinha algum monte,
olhei até na privada, para ver se não estava entupida,
com a ponta do objeto pra fora. Nada.
Aproveitei e caguei para regular os nervos,
me acalmar, respirar.
- Caralho, fui roubado ou deixei a carteira cair do bolso,
em todo o caso, FODEU!
me lmpei e fui até o refrigerador,
uma cerveja talvez melhorasse as perspectivas,
fui, imaginando os documentos que teria que tirar 2ª via,
peguei a Bud e, não sei o porquê, resolvi olhar o congelador,
E LÁ ESTAVA ELA, A MALDITA DA PORRA DA CARTEIRA!!!
A segurei com fervor, tremendo, como se tivesse
em minhas mãos os pregos da Cruz de Cristo.
Beijei o troço petrificado,
sorvi um longo gole da cerva,
e, relaxado, coloquei  a carteira aberta,
ao sol,
e, bem, tudo voltou a ser a maravilha de antes,
um vida que não era das piores.

Filosofia de albergue


Vicky Valentine deu o rabo e se arrependeu
Era o único buraco virgem em seu corpo
Ellmore aproveitou bem aquele buraquinho
Depois, quando Vicky chorou,
fez de tudo para confortá-la:
"Foi só no cuzinho, bem. Ninguém nota".
"Mas você me arreganhou..."
"Que nada, baby. Só foi a metade..."

...

entre, Dusquene,
sinta-se à vontade...

é a vida,
esse mal necessário,
sinta o
oxigênio

não,
você se safou do enfisema,
da máquina de
oxigênio
como o velho Walter
de sua novela
Moto Continuum

entre, Duc,
o pato que anda,
o escárnio universal,
a bebida espera você
no bar
infecto
e limpo de
ninguém



Canto do jovem homem enfermo


lá vai a silhueta de um homem só
carregando o peso de ossos e carnes
passa por prédios e galerias
vai no frio da manhã cinzenta
o homem tem asma, e tosse,
tosse agravada pelo cigarro
é jovem ainda esse homem
e está se formando e está bebendo
e deseja ser um escritor, só isso,
mas o mundo é repugnante e prefere
ler os idiotas, os que vendem,
mas ele ainda escreve muito mal

vai longe agora a silhueta de um homem só
enfrentar mais um dia de trabalho estéril
manchar seus dedos com a graxa roxa dos carimbos
intoxicar-se com vidas imprecisas, sem pauta,
com os risos de tantos rostos felizes e tremendamente sós

Um quadro feito de beleza que não existe em qualquer lugar



essa mulher é a beleza passando
diante de meus olhos cansados
ela me daria um bocado de trabalho
mais eu a faria feliz

eu lhe ofereceria um drink e lhe daria um beijo na nuca
falaríamos de pássaros, peixes e cães
eu perguntaria sobre a sua vida
ela me diria pouco
eu pouco falaria
também

eu guardaria a sua beleza triste, mas voluntariosa
nesse quadro impressionista
do meu amor de ontem
que ontem vi

Cães



é como se fosse uma noite de cães danados
a uivar para a lua
homens e mulheres vão aos bares
a festa se instala
e eu quero estar nela
dentro dela
com um copo
na mão

como cães danados saímos em matilha
e vamos nos mordendo e ferindo
mas sempre juntos

70 ou outra coisa que me venha à cabeça


Bukowski disse
"ficção é a vida melhorada",
ele estava certo,
mas não disse para ninguém
fazer literatura,
pois é algo que só serve
para apodrecer nas estantes

aliás, escrever sempre leva a chancela
de uma época, de uma década, de um período,
tentei ler de novo "On the Road", não consegui
está marcado com o selo dos anos 40/50,
não tenho como ler,
desculpe-me Kerouac,
mas você tem - teve - importância crucial
para quem quer entender o troço

não tem nada que me interesse nas livrarias,
um dia tentei, não encontrei nada de valor,
nada realmente que despertasse a minha curiosidade -
oh, bom Deus, santa curiosidade que me fez descobrir
esses santos marginais, ou nem tanto assim,
dos anos 50/70

para mim a década de 70 foi mais importante que a de 60,
a década que moldou o mundo como ele é,
a década em que todos perderam a inocência, uns mais outros menos,
a década na qual a máscara da invalidez humana foi escancarada foi a de 70,
sem dúvida

sexta-feira, 19 de abril de 2013

...

carquei forte
ela gostou
ela gosta quando a coisa vai
fundo
belas estocadas
o suor
o cheiro de sexo puro
exalando das entrâncias
carquei forte
bombei
ela gozou
eu também

Death City


sinto que estou nesta cidade morta
com pessoas que não fazem sentido algum
vermes que passeiam sobre a terra desnuda
estou nesta cidade morta
bebendo um drinque qualquer
num bar qualquer,
lá fora o céu chumbo
do temporal iminente

gente estúpida ao meu redor...
calma, Dusquene, bebe um gole,
e esquece

A quem importa que eu pare


1
Deus dá a cerveja, o pão e o triglicérides alto.

2
Estou vivo ainda. Não sei como. Mas estou.

3
Todos nós somos meio hipocondríacos. Não se preocupar com a saúde é também uma forma de fuga.

4
A merda é o fígado. Cuide do seu, camarada.

5
Do meu, cuido eu.

6
Vou morrer com uma tremenda qualidade de vida. Me acabando em...

7
Um hospital é o melhor lugar para se estar quando se está bêbado.

8
Vamos à dieta. Mas com moderação.

9
Qualquer sinal de saúde é meio impróprio para um escritor underground.

10
Vivamos, porém.

JANSO



pouquíssimas pessoas
são realmente interessantes
Janso era uma delas,
um sujeito espetacular,
que ria por nada e tudo

bebedor forte,
alternando cerveja e destilados,
uma ótima conversa o Janso

tirava do bolso o dinheiro que tivesse
- e sempre tinha pouco ou não tinha
e pagava um almoço para alguém
em situação mais precária

um dia, com fome,
ele se sentou na mesa de um deles,
que havia pedido uma dúzia de ovos cozidos,
e foi comendo, comendo, se fartando e comendo,
o mendigo sorria, Janso olhou e disse: “Na próxima eu pago, está bem?”.
O camarada nada disse... Janso havia pagado tantas para ele

por que não há mais caras desse tipo no mundo?
só essas merdas de pessoas pasteurizadas

por que um cara como o velho Janso morre,
enquanto milhões existem sem razão alguma?

é um troço estranho...
bem, pelo menos eu o conheci, você não

Um evento à luz do dia


Um evento à luz do dia

ei, Joll,
o que você vai fazer agora?
afinal,
você não esperava por isso
não é, Joll?
eles não lhe deram estudo
só umas baganas
sem filtro
né, Joll?
por isso, teve que roubar
matar a fome
fazer a vida
Joll

puta-que-o-pariu
a bala foi um coice
no peito
do cara
tava ali à-toa
não tinha nada que tá ali...

não deu pra escapar, né Joll
você tem nervos frios
aguentou muita coisa
mas aquela
cusparada
não deu...
foi o cara é?
foi

por que ele lhe provocou?
ninguém sabe a paciência
de ninguém
ninguém sabe
não é, Joll?

Joll,
quais os seus planos na prisão?
quais os seus projetos para a Morte?
Alice talvez não possa lhe esperar
São 20 anos, Joll
20 anos
é demorado

Os Porquês


por que essa urgência, essa premência
para magoar?
por que as ruas estão cheias de sonhos mortos
que esbarram em pessoas tristes?
por que essa falta de?
por que a ficha jamais cai na máquina?
essa fatalidade...
por que essa falta de qualquer coisa?
tanta ironia e impiedade
por que essa carência de sentimento?
ei,
ninguém sabe a quantidade certa de uísque
que traz a tal felicidade?
será que ninguém vê o que acontece nas ruas?
e por que tantos pobres e,
principalmente,
por que tão poucos ricos
com suas piscinas, carros, mulheres,
e garagens (quero o meu quinhão deste sonho)
e possibilidades
e tudo o mais?
por que esse
abandono
e essa insônia rubra?
porra,
por que ninguém me diz
nunca
"vai cara, você consegue".

O fato é o mesmo e sem razão alguma


não briguemos mais por causas risíveis
a vida é maior que isso, baby
- ou talvez seja justamente isso
não percamos mais tempo remoendo o nada
que isso nada vale e perderemos um tempo
que poderia ser compartilhado com um drink
e uma boa conversa, leve, no sofá
eu massageando seus pés, você sentindo cócegas,
eu bebericando e você me contando, dizendo feliz,
notícias que eu não escuto

Caminhe homem, não pare, caminhe...


sempre poderá ser tarde,
tarde, muito tarde,
para qualquer coisa que valha a pena,
mas é preciso levantar o traseiro
do banco ou do sofá e fazer,
camarada

o trabalho precisa de suas mãos
de meia-idade para continuar seguindo,
é preciso continuar fazendo a insignificância
toda, completa, até os ossos

penteie o cabelo, calce os sapatos,
vista a camisa social, caminhe, homem,
caminhe nesta merda de calçada,
para o sol, sempre para o sol,
que o metrô, lá na frente, engole, rápido,
juntamente com uma multidão
de seres ignóbeis, bestiais,
verdadeiramente repugnantes

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Foda é viver pensando nisso que não tem jeito


homem,
olhe o mundo,
veja a merda em que você se meteu

nem pense
em escapar,nem tente,
nem lute demais, nem chore,
nem abra essa lata de cerveja agora

veja a lua cheia,
apenas pare um pouco com tudo isso,
é esse o momento de ficar calmo,calmo como
a superfície de um lago congelado

homem,
olhe o mundo,
nem pense tentar vencê-lo,
nem que você morra tentando,
socando paredes de concreto,
você é apenas algo inútil, que passa, é só

Fêmeas


Existem mulheres que, quando passam, o mundo parece que vale alguma coisa. Mulheres carnais, sexy. Outras, muitas outras, estragam a paisagem, o dia, jogam lodo na roda.

Mulheres feias, mas simpáticas... Que eu me previna delas. São a danação. Servem para ser enfermeiras, nada mais. Bem, se o cara já está no hospital, então que ele sofra integralmente...

Belas mulheres deviam ser emolduradas. Eternizada a beleza e o viço da juventude. Feliz o homem que teve na cama uma destas. Sua vida não foi em vão, de algum modo.

Quem teve as outras... Bem... Foi porque fez por merecer.

Sem título


"Zuck, como é?"

"É legal, quente"

"E as mulheres? Vocês têm mulheres?"

"Temos"

"Como são?"

"Cinco peitos e três bocetas"

"Tudo isso! Tenho que mudar para Marte. Caralho..."

"Temos dois"

"E tudo isso é bom?"

"Bom pra sexo. Péssimo pra banheiro"

Samantha fly


Samantha Butterfly
louca, perdida
Sam, por que você não está onde deveria?
Por que não resolve logo a sua vida?
Descanse na grande pedra da lagoa

Sam, tenho notado a sua confusão
Quem sabe não chegou o seu momemto
Suas cores se repartiram como as do arco-íris
sob a chuva fina,
é agora
ou nunca

Samantha Butterfly
E eu que lhe disse tudo isso
E eu que nem bem lhe conheci

Eu preciso acreditar no amor tranquilo


quero
que venha a mulher
para o meu descanso
sem precisar falar
palavras desnecessárias
sem precisar falar
palavra alguma

que apenas se deite na larga
espreguiçadeira, ao meu lado,
num entardecer,
janelões fechados,
cortinas abertas,
vendo o pôr do sol
sob a planície imensa

eu, ela e uma boa garrafa de tinto,
ISSO É EXISTIR,
nada mais é

Uma bobagem qualquer


Saia às 7 da manhã para o trabalho
O vento no rosto aumentava o frio
Tinha 20 anos nessa época
e trabalhava no fundo de pensão dos Correios

Chegava, batia o ponto
e era engolido pela entrada de mármore negro do edifício
Sufocava durante oito horas, calculando auxílios saúde
Não sei como não contrai uma doença terminal

Enfim, depois de três anos, consegui deixar o buraco,
onde vidas são perdidas para o nada,
e estou aqui, escrevendo,
somente escrevendo isso quase três décadas depois
e não me sinto tão mal agora

Urbanismo


As galerias que vazam os edifícios comerciais deveriam ser lugares de pequenas lojas chinesas, com fachadas de vidro escuro, emolduradas de laca negra. Isso daria uma certa distinção a elas, um ar de mistério.

Mas não. São largas demais. Públicas demais. Locais corriqueiros. A fauna que ali passa torna o ambiente previsível. Povoado de passos de gente morta. Meros pontos de passagem indo do nada para o grande nada.

Porque o arquiteto não previu isso, meu Deus? Esse marasmo. Por que esses rasgos inúteis que a todos abarcam? Torpes espaços emporcalhados,devassados como mulheres nuas.

Infortúnio


Tenho vários esquemas no jogo de números. Eu não sou muito persistente. Quero ser, mas não sou. Não tenho paciência. Se o troço não dá o retorno esperado, me irrito e logo mudo. Jogar é uma maneira de passar o tempo. É como foder.

Tenho grande simpatia pelos jogadores. Os que apostam, de certa forma dão um recado, que estão de saco cheio. Arriscam e isso já é algo meritório. Calma. Não sou demente nem viciado. Aposto uma quantia legal, porém pequena se comparada aos valores que outros do círculo jogam.

É só um instante de ansiedade em meio ao marasmo, diante do papel em branco. Quando vem o resultado e não deu, rasgo a pule. E segue o carro na mina. O importante é ter sempre um esquema. Mas se não der, pros infernos com ele. Ou com qualquer coisa que esteja perto e dê pra chutar.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Homenagem aos feridos

Boston agredida
Boston triste e perplexa
Boston de luto 
pela criança morta,
pelos feridos

mas os canalhas que fizeram isso vão pagar
- sentirão o peso total da lei

Tudo que nessa porra que voa pela janela


O ramerrão
a coisa toda fedendo
acordar
escovar os dentes
cagar
tropeçar de sono
beber o café ruim
me vestir
ir pro trampo
suar
mijar
pelejar nas planilhas
outra vontade de cagar
passou
comer dois salgados
na lanchonete do subsolo
ver gente, droga
ver gente e mais gente
na volta do metrô
tirar a roupa
o cansaço batendo
ir pro chuveiro
abrir 6 cervejas
num continuum
é
até que não é uma vida das piores
ainda

Um terço da Humanidade em caos


1
Sexta-feira. Tempo dos amadores.

2
As pessoas deveriam passar 90% do tempo de boca fechada.

3
Todo idiota é um convicto.

4
Nenhuma mulher decente casa.

5
Vinho quente é uma afronta aos deuses.

6
O melhor quadro do mundo é a mulher nua. Bem, nem todas. Nem todas mesmo.

7
"Dusquene, você nasceu para ISTO, rapaz".

8
Duro é pisar no chão, enfrentar o ramerrão durante 29 anos.

9
Trabalho é coisa para vencidos.

10
Sorte aí, Dusquene. É, pelo menos dizer algo positivo a mim mesmo, engana.

o fim, agora não seria bom


esse negócio de promessa
- e quanto nos prometemos...
é um troço dos diabos
pois a vida nos pega pelo pescoço
e nos joga em todos os buracos e armadilhas
e vamos escorregando em merda
até o fim

nos transformando
geralmente em pessoas piores
do que aparentemente pensamos ser
- e bebendo para esquecer
o que somos

isso vale para qualquer hipótese
da profissão ao casamento
do trabalho ao lazer
da bebida à abstinência
até o fim
o fim
de nada

Chamada ao telefone, Bugsy


estamos metidos nisso
até os ossos
essa loucura medonha,
a insensatez de querer
viver não vivendo

trabalhamos em supermercados,
lojas, sapatarias,
escritórios, oficinas,
compramos pastas de dente,
sabonetes, papel higiênico

algo passáveis por fora,
por dentro, umas merdas infames

e seguimos assim
superando os dias, os meses,
como autômatos, presos
na engrenagem crucial,
até o começo do nada

"Dusquene, você não pode escapar,
não vai se safar de modo algum,
não tem conserto, rapaz"

é o fim, o fim apenas,
que vem vindo, devagar

ECCE HOMO II


animal urbano
não sei viver longe dos edifícios,
do concreto, do alumínio, das estruturas,
do tumulto da metrópole organizada,
longe da vida em sua aspereza,
isolado da urgência das ruas,
mas não aprecio gente

sou o que sempre fui
e me aproximo conscientemente
dos velhos edifícios como lâminas frias de memória
e não há culpados – ninguém –
só existe vida e seu enorme desamparo

eu sei
eu, o velho Dusquene,
eu que escrevo enquanto bebo
eu e minha experiência de bares
eu que não enxergo propósito ou compaixão
jamais vou conseguir me desvencilhar
dessa roda que desce, desce sempre,
e me faz comer bosta

He and She


ela é um pássaro voando longe
eu, um cão sarnento de rua
ela se perfuma e vem, magnífica
eu, sou um bêbado nas garrafas
ela é piscina, saúde, protetor solar, mar
eu vou como ninguém mais vai
ela segue firme, segura
eu, com meu andar de pato
ela é felicidade em minha vida
eu, sou um verme sobre a terra
ela é minha verdade, meu caminho
eu talvez seja o monturo escuro
na margem da avenida

Ontem, tarde, na rua mais próxima


"Beberei até a sua última gota, Dusquene".
"Espero que engasgue, sua rampeira".
"Pensava que ia ter uma boa vida, hein?".
"É. Realmente imaginava algo melhor para o meu lado".
"Cê não é melhor do que ninguém, Duc".
"Sei que não sou. Mas também não preciso ser igual a todos".
"Escrever uns poemas e textos não o tornam superior".
"Mas me salvam do ramerrão, conservam o meu nariz acima do mar de bosta".
"Você é engraçado. Saiba... NINGUÉM SE SALVARÁ!"
"Não procuro redenção alguma".
"Seu fim será igual ao dos outros camaradas".
"Mas deixarei uns troços escritos, meu ódio talvez".
"Você se acha especial, Dusquene. Muito especial..."
"Afinal, dona, cê não tem mais o que fazer?"
"E você? Que destino dá a sua vida miserável?"
"Bebo e escrevo e vice-versa".
"Sua novela nunca será publicada".
"O que eu posso fazer? Mas um editor já se interessou. Agora é aguardar".
"Conversaremos mais tarde. O cara lá de cima me bipou. Um atropelamento na Pomerode, 45. Amanhã estou de volta".
"Não venha. Me dê uma folga".
"Isso não existe para você, Dusquene. Não para você".

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Quando nada que se tem a dizer é o bastante


1
Ser um azarão tem suas vantagens. Você fica na sombra, ninguém espera muito de você.

2
Gente que pensa demais, apodrece.

3
Os anos 80 em diante são anos jogados no lixo.

4
Boonie e Clyde é um divisor no cinema, assim como Kerouac e Ginsberg o são na literatura.

5
Cinema é vertigem.

6
Qualquer um pode escrever... Tente, amigo, tente e verá.

7
Aliás, não tente.

8
Está no sangue do homem ser corrompido.

9
Os yuppies dominaram o mundo, finalmente.

10
Vou só.

Café Alucinado


quero beber
um café alucinado naquela mesa,
onde estão os grandes escritores do meu tempo

não,
quero só olhar para eles,
observá-los na sua escrita espontânea
como a luz nos seixos rolantes dos rios, minando verdadeira vida,
não essa mentira estranha que bilhões de livros contam

meu café alucinado
será assim, eterno, mirando a paisagem na grande planície desértica,
antes da criação, no nada profundo, sem Vegas ainda

só quero observar esses
escritores - os que já se foram - e homenageá-los
com o meu sincero e agradável silêncio

Canção


são 3h e 40 da manhã
não consigo dormir de ressaca
então, a voz diz, levante-se homem
e escreva...

mas escrever o quê e por que?
estou esgotado e puto
o ano foi foda
mais um deste e me estrepo

a voz sugere
que tal escrever um poema
com o título "Canção"
todo poeta escreve uma droga dessas
em algum momento
o seu chegou

é,
"Canção"
aí está
valeu pelos cinco minutos
que levei para compor

mas a insônia,
o gosto de metal
na boca
e a voz
ainda estão comigo

Otto Dusquene

...


é certo que estaremos todos mortos daqui há 25, 30 anos,
então, vivamos sem frescura, sem essa joça que atrapalha a vida
quero mesmo é mergulhar numa piscina azul clorada e
sair na borda e ver meu drinque preparado na beirada,
ali, pronto, um bom drinque gelado qualquer, avermelhado,
e com uma rodela, ou duas, de lima ou limão, um drinque de classe

lutemos contra a obviedade, contra tudo e todos que fazem
de nossas vidas uma tremenda cratera cheia de estrume seco,
sejamos absolutamente egoístas com as nossas prioridades,
porque são nossas e não são de mais ninguém mesmo, não

estou certo que conseguiremos alguma coisa dessa teimosia,
talvez os punhos queimados pelo ardor dos murros na parede,
não sei bem o que será, mas é preciso tentar, ir, rir, sair e ver,
afinal, certo é que estaremos mortos antes do tempo, bem antes

...


estamos sós nestes dias
como em muitos outros
passamos nas ruas por gente
que não nos dizem nada
que vai só, também

todos adiando o que realmente
querem fazer: beber, morar perto do mar,
queimar as contas, se livrar do cão,
foder a vizinha

e assim vamos morrendo, loucos, conformados
com o que a vida nos pode dar
e recebemos de mãos abertas
e felizes

Pobres, pobres, livres e pobres


o poema vem imundo
como os becos mais sórdidos da city
sai como um bêbado ao final de uma noitada
vem trôpego, mas verdadeiro

o poema mente como uma puta,
lhe dá o que você implora,
mija morno na sua perna e pisca,
cínico, humano e eterno
como a pobreza
na city

o poema chega morto,
cheirando a séculos e ferrugem,
como o último dos últimos
copos no balcão do bar
mais fétido

é o poema,
o que devem esperar de mim

A vizinhança de um andar para o outro

"Poppy, não quer trabalhar mesmo". "Sacuda ele da cama". "Estou bancando até o cigarro do desgraçado. Seis meses que ele está à toa". "Mande ele pro inferno". "Não posso. Poppy dá um trato na minha filha Sally toda noite. Sally não vive sem o pau de Poppy". "E Poppy não vive sem o seu dinheiro..." "É, parece que sim". "Cê tem que tomar uma atitude". "Se eu expulsá-lo de casa, Sally vai junto. Ela vai pra onde for a pica de Poppy". "Porra, o cara deve ser bom na coisa". "É, parece". "Que cê vai fazer?" "Nessa situação, tô fodida". "Imagine Sally como está".

Nos fundos da Pomerode

"Momy, Bubble não quer me emprestar Fiply". "Dá logo Fiply para ele, Bubble". "Dou não". "Dá, senão eu vou aí e cê sabe que comigo é diferente". "Dou não". "Mooomy!". "Bubble, paasa Fiply pra ele. Cê já brincou demais com o gato". "Não. Custei a amarrar ele com a toalha". "Momy, Bubble tá dando choque no gato". "Quando acabar, passe ele pro Frino, Bubble". "Humm. Tá bom Momy". E o rabo pelado do bicho mais uma vez em contato com o fio desencapado.

A bomba H explodindo em minha cama


1
Qualquer um pode ser um imbecil, basta existir.

2
Mulheres, bebida e sol. O Paraíso, meu chapa, é AQUI e AGORA.

3
Preliminares são coisas de amador.

4
Às garrafas, e que se foda o resto.

5
O mundo é bem melhor quando fecho a porta.

6
Sempre tive muito respeito pelo dinheiro. Ele é que não vai com a minha cara.

7
Sexo é sumo e suor. O mais é merda, poesia.

8
"Eu não gosto de você, Dusquene. Queria te matar".
"Pegue a senha. Entre na fila".

9
Mulher tem que ter seios empinados, pernas longas e anca firme. Menos que isso...

10
Mulher que não se considera um parque de diversões não é mulher.

domingo, 14 de abril de 2013

Tão pouco tempo no mísero vão da porta


aqueles que escreveram
sobre o que passaram na vida
disseram a verdade,
a sua verdade, pelo menos

foram brutos,
honestos, viscerais,
arrebentaram suas mentes
nas pilastras dos edifícios de negócios,
socaram a cara da Morte até os ossos,
fendendo seus vermes amarelos e cretinos,
levados ao chão e pisados

não fizeram LITERATURA,
esse cão sarnento, repugnante,
não se deixaram levar pela NOVIDADE,
essa puta escrota de 67 anos,
cheirando a alho e com corrimento

enfim, foram simplesmente eles mesmos,
nus

Brilhante cratera da vermelhidão extrema


Blood Mary,
uma piscina, vertigem legal,
uma vida decente, Dusquene,
é o que você merece, camarada,
por todos esses anos no deserto,
convivendo com o escol da mediocridade,
com nada além da pura merda

o que as pessoas fazem de suas vidas
não tem a menor importância,
quando eu não as vejo nas ruas,
sorrindo o riso idiota de sempre,
contando velhas piadas, vomitando
batidas opiniões, gargalhando bêbadas

Blood Mary,
o sol, o surrado calção de banho,
um mergulho gelado, o silêncio de dez segundos,
emergir é para os fracos, viver também é,
em muitos casos

Dusquene,
quando você terá o seu quinhão do sonho?
a areia está escorrendo rápido nos trópicos,
e você continua tentando, tentando inutilmente
algum coisa palpável
que lhe de GRANA

Antes que o outono chegue, rubro


1
“Ela enfiou a argola e apertou”.
“E daí?”
“Me caguei todo”.

2
“A garrafa vai te matar”.
“Porra nenhuma”.
“Vai sim. Pelo menos me dê um gole”.
“Peraí”, emborquei um pouco mais.

3
“Cê não me quer por perto”.
“Às vezes não. A maioria...”
“Por que?”
“Gosto de ficar sozinho. Me faz bem”.
“Quer que eu saia?”
“Se você quiser. Mas deixe o tinto comigo”.
“Filho-duma-puta, maluco...”
“Cê que sabe...”

4
“Debra, vem comigo, quero te mostrar um troço”.
“O que é?”
“Um negócio doido, um bicho, peludo e grosso”.
“Onde?”
“Aqui no quarto. Vem”.
“Sei...”
“Tá... Como é? As garrafas já se foram...”
“E daí?”
“Não temos muito o que fazer agora”.
“Nem conversar?”
“Tá bom, vou sair e comprar mais um tinto”.

5
“Mami, cê fode?”, perguntou Suzzy.

O que digo às ruas empesteadas


os livros que valem a pena ser lidos já foram escritos
temos 30 anos de bobagens penduradas nas estantes
best sellers, biografias (com algumas honrosas exceções),
livros de viagens, noites de cães danados, ensaios...

joguem fora essa droga
que entorpece as mentes que ainda insistem em pensar...

nem tenham estantes para acomodar essa porcaria
utilizem o espaço para colocar um objeto qualquer,
a estatueta do grande UMA LUMUMBA, por exemplo

mas não comprem livros mortos, tolos, impróprios à inteligência
não gastem seu suado (ou, muitas vezes, nem tão suado assim) dinheiro
com esse lixo urbano

sejam homens e mulheres de coragem...

O que digo em meio à tarde vadia


1
Dusquene, 48 anos hoje, hein? E numa sexta-feira... Merda! Os amadores estão todos nas ruas.

2
Ainda terei meus dias de mar, drinques decentes, uma vida boa à toa. Um bar só para mim. E o sol... O sol, amigo, o sol.

3
Entendo porque muitas mulheres não param de falar. Sem isso, não seriam notadas. Morreriam de fome e sem trepar, eventualmente.

4
Miséria é cerveja quase no fim.

5
Certos indivíduos já nascem mortos, banidos de bons momentos.

6
Tantas vidas de merda, tantas latrinas desimpedidas.

7
Dusquene, o Duc, o pato que rosna.

8
Qualquer mulher pode matar seu homem. Não é uma questão de vontade, mas de persistência.

9
Ejacular é fácil, difícil é manter o resultado andando.

10
Às vezes, não escrevo nem para mim.

Blue, Home, Blue


Abro a geladeira. Meia banda de vinho branco velho me olha de lá. Digo “alô” e mando ver. Não desce bem, mas vai. Sempre vai. Aos 48 anos não sou muito exigente. Não sendo vinagre...

As pessoas vão aprendendo durante a vida. Algumas poucas vão ficando mais sábias, mais tolerantes. Há impaciência também, com escadas rolantes, cães e multidões. E, enquanto eu tiver a possibilidade da garrafa, isso não me afeta o suficiente...

Agora são 17h. 17h, e daí?

- Dusquene, que tal outro poema? Um que fale de mulheres loucas...

- Não existem mulheres loucas e vorazes o bastante. Não mais... Frida Kahlo foi a última.

- ...

Sorte é uma sombra no muro ao lado


1
Não importa para onde eu vá. Seres humanos, sei do que são feitos.

2
“Você não gosta de gente, Dusquene?”
“Não”.
“Por que?”
“Gente fede. De uma forma ou outra, sempre nos decepciona”.

3
Fidelidade é a maior sacanagem que pode haver num casamento.

4
Viver é esperar. O que? Não sei.

5
Há mulheres que fazem a vida do sujeito valer a pena. Mas a maioria se transforma em um estorvo para seus homens.

6
Quando o seu bar favorito está fechado. O melhor é aguardar, bebendo, em outro.

7
Escrever é estilo, e muita, muita sorte.

8
Há uma vez para tudo, até para o divórcio.

9
Felicidade é uma coisa que vendem em outra cidade.

10
Literatura = Morte.

sábado, 13 de abril de 2013

Uma ansiedade que me anima


se ela vier é porque quis
estarei aqui esperando no apartamento
o gato passará no patamar da janela
anunciando sua chegada
mandarei que ele desça

então, eu me levantarei
abrirei a porta e uma cerveja
e esperarei sua chegada
aguardarei um pouco mais
e fecharei a porta
se ela não vier...

sempre fui avesso a esperas
mas, por ela, farei um esforço
mas depois de dez minutos
voltarei a colocar meus pés
sobre a mesa de centro
coçarei meu saco
e abrirei outra cerveja
talvez não nessa ordem

Sally Rose


os seguranças do Marino’s
encontraram Sally Rose,
depois de uma procura de duas horas,
morgada, pernas estiradas,
docemente abraçada a uma privada,
cabeça emborcada para o vaso, escorada no assento,
vômito grosso no vestido branco

bebera seis copos de tequila
na festa de Fim de Ano da empresa
big boss não gostou especialmente
dos xingamentos antes do baque

Sally ficou, assim, malvista na corporação
por ter cheirado, durante duas horas,
literalmente, a merda alheia

Ao bom Deus


o vento entrando na janela
a possibilidade das cervejas na geladeira
o sono etílico querendo vir
eu ainda indo para o freezera merda toda cansando
a cama a meio do caminho
emborco nela até o fim da noite
- acordo na beira da segunda-feira
e com a TV aberta na minha cara
- é Dusquene, você pode com isso,
bom Deus, como você merece isso

Longe, onde ninguém me alcance


gosto de ficar só
trancar o mundo lá fora
não ter amigos é uma de minhas qualidades
sempre me achei só na planície e isso
é legal, é bom e honesto

quem gosta de gente deveria ir pro manicômio
gente incomoda, gente fala, gente fere os olhos
e, às vezes, as narinas

Blue Sue,
a gorda do banco,
se acha legal e especial, a Blue Sue,
mas é um troço terrível para se ver, para se empalmar:
toda aquela gordura e carne vazando
pelos lados e na frente

- Blue Sue, cê é uma merda! – lhe disse Seymour uma vez.

E Seymour estava certo.

A cortina puída da alma alheia


1
Quem não tem preconceito - um que seja - não é humano. É triste, mas é verdade.

2
Os dias de sol, os drinques na piscina, quando os terei?

3
Certeza absoluta só idiotas têm.

4
Quando uma mulher quer, ela faz um homem pensar naquele viaduto.

5
As mulheres se arrumam. Se maqueiam. Vão a salões de beleza. Fazem o diabo. Mas muitas perdem seus homens para a garrafa.

6
Viver é im-pre-vi-si-bi-li-da-de. O caos...

7
Os jovens hoje vivem com os país até 27, 30 anos. Júnior não sai de casa nem para comprar cigarros.

8
Um bar sortido. Essa é minha ideia de Paraíso.

9
Sempre há gotas a mais no fundo de qualquer garrafa.

10
A possibilidade geralmente é apenas isso: uma possibilidade.

...


1
"Meu coração, quebre somente em caso de emergência".
É a placa que cada um deveria trazer no peito.

2
"Há muita miséria no mundo..."
"Qual a pior?"
"O homem".

3
Os caras são foda, não deixam uma migalha, para ninguém.

4
Político honesto só em Marte.

5
Foder é questão de sanidade mental.

6
"Você escreveu um livro, e daí?"
"E daí que tudo pode acontecer a partir daí".

7
Preconceito é mortal como a lâmina. Mas quem não tem...

8
Jack Kerouac parou de escrever, foi beber cerveja e jogar sinuca.
Uma escolha válida. Escrever entedia, muitas vezes.

9
Viajar pelo país, uma merda que vou.

10
Beber é convicção.

Meu amor difuso que anseia


eu não tenho
talento algum
com números
as pedras não caem
a sorte não vira a meu favor

e, à minha volta,  pululam
papéis amarrotados de esquemas
falidos, descartados

os endinheirados
não precisaram abanar o rabo
- falo de trabalho, camarada -
já lhes deram os ossos da pata
de um boi alguma vez 

o homem comum
tem que gastar o solado dos
sapatos durante 30 anos
para ter um lugar
decente onde cagar
quando volta para casa

 e
esse homem comum
vai testando a sorte,
 que nunca vem, jamais,
até morrer de inanição

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Em meio ao que tudo posso nesta miserável vida


eu não preciso de muitas coisas:
dessa quantidade enorme de seres humanos
de lanchonetes, shopping centers,
da hipocrisia humana, da aberração humana,
de fé ou noticiário esportivo

detesto jornais
e revistas especializadas
gosto de beber antes, durante e depois
acredito que o planeta vai de mal a pior até que me provem o contrário
- por enquanto, continuo vendo a merda descendo pelo cano
dias ensolarados e secos são particularmente indigestos
quando a ressaca é brava - e, geralmente, é na minha idade

detesto também notícias de ganhadores de loterias
ou de qualquer prêmio - podem ser pessoas sem fibra,
que farão coisas elementares com a grana

já essa notícia da explosão solar é interessante,
forma auroras boreais, anima a vida, aquece o sangue,
faz com que tenhamos dúvida sobre a permanência da espécie nesta terra,
e isso é sempre algo salutar - a incerteza, esperar o caos em tudo

Meio de identificação melhor que digital


os fundilhos das calças dizem muito do que as pessoas são
fundilhos volumosos indicam pessoas comunicativas ou carentes
os murchos pertencem àquelas que se enquadram na classe dos roedores
traseiros nem gordos nem magros são de pessoas aparentemente normais
- mas nunca se pode confiar inteiramente, jamais
os fundos de pessoas religiosas e católicas são gordos e cagam bem
os dos protestantes também são gordos e endinheirados,
mas na frente, nos bolsos

quer conhecer uma pessoa na alma:
observe com atenção os fundos de suas calças,
como os vincos se formam nas bandas enquanto caminha
- sei o que posso esperar dos indivíduos quando os vejo por trás...
por exemplo, fundos de chefes não trazem marcas,
ou seja, mesmo pelo cu não dá pra imaginar o que seu dono está pensando:
se está querendo lhe foder logo ali, na passagem

é um bom caminho para a compreensão da Humanidade, amigo, um bom caminho...

Lucy


os copos hoje estarão cheios e as mulheres mais úteis
o sexo mais ágil nos becos, galerias, nos postos de gasolina,
em cada greta do resto da cidade,
em cada cama uma possibilidade,
Lucy

nesta noite,
os homens estarão com suas carteiras mais dispostas,
as mulheres com as pernas mais abertas
e minha gala morrerá
no fundo de você,
Lucy,

Lucy, Lucy, Lucy,
sem fantasias, sem diamantes,
só sexo puro,
só você,
Lucy,
nua, nua, nua
basta

Intermitente enquanto o garçom varre a rua


ontem faltou a chave
e fiquei no bar até meia-noite e meia e verifiquei:
não há mais pessoas interessantes, todas se foram,
restaram sombras e a pequenez de homens mínimos,
uma geração inteira se foi, para nunca mais

desapareceram a verve,
a sagacidade, a ironia, o fair-play, a música,
só as moscas rodeiam, agora, minha mesa vadia,
e eu estou cheio disso, de tanta gente comum,
no termo mais pejorativo da palavra,
gente que é merda
merda pura

por isso, estou bebendo mais em casa,
compro meia dúzia de latas de cerveja
e me divirto comigo mesmo
e assim vou - tlank, mais uma que desce -
na paz

só ontem foi diferente
por causa do caralho do esquecimento da maldita chave

Eu quero que você vá, mas não me leve


ninguém pode ser o que é, baby
enquanto não toma um drink, não relaxa,
uma vida decente, meu Deus,
só uma vida decente

não peço muito
só a gentileza, se possível,
de você. amigo, não me visitar, nunca

me deixe em paz,
é, só um pouco disso, e me basta,
humm...mais um gole de birita,
legal,
Duc

O que devemos fazer para não perder a sanidade II


detesto muitas coisas...
shopping centers, sapatarias,
TV aberta, barbearias, a urgência dos dias,
cerveja choca, bares que fecham ou não abrem,
a morte previsível em cada rosto, cachorros,
pombos, as filas dos vencidos nas loterias,
o caixa eletrônico que reluta em vomitar meu dinheiro

detesto o que fazemos de nós mesmos,
o que nos condicionamos a fazer por comodidade, família,
ou pensando que, assim, estamos nela:
NA SOCIEDADE REGULAR

beleza,
e assim nos moldamos,
autômatos até a medula, há 40 anos,
nascidos para isto, vivemos dessas misérias e certezas
até que não tenhamos forças sequer para resmungar
nem por e-mail

Ao longe em indormida e momentânea estante


1
O pior não é viver. A demência é aguentar pessoas por perto.

2
Um homem decente não deixa de beber seu drinque.

3
Sempre há, no final da linha, no último minuto da última hora alguém que pode foder seu dia.

4
Noventa por cento das coisas que temos são desnecessárias. Uísque não. Uísque é urgência ambiental.

5
Sem compaixão não há humanidade. Porém, 90% dos que compõem a humanidade são insensíveis, cruéis.

6
Se eu faço parte disso, quero o meu quinhão. E AGORA!

7
No mundo não basta ser O CARA. É preciso assassinar os outros caras para ganhar um lugar ao sol.

8
Viver é uma benção... Diga isso para o gari.

9
O dia em que você, Dusquene, escrever literatura, você estará morto. É melhor que tenha as mãos amputadas.

10
Fora isso. É isso.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Meu medo é não ter tempo para dizer tudo o que penso


Ei, Fante!
Acorde, John!
Por que as margaridas não vieram no momento propício?
Por que o sol parou sobre as montanhas e não quis se pôr?
Por que estamos tão sós na Noite de Natal do hemisfério?
Por que essa sensação de náusea, esse pânico?
Por que levaram da mesa a garrafa de vinho, meio cheia?
Estamos sós nestas pradarias de carpete marrom?
E por que Josie não cuidou da mancha no sofá?
Oh, vida!

Ei, Fante!
Cadê você, John?
E Bandini com seus sonhos de Hollywood?
Por que as violetas estão mortas ao sol?
Por que a névoa azul-prateada cobre a cidade dos anjos?
Por que esses olhos tristes, úmidos de desamparo?
Por que a fisgada na barriga se lhe beijou a doce Lucy?
Assim é a vida John

Vá agora, não demore...
Se esperar, se esperar até a primavera
Você sentirá o odor, verá o grande esgoto
que se transformou a cidade das luzes e das possibilidades

Eu sou meio você John
Eu sou meio você Arturo Bandini
Sigo um pouco a sua receita –
e devo lhes informar que
ESTÁ FINALMENTE TUDO OK!

Enfim,
A vida é feita de tudo isso, de muito disso que você escreveu, Fante...
De gente confusa, de mulheres, de desejos e sonhos e fé,
de onde tiramos contos, romances, novelas,
risadas, dores, lembranças fugidias e belas...
que ficarão para sempre
sob os olhos dos escolhidos
daqueles que SABEM

Você


você é a pessoa mais fabulosa
que aconteceu em minha vida
não existe outra mulher, nenhuma
as brigas são lembranças espetaculares
a troca de palavrões,
a vida caminhada junta,
e a falta de tempo para nós mesmos,

mas você me faz a vida mais leve,
faz com que eu acredite
no pote de ouro
mais na frente,
que tenho visto...

você é o meu amor, você é a beleza,
você é Guernica ao contrário, baby

Cavalos ou... o que vier de lambugem

Malcom tinha uns dentes separados. "Ei, Dusquene, tive um sonho doido, cara". "Que foi?", "Um páreo de bucetas!". Malcom riu seu sorriso de dentes grossos e separados. "Como é?" "Isso que cê ouviu. Um páreo de xoxotas. As bucetas largaram para ganhar o grande prêmio". "E qual era?" "Uns caralhos tesos na horizontal na linha de chegada. Já imaginou..." "Não, não imaginei". Malcom ria, feliz: "Algumas xoxotas tinham os lábios finos. Outras tinham uns grossos que nem dedo de alcatra, Duc. Demais não?". "É". "Umas eram louras, outras rapadas. Uma ruivas. Outras escuras e peludas como um Pé Grande". Malcom gostava realmente daquilo. "Sabe quem levou o páreo?" "Tá, diz, quero ouvir a merda toda". "Piriquitinha, uma azaronaça. Ganhei 350 mangos". Sai. Era demais até pra minha bebedeira. Malcom continuou na corrida, rindo, um vencedor.

A dor retirada do meu cérebro


Bulforf tava na dele. No bar, em qualquer lugar. Via a morte nos olhos das pessoas, e nem ligava. O cara era realmente estranho. Mas era amigável, às vezes.

"Quer um drinque, Buff?"

"Aceito. Mas não me chame assim de novo, filho. Senão vai ser encrenca".

"OK. Manda um uísque aqui pro... (o rapaz olhou os olhos secos do homem) nosso amigo aqui da 4".

Bulford levantou, pegou o taco de sinuca e, com o cabo, quebrou a cabeça do garoto.

"PORRA, BUFF, QUE FOI QUE EU FIZ! CÊ TÁ NA MESA 4, CARALHO!"

Bulford olhou. É, tava mesmo.

Mas agora era tarde.

"Foda-se, filho. Você mereceu. Bem ou mal, todos merecem".

Ninguém bebe mais ali


a vida é uma coisa miserável, uma teia
e nós somos as moscas que caímos nos fios,
e a Aranha, o destino que nos vem devorar
ou nos enrolar para comer mais tarde,
na janta

eu não quero ter amizade com pessoas mais velhas do que eu
ontem, soube da morte de mais uma mosca,
um sujeito perdido pro diabetes e pra bebida,
morreu deprimido, indo e vindo de internações,
trancou-se por fim no quarto,
uma coisa bem triste,
e se foi

minha válvula de escape é escrever sobre tudo isso,
sobre essa droga toda sem sentido algum, sem motivo para ser,
sobre o fim inexorável e patético,
que nos espera, sem ansiedade,
sem compaixão alguma,
nenhuma

Enquanto na veneziana aberta do meu pobre ser


1
Qualquer um pode ser um idiota. A burrice não tem proprietário único.

2
As mulheres têm a propriedade de fazer os homens tremendamente infelizes, quando fazem disso a razão de suas vidas.

3
Escrever é confissão.

4
O escritor não precisa de páginas em branco, ncessita ter vivido, pelo menos um pouco.

5
Me disse Rose:
"Dusquene, quando você prestar, você não escreverá porra alguma que preste".
É, você sacou o lance, Rose.

6
Não se engane, camarada,
Você está tremendamente só.
Não se deixe enganar...

7
Bill fugiu com Lilly
E que merda eu tenho com isso?

8
Ninguém sabe o dia de amanhã
Mas muitos não sabem nem o de hoje,
o que fazer de suas pobres vidas

9
O fim é o fim, amigo.
Tente adiá-lo, se você conseguir, me ligue.

10
Abraço do Otto

Esta noite a lugar nenhum


eu não irei a lugar nenhum esta noite
com essa lua, esse tinto, a camisa manchada
imprestável como seu dono
minha dona já dorme
e eu bebo na garrafa, na sala,
olhando uma lua cheia inacreditável,
pernas escoradas numa outra poltrona

três da madrugada,
me sinto deslocado, alienígena, feliz enfim,
baixo os olhos até o dorso vazio do asfalto,
calma em tudo, o mundo perfeito,
sem ninguém, sem trânsito algum,
só o semáforo piscando à meia distância amarelo,
para o nada, o nada

"Dusquene, é você?"
"Eu? Quem?"
"Estou falando da lua. Quer dar uma volta? Ver a Europa de cima".
"Obrigado. Prefiro ficar neste tinto. Além disso,
está meio complicado por lá. Prefiro continuar lhe admirando daqui".
"Entre em contato quando precisar, sim".
"Tudo bem, camarada".

Olhei a garrafa, ainda tinha um quarto.
Emborquei...
Que lua, fdp! - pensei

terça-feira, 9 de abril de 2013

Insinceridade ao véu que desnuda o impossível

1.
A certeza é sempre uma miséria.

2.
Ninguém é bom consigo mesmo.

3.
Só os idiotas seguem macrobiótica.

4.
Qualquer punheta é um ganho. Exercita.

5.
Neste mundo louco. Esconda-se no apartamento.

6.
A burrice em você resume muita coisa.

7.
Ser incapaz para algo não deixa de ser um meio de vida.

8.
Qualquer momento tem seu tédio próprio.

9.
Frigideira sem ovo fritando vale muito pouco.

10.
Eu não posso dizer sinceramente que te amo, Lilly. Infelizmente, não posso.










Ei, cara, vá para o inferno... e leve sua mãe


Eu não ando legal, mano
Não brinque comigo
Não ando bem nessa selva de pedra
Realmente não estou confortável

Eu deixei de fumar há onze anos
E por isso ando nervoso,
facilmente irritável

Hum.... Huuummm...
Mas aquela dona de peitos imensos
Aquilo está me deixando easy
É, legal,

Isso, e o uísque,
A minha fé nos homens é mínima, risível
Mas não a maldita sorte dos diabos
Quem sabe? Vamos apostar um pouco...
Leve

Muitos são a pior imagem de si mesmos
ééé -
e não podem ir mais fundo,
pois já estão nele
até o umbigo
ou em um nível
mais acima
cheirando bosta

enquanto ela ainda dorme


estamos muito sós a qualquer hora
mesmo com quilos de ideias na mente
mesmo com o rugir da estupidez planetária
mesmo com essa bagagem de vida
mesmo com tudo isso – e um pouco mais

preciso desse isolamento?
preciso mesmo é da sala do apê iluminada,
dos móveis práticos, maleáveis,
de uns tira-gostos me esperando,
umas latas de cerveja no congelador,
preciso um pouco disso tudo

bom mesmo é voltar para casa
ver Gill dormindo tranquila
ronronando seu ronco
de gata em lençol
de linho

...

"Humm... Ehhhhhhhhh... Hummm... Velhinha gostosa que cê é, Sally". "Ééé?"  "Cê não sabe que é?" "Assim, cê qué? Assim..." "Isso, Sally, faz Sally, cê tem uns músculos aí dentro, Sally. Ughhh...aaaahh". "Aprendi com Wilburn. Ele leu numa revista sacana e eu comecei a praticar, é um tal de poncon.. pompo...". "Para não de praticar, viu Sally, tá? Ughhh. Mais, mais isso, Sallynha...". "Cê gosta, é?". "E como... Pratica sempre comigo, viu Sally". "As ordens, prepara que essa vai doer..."

A inutilidade às vezes tem seu proveito


iremos todos morrer em vão,
tentando pisar firme, aguentando,
sorrindo lamentavelmente,
quando tudo em nossa volta
desaba

iremos todos terminar, juntos,
na grande merda colossal,
deitados

e o que fizermos de nossas vidas a partir de agora
- sempre, sempre amigo -
terá sido um esforço
inútil

como o voo frenético dessa mariposa em volta da lâmpada
neste triste fim de noite
de novembro

A fé desanima, às vezes, só às vezes


"A montanha está em você, Dusquene".
"Que troço é esse?"
"Você precisa trans-cen-der. Ir para a luz..."
"O caralho desse negócio. Sou mais ficar no fundo do bar, bebendo..."
"Deixe eu tocar na sua testa a procura de um sinal".
Olhei seco pro porra-louca, ele entendeu.
"Você está cheio de raiva, Dusquene. Isso é mal..."
"E você está enchendo o meu saco, e isso é bem pior".
Tomei um gole e levantei.
"Será que não há um bar decente nesta droga cidade pra se beber em paz", sai pensando e pisando duro, olhando o cu das donas que passavam.

É duro ser discreto à luz da lua

Bug Bess entrou no bar. Pug Lee levantou. Alfred, o dono do bar, foi logo dizendo: "Calma aí, rapazes, não quero confusão aqui. Se têm algo a resolver, é lá fora". Bug Bess e Pug Lee se olhavam, ferozes. "Onde está minha mulher?", falou Bess. "Se você não sabe, muito menos eu", respondeu Pug. "Você está fodendo ela, eu sei". "É, demos uns amassos, foi só". "Seu filho-duma..., cê ainda confessa?". Pug: "Estou sendo sincero, foi isso só entre nós". Bess cerrou os punhos: "Cê tem certeza?". "Tenho". "Tudo bem, então, deixo você me pagar uma cerveja". "Tudo bem. Mas só uma". "Tudo bem, só uma". O bar voltou à normalidade.

Em que me abala o que eu não tive por conhecer alguém


a cidade é um vício
assim como as mulheres e como era o cigarro
belas pernas, coxas, traseiro e seios
triste é ver tudo ir se acabando

não gosto de Natal, de dar ou receber presentes
não gosto do compromisso, de shopping center
da bonomia de rostos intrusos em minha vida
gosto é da solidão de mim mesmo,
ou melhor, comigo mesmo

essa obrigação, essa urgência da época
me causa engulho, certa vertigem até
Dusquene, você não está pronto para festas,
aliás, jamais estará...

não sei, realmente, como você sobreviveu a quatro décadas
e a mais de 15 empregos desconfortáveis, monótonos, erradios
como gatos pretos

a essa inescapável existência
do moto continuum
até o fim
o fim

segunda-feira, 8 de abril de 2013

A loucura que nos convence de uma maneira inexorável

Entrei no metrô. Sorte naquele dia. Um lugar vago. Sentei. Comecei a folhear o jornaleco que distribuem nas estações. Numa cadeira lateral, uma dona loura de meia idade. Eu estava nas páginas de esporte, conferindo os resultados. Então, do nada, o tique. O maldito tique que veio das profundezas de não sei onde. Na minha frente, um esgar da mão esquerda com um puxão, quase um tapa, também para a esquerda. A mão da loura roçou o jornal. "Porra, de novo não", pensei. Tinha comigo um trauma com uma cabeça num restaurante, uma cabeça de uma dona também, que agitava de cinco em cinco segundos, para o lado. Olhei. Havia visto o movimento da loura, enquanto mudava a página. Mais 30 segundos, o esgar e o repelão. Novamente o bater da mão no jornal. "Dona, por favor, que bosta é essa?". "O que?". "Essa merda enervante que você faz com a mão, tumultuando ainda mais esse mundo insano". "Não faço nada". "Como não? E esse tique dos infernos?". Imitei, sério. O povo que estava perto gostou. A velhinha desdentada do meu lado riu. "QUE TIQUE! NUNCA TIVE TIQUE ALGUM! JAMAIS! QUE É ISSO DE TIQUE?! VOCÊ SÓ PODE ESTAR DE BRINCADEIRA COM A MINHA CARA". "Tudo bem, dona. O mundo é que não se enquadra aos seus movimentos". Durante a conversa, haviam se passado os 30 segundos. O esgar da mão de pássaro veio forte desta vez e o repuxão arrancou o jornal de minhas mãos. Eu sabia que o troço viria, por isso havia levantado de propósito algumas páginas. "Tá vendo, dona... ESSE TIQUE! É dessa porra que eu estou falando...". "QUE TIQUE?! ALGUÉM AQUI VIU ALGUMA COISA? VOCÊ SÓ PODE ESTAR MALUCO!". "É, dona, de certo modo, todos nós estamos". Apontei para uma idosa que entrava e lhe passei o lugar. Na hora que a velhinha sentou eu abaixei e lhe disse, alto: "Olhe pra janela, vovó. Sempre pra janela. Jamais para frente. NUNCA! Ouviu bem, NUNCA!". Olhei, então, para a loura de meia idade, que se remoía. Dei tchau, ri e desci naquela parada. Esperaria uma nova composição.

Nada no jornal, por hora


Sonia Dee morreu hoje
Num quarto de pensão barata
Cercada de garrafas vazias
E guimbas de cigarro

Sonia Dee
Ajudou muita gente como enfermeira
Mas se viciou em analgésicos
e destilados, sem razão aparente,
como se uma fosse necessária

Sonia Dee
Ao que parece, bebeu até altas horas
Não desperdiçou um minuto sequer
E se foi

Dusquene, sua grande bola de merda rolante


Ei, camarada,
Eu sou Dusquene
E, você, quem?
Não ouvi...
Grande bola de merda você é
Eu faço a minha parte
Produzo alguns poemas,
uns bons outros nem tanto,
mas produzo, estão aí
para serem lidos
ou cobrir piso
de gaiola de canário,
a decisão não é minha

"Ninguém é bom o suficiente para você, Dusquene".
"É que eu não ligo muito pra ninguém, baby,
só para as suas doces pernas brancas de leite", apalpei um naco.
"No fundo você é um sujeito decente, Duc".
"Às vezes, pareço que sim, até para mim".
"Você já ajudou alguém, não é? Todo mundo ajudou".
"É?". "Não é?". "Éééé...."
"Conta como foi?"
"Deixa pra lá"
"Diga, vá", Suzzy esfregou sua bela coxa no meu pau.
"Huuummm... Um velhote desmaiou na rua. O coloquei dentro
de uma lanchonete. Um calor dos infernos e o velho dando umas voltas. Sabia mais ou menos onde ele morava, era dali,
alertei um filho ou genro, sei lá".
"E depois?"
"Deixei o velho com o parente e fui beber no Tony´s".
"Tá vendo? VOCÊ É UM SER HUMANO, DUC!"
"É, pode ser, às vezes..."

É disso que falo: da vida barateada,
descartável, e imensamente sincera
Eu escrevo sobre ISSO, camarada,
E você? Quem? Sua grande bola de merda.

Caledônia


Fillgow, o pistoleiro, desta vez cai. Morre na tarde rubra, em meio a cactus e folhetins de cowboys. E então esperaremos que ele renasça nas velhas páginas de gibis esquecidos nos fundos de gavetas.

"Ele não virá, Gillmore".

"Virá, sim".

"O gibi deste mês já foi lançado".

"É uma merda, vou ver com meu pai se ele acha um novo no almoxarifado".

O vento bom que vem do oeste

Mildred tinha 75 anos. Era casada com Willbur, de 84, há 57. Thompson, de 67 anos, entregava correspondência para Mildred e Willbur há 40 anos. Um dia, no aniversário de Mildred, Thompson disse que faria uma coisa diferente e que Willbur não ligasse, afinal eram velhos conhecidos. Então, pôs as mãos suavemente nos braços de Mildred e lhe deu um beijo leve na boca. Todos riram, velhos conhecidos riem sempre. Willbur, rindo por trás dos óculos grossos, pediu que Thompson aguardasse ali. Todos continuavam rindo. Willbur voltou com a arma em punho e atirou a queima-roupa em Thompson. Mildred gritou. "Você nunca prestou, piranha". A perícia encontrou muitas cartas chamuscadas. Mas os endereços ainda eram legíveis.

Ao inferno


Vá, Dusquene, ao inferno
Saia às ruas
Compre uma passagem, só de ida,
para lugar algum
Sofra, sem alarde,
as intempéries
da vida,
sol a sol

Não adianta,
é preciso dobrar a dureza
dos rins, da pele,
antes de abandonar o ringue
cheio de hematomas

Vá, Dusquene, seu bode velho, ao inferno
Deposite lá sua alma vil,
cheia de menosprezo
Não hesite, faça
Aproveite a viagem
e pergunte ao sujeito, enfim,
qual o lastro das coisas vistas
e que ainda serão
em sua vida meio morta
de insônia da tamanha realidade

Um trago a bem do dia triste


tudo isso valeria a pena
se nós soubéssemos
um pouco mais das coisas

ai regularíamos a mão
iríamos mais devagar ou não
- ou beberíamos mais,
quem sabe?

o problema é justamente esse
não sabemos de nada, nada pelo menos que valha a pena,
realmente, saber

só lidamos com contas, caixas, cachorros,
a eterna crise do capital,juros, compras,
mesas de bares

não, mesas de bares são importantes,
de alguma forma

mas não sabemos, enfim, o ESSENCIAL:
por que os dados são lançados
e o valor da aposta de cada um,
nunca saberemos

Um serviço de Billy boy


"Eu ainda mato esse cara. Ainda quebro ele".

"Quem?"

"O Gillmore".

"Que houve?"

"O desgraçado pediu que eu fosse na loja comprar camisinhas tamnho GG pra ele".

"Sacanagem da grossa".

"E ele falou... 'Desse tamanho aqui, ó', na frente de todo mundo. O homem é um filho-da-puta"

"E você foi?"

"Comprei, fazer o que..."

"Mas foi 'Desse tamanho aqui, ó'", e fiz o gesto com as mãos separadas uns 30 centímetros.

"Não fode, Dusquene", e Billy boy saiu caminhando, chateado.

Um serviço de Billy boy


"Eu ainda mato esse cara. Ainda quebro ele".

"Quem?"

"O Gillmore".

"Que houve?"

"O desgraçado pediu que eu fosse na loja comprar camisinhas tamnho GG pra ele".

"Sacanagem da grossa".

"E ele falou... 'Desse tamanho aqui, ó', na frente de todo mundo. O homem é um filho-da-puta"

"E você foi?"

"Comprei, fazer o que..."

"Mas foi 'Desse tamanho aqui, ó'", e fiz o gesto com as mãos separadas uns 30 centímetros.

"Não fode, Dusquene", e Billy boy saiu caminhando, chateado.

domingo, 7 de abril de 2013

Sobre o chão de Saturno, essa merda...

esta noite
estou triste
as coisas
não fluem
como deveriam

nem as mulheres
de dia
estavam melhores
nas ruas
hoje

e
todos são
indiferentes
a todos

levam suas mágoas
e angústias
presos
como tigres contidos
uma merda...

e vão morrer
disso
aos poucos
sempre

e assim
viveremos
até o fim
sem dar qualquer
espaço ao que
realmente
queremos fazer
ou dizer

...

pegamos o melhor
de nós mesmos
e destruímos

penso
que grande
parte das pessoas
se transforma em imã de
misérias reunidas

e ninguém
se vale
e todos
nos merecemos

completos
mas inalcançáveis
como as pernas
da mais bela
mulher
da praça

ao final,
nos olhamos, solícitos,
felizes uns com os outros:
escancaradamente contentes,
na mediocridade uniforme

O IDIOTA


Ninguém está a salvo de um idiota. Eu não estou. Você não está. Ninguém está. O idiota se apodera, se avoluma. Torna o dia mais difícil de ser suportado do que já é. Empesteia o ar. Mata a pouca esperança que ainda existe.

E eles se propagam que nem moscas. Estão em toda a parte. Cientes de sua estupidez, mas, nem por isso, deixando de defecar sobre nossas cabeças.

Otto Dusquene

Nem tente - ao velho Buk


cuidado, Dusquene,
você pode entrar na fila de transplantes
cuide de seu fígado, ame seu fígado
idolatre seu fígado, camarada

cuidado, Dusquene,
que a vida pode lhe pegar pelo saco e girar você no ar
como um saco cheio de merda,
cuidado

faça exame de próstata, não descuide
não fique aí, quentando os ovos, rapaz
faça por onde merecer estar vivo,
porra

cuidado, Dusquene,
cuide de seus olhos,
embora você não leia livros imprestáveis,
sem seus olhos como escrever poemas?

cuidado, camarada,
muito cuidado
e nem tente

Compaixão é sempre uma merda boa


a lua na sarjeta
que mal faz?
aquele poste só, ao longe,
iluminando
que mal faz?
aquele bêbado triste
que ali vai
que mal faz?
os pobres
que mal fazem ao mundo?
só a eles

então, camarada, tenha mais compaixão
não custa nada
tentar
nem que seja com sua mãe ou pai
ou sei lá quem

O fim, agora não seria bom


esse negócio de promessa
- e quanto nos prometemos...
é um troço dos diabos
pois a vida nos pega pelo pescoço
e nos joga em todos os buracos e armadilhas
e vamos escorregando em merda
até o fim

nos transformando
geralmente em pessoas piores
do que aparentemente pensamos ser
- e bebendo para esquecer
o que somos

isso vale para qualquer hipótese
da profissão ao casamento
do trabalho ao lazer
da bebida à abstinência
até o fim
o fim
de nada

A rombuda face de um mal que persiste


eu não tenho escolha
todo o dia me levanto, vou trabalhar
e dou de cara com uma multidão
que eu não queria ver

os rostos me deprimem
a sensação de inutilidade de suas vidas me deprime
a vaga lembrança neles de algo vago me deprime
até mesmo a suposta confiança que aparentam de querer prosseguir

caminho entre pessoas como mais um sacrificado,
fodido, malbaratado, estúpido ser das massas
penso: "bem, pelo menos, é sexta, não os verei por dois dias..."
não deixa de ser um alento, ainda com a possibilidade dos drinks no Salute a vida já não é tão ruim

sábado, 6 de abril de 2013

O momento só que não é o bastante

o bom
é o cheiro do
vinho
tinto
no copo
americano

é sabe
que
você está aqui e
que veste calças jeans
surradas
e blusa laranja
e tem
cabelos soltos
e vastos
e meus

você me sorri
e eu fico feliz com isso,
apenas,
é simples

o bom
é o dia
nublado, frio
o vinho, as persianas
até são agora perfeitas,
a lentidão
dos movimentos
seus

você
que me faz
ficar
admirando, esquivo,
e pensando
"como pode haver
algo assim
tão maravilhoso
nesta droga de mundo"

O fato é o mesmo e sem razão alguma V


não briguemos mais por causas risíveis
a vida é maior que isso, baby
- ou talvez seja justamente isso
não percamos mais tempo remoendo o nada
que isso nada vale e perderemos um tempo
que poderia ser compartilhado com um drink
e uma boa conversa, leve, no sofá
eu massageando seus pés, você sentindo cócegas,
eu bebericando e você me contando, dizendo feliz,
notícias que eu não escuto

Uma boa hora para ir a lugar algum


posso perder, mas vou tentando
apesar de todos os revezes, das probabilidades contrárias
você é um homem comum, Dusquene, você não pode muito
mas o jogo prossegue, os dados continuam a rolar,
a sorte está no ar, um dia vou sentir seu cheiro
e não o da merda cotidiana

mas, se tudo der errado, se a sorte fraquejar e não conseguir me alcançar,
sempre haverá a possibilidade de ouvir Satisfationa música do século 20 e 21, a tradução dos nossos últimos 40 anos
sempre ótima, com uma bebida na mão melhor ainda

bem, Dusquene, não custa parar agora e conferir o resultado...

A estante morta neste dia turvo


1
A merda é estarmos todos vivos ao mesmo tempo.

2
Ninguém merece o que não tem.

3
Sofrer? Vá à África veja o que é sofrimento.

4
Toda mulher é um estado de espírito estranho.

5
Morrer é melhor do que estar meio vivo.

6
Katrina, Irene... Ah, as mulheres de minha vida!

7
Foder às vezes não é melhor do que coçar o saco.

8
Vou quentando...

9
Toda mulher é um tédio depois de duas horas.

10
Dusquene, um dia a sorte lhe cai nos joelhos.

Desproteção

"O que você fez no dia do furacão, Hunter?". "A coisa tremeu um bocado lá em casa, mas acho que bebi". "Bebeu? Você é maluco, beber numa situação dessas". "Mas o que eu poderia fazer. Não sai de casa. Então emborquei uns drinks". "Mas e se a coisa ficasse feia pro seu lado?" "Mas não ficou. Deu até para apreciar o bater da tempestade por uma greta do compensado". "Você protegeu as janelas e portas, então?". "É claro. Mas depois fui beber". "Você sabe a conta do prejuízo?" "US$ 7 bi e meio". "É, um troço sério". "É, John, sério".

Blind Tom


Blind Tom tocava música de ouvido
Blind Tom ouvia a música e reproduzia na hora
Blind Tom tinha deficiência mental
Blind Tom, depois de tocar, batia a cabeça na parede até sangrar
Blind Tom era negro e pobre
Blind Tom realmente existiu
Blind Tom morreu com seu dom
que de nada lhe valeu,
pois jamais soube que fazia
essa mágica

Fence Boulder


Eu não mexeria com Fence Boulder se fosse você, amigo
Fence já retalhou cinco sujeitos no Colorado
Fence se inspira no sol, na terra e no ar
e vive de acordo com o instinto, o que é ruim
Fence não quer conhecer ninguém ou ter companhia
Fence é rude porque nunca bebeu na vida
o velho Fence Boulder do Colorado

Ele foi visitar Maryanne e ela não estava em casa
Ela escreveu que não aguentava mais a solidão e se foi pro Alabama
encontrar um homem bom, protestante e sincero
Fence Boulder cuspiu de lado e não deu muita importância
teria as mulheres que quisesse, sempre ou não

Eu não mexeria com Fence Boulder agora se fosse você, amigo
Esse homem sabe o que quer da vida, e sujeitos assim são perigosos
Ninguém sabe muito bem o que fazer, mas ele realmente sabe aonde deseja ir
e isso, de certo modo, será temerário para uns e outros que atravessarem seu caminho

A solidão de um homem acompanhado

"Você pensa que é melhor que eu, Dusquene?". Eu olhei para o bebum. Virei o rosto e voltei a beber o uísque. "Estou falando com você, seu pulha". Continuei bebendo. "Você é uma craca no mundo, Dusquene". Virei de novo e voltei a encarar o sujeito. "Dusquene, eu vou morder seu cu um dia desses". E eu ouvindo aquilo. O cara estava bêbado, certamente. "Você é um bosta, Dusquene. Uma grande bosta!". Definitivamente o sujeito queria briga. "Vá se foder, Duc. Seu escritor de quinta categoria. Seus escritos são um estorvo para a humanidade". Não aguentei mais. Entornei a dose e sai do bar, prometendo nunca mais beber diante de uma parede espelhada.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

A fé inabalável na velha amizade


Burns tinha um olho de vidro. O cara que fez a prótese sacaneou com ele. Fez o olho um pouco menor que o globo ocular.

Era constrangedor conversar com Burns. Ele me via no bar, arrastava a cadeira e sentava.

- Como vai, Dusquene?

- Tudo bem. E com você?

- Vou indo.

A conversa seguia. Eu pedia mais um drink. Burns outro. Sei lá, o músculo ocular relaxava depois de umas doses.

- O olho caiu, Burns.

- O que?

- O olho...

- Caralho! Aquele filho-duma-cadela me paga...

E a coisa ia assim, mais meia hora:

- De novo, Burns.

- Ahh?

Eu apontava para o meu olho esquerdo, que seria o olho direito falso de Burns, em imagem invertida.

- Porra, que merda! Desculpe, Duc.

- Não se preocupe. Não tem um jeito de colar?

- Você está brincando comigo, não é?

- Sei lá. Não entendo dessas coisas - eu disse - Esquece - e pedi outro drink.

A coisa foi abaixo novamente.

Dessa vez o olho de íris marrom escuro rolou pelo tampo da mesa e foi parar no chão.

- Passou perto de sua mão. Podia ter segurado.

- Desculpe, Burns, mas agarrar olho de alguém é demais para mim.

E levantei com meu drink.

Burns me olhou puto.

- Você é um cretino, Dusquene.

- Para algumas coisas realmente sou.

Antes de me dirigir ao balcão, lhe disse:

- Se eu fosse você recolheria logo esse olho. O proprietário gosta de passar um esfregão e...

Vi o olho restante de Burns aflito perscrutando o chão.

todos os sonhos morrem às sextas-feiras


todos os sonhos morrem às sextas-feiras
é quando vemos que cumprimos apenas o script
e nos conformamos entornando umas cervejas

olhamos para os mesmos rostos vencidos dos bebuns de sempre
que, não sei por que, se alegram com a nossa entrada no bar
pensam: "outro que teve uma semana decente"

temos velhos hábitos - eu tenho os meus -
e seguimos em frente por hábito também
vendo as velhas caras, ouvindo as estúpidas músicas,
sem nada de novo, sem uma verve sequer

e esperaremos pela próxima semana
e apostaremos nossas fichas em algo que não virá
enfim, leremos em odiosas bocas amigas: "mais um no bar"

sem a menor importância


há pessoas sem a menor importância para a paisagem
no conjunto, são as que nada almejam ou as estão contentes com a sua rotina
são pessoas inexistentes por si
que nada dizem a que vieram, apenas ocupam espaço
e eu as vejo todos os dias nas ruas, nos edifícios, no trabalho
e penso: "como pode? e há um cu nisso"

são pessoas que exalam cheiro de criança recém-nascida
ou seja, o cheiro inconfundível de uma espécie de conformismo,
dos que se sentem seguros neste mundo louco,
e eu as vejo todo santo dia e continuo a pensar: "e há um cu nisso".